segunda-feira, 27 de julho de 2020

Divulgando meu livro



O principal objetivo deste livro é interpretar a disputa pela construção de sentidos e as práticas discursivas nas representações dos homossexuais do sexo masculino nas páginas do jornal Lampião da Esquina, entre 1978 e 1981. Além disso, tive como objetivo algumas pautas mais específicas: historicizar o jornal Lampião; apresentar as relações de tensão envolvendo o jornal e seus leitores quanto a representação dos homossexuais; investigar de que forma o periódico contribuía (ou não) para a construção de identidade(s) do(s) homossexual(ais); e, por fim, identificar através da seção Cartas na Mesa como o discurso de Lampião chegava aos seus leitores e como estes os apropriavam. Para isso, parti de duas questões: Como os discursos no jornal (des)construíam estereótipos e (re)construíam tipos ideais de homossexuais? Quais representações apareciam mais no periódico: o homossexual masculinizado ou o efeminado? Para terem acesso a essas respostas, convido a tod@s para lê-lo. Acredito que em tempos de intervenção na vida privada, onde temos propagandas do governo federal incentivando a ausência de relações sexuais, pensar sobre as (homos) sexualidades seja um ato de resistência contra esse (des)governo.

Está sendo vendido na Amazon e no site da Editora Collaborativa. 


sexta-feira, 19 de abril de 2019

ANÁLISE LITERÁRIA DE "O MUNDO SE DESPEDAÇA"

O romance O mundo se despedaça de autoria do nigeriano Chinua Achebe retrata os costumes e a cultura do povo ibo - que fica na vila de Umuófia, situada no sudeste da Nigéria, ao norte do delta do rio Níger e ao sul do Benué-, e da desintegração desta, a partir do século XIX, com a chegada dos europeus na região, sobretudo dos ingleses, a partir da história do herói Okonkwo, que era na história, conhecido nas nove aldeias e mesmo mais além. Sua fama se deu devido a grandes feitos pessoais, como por exemplo, ter vencido há vinte anos ou mais-quando tinha dezoito anos-, Amalinze, o Gato, que era um lutador que não havia perdido uma luta durante sete anos.
O personagem de Okonkwo é descrito pelo autor com uma precisão física admirável. Era alto, de respiração forte, cujo físico davam um tom severo à sua pessoa. Além disso, era impaciente, com temperamento violento, o que fazia resolver quase tudo pela força bruta porque não tinha muita paciência. Era um homem de ação, um homem de guerra. Era o oposto de se seu pai, Unoka, que era covarde e não podia ver sangue. Mas, paralelamente a isso ele não parecia ser um homem cruel, pois era como era, devido ao medo do fracasso e da fraqueza. Enfim, era um medo de si próprio, de que afinal descobrissem que ele se parecia com o seu pai.
Unoka era um homem fisicamente alto e magro. Preguiçoso, ele não pensava no amanhã a não ser no comer e no beber. Era também um devedor de dinheiro aos vizinhos e era um mau pagador. Era enfim, um “derrotado”, um fracassado. Tinha uma expressão triste, principalmente quando se falava em assuntos de guerra. Suas expressões só melhoravam quando bebia, falava de música ou tocava a sua flauta. Morreu há 10 anos de inchaço - o que era uma abominação para Ani, a deusa da terra, e que de todas as deidades, era a que desempenhava um papel mais importante na vida do povo ibo, por ser juiz  supremo  da  moral  e  da conduta - na Floresta Maligna, já que quando um homem sofria de inchação do estômago ou dos membros, não lhe era  permitido  morrer  em  casa. Unoka morreu sem pagar suas dívidas, e, sem ter nenhum título - um agbala.
Okonkwo era um homem próspero que não recebera nada da vida, nem mesmo de herança. Sua prosperidade veio com a plantação de inhame, que conforme o autor era o “símbolo da virilidade, e aquele que fosse capaz de alimentar a família com os inhames de uma colheita à outra era realmente um grande homem.”. A prosperidade de Okonkwo era visível em seu lar: possuía um amplo compound, com várias habitações rodeadas, cada uma de suas três esposas tinha uma moradia própria, tinha celeiro, galinheiro, e até um relicário, onde fazia as preces para os ancestrais, pedindo proteção para suas mulheres e oito filhos. Nwoye era o filho primogênito de Oknokwo, mas de todos eles, Oknokwo tinha mais apreço por sua filha mais velha Enmzima, pois parecia ser a única que conseguia compreender os humores do pai, e a única com a qual ele conseguia dialogar. Achebe diz que Okonkwo não era homem de falar, mas sim de fazer, porém com sua filha ele conseguia conversar e obter prazer no diálogo, às vezes lamentava pensando que a menina devia ter nascido homem, o que significava que ela mais pertencia à família materna do que à sua família. Parece predominar entre o grupo ibo um sistema social baseado em laços familiares patrilineares - no clã e na linhagem paterna- que relacionava a proximidade do parentesco e a da moradia. Assim, conforme tal lógica, os parentes mais próximos, que seriam os paternos, seriam os vizinhos do lado e parceiros de todas as atividades comunitárias, e os parentes mais afastados, os da mãe, viviam em outra aldeia e só se reuniam com seus familiares em ocasiões especiais.
A história de Ikemefuna também é bastante interessante. O rapaz foi tirado de sua família que fora acusada de matar a filha de Umuófia, que era temida por todas as aldeias vizinhas, por ser poderosa na guerra e na magia, e seus sacerdotes e curandeiros infundiam terror nas redondezas. Esta mulher assassinada era esposa de Ogbuefi Ezeugo, que era um orador poderoso dentre o povo ibi. Ikemefuna ficou três longos anos na casa de Okonkwo, até ser condenado à morte pelo oráculo cuja sentença foi executada pelos anciãos provenientes das nove aldeias e pelo seu “pai” Okonkwo, que havia passado a tê-lo como um filho, apesar de não demonstrar isso, pois demonstrar carinho e afeição, no seu modo de ver a vida, seria sinal de fraqueza.
Após o assassinato de Ikemefuna, Okonkwo passou dois dias sem comer e questionando o seu eu. Mas, pouco a pouco foi voltando ao normal, quando foi ocupando sua cabeça. Mas, a personagem Okonkwo sofre alguns infortúnios ao longo do livro além de carregar a culpa da morte de Ikemefuna. Na Semana da Paz, por exemplo, onde não se podia dizer ou fazer nada duro com outras pessoas, ele se esqueceu desse costume e desrespeitou a deusa da terra, por ter espancado sua esposa mais nova, após ela ter saído para trançar o cabelo de uma amiga e não ter voltado para casa para fazer a refeição dele. Assim, ele foi punido pelo sacerdote Ezeani, e teve que oferecer uma cabra, uma galinha, uma peça de tecido e cem cauris à Ani. Outro evento que ocorre, é quando morre Ezeudu, o mais velho da aldeia de Umuófia e pertencente ao clã de Okonkwo, que recebera três títulos, e que por isso seria enterrado após o anoitecer. No enterro, a arma de Okonkwo explode, e acidentalmente acaba matando o filho de Ezeudu. Mas, como Okonkwo havia matado alguém de seu clã, o que era todo como um crime contra a Ani, ele teve que se retirar da região por sete anos. Além disso, suas casas foram incendiadas e mataram os animais e destruíram o celeiro. Era a “justiça” da deusa da terra sendo feita. Assim termina essa primeira parte do livro, que contém treze subcapítulos.
Na segunda parte do livro, que vai do subcapítulo 14 ao 19, já nos apresenta Okonkwo e sua família em Mbanta, onde estavam seus parentes maternos, e cuja narração do autor, dá para ver que no povo ibo, se valorizava a patrilinearidade, já que temos o seu tio Uchendu interrogando toda a família:
Porque Okonkwo hoje se encontra entre nós? Este não é o seu clã. Somos apenas os parentes de sua mãe. Ele não pertence a este lugar. (...)”, e ele continua “Por que razão, quando morre uma mulher, ela é levada de volta à casa de seus pais para ser enterrada junto aos próprios parentes? Jamais é enterrada junto aos parentes do marido. Por quê? (...) os filhos pertencem ao pai. (...) O lugar de um homem é na terra natal de seu pai quando tudo lhe corre bem e a vida lhe sorri. Mas, quando vêm a tristeza e a amargura, ele encontra refúgio na terra natal de sua mãe. A mãe ali está para protegê-lo.
Na segunda parte também temos a visita do melhor amigo de Okonkwo, Obierika. Ele levava a notícia da invasão e do fim de Abame pelos homens brancos, após esse clã ter matado um deles e o pendurou em uma árvore com o seu “cavalo de ferro” - que era uma bicicleta. Depois de dois anos Obierika volta com notícias de que os missionários tinham conseguido chegar a Umuófia e já haviam começado com as conversões, principalmente dos efulefu, que eram aquelas pessoas que não tinham valor, já que não possuíam títulos. Mas, um dado importante é mencionado: entre os missionários estava o filho primogênito de Okonkwo, Nwoye. O que esta conversão significaria então para a vida futura de Okonkwo? Pela tradição ibo, a adesão de Nwoye à religião do homem branco acaba desfazendo a descendência e decretando a morte de Okonkwo, já que para alcançar a eternidade , o seu espírito deveria sobreviver à morte de seus filhos e netos e bisnetos, e que os netos de seus netos fizessem, no altar familiar, sacrifícios em sua memória.
É válido destacar como a questão da alteridade não estava presente nesse encontro entre os ibos e os missionários, que se achavam superiores a este povo:
- Se abandonarmos os nossos deuses e resolvermos seguir o seu- indagou outro ouvinte -, quem vai nos proteger contra a ira dos nossos deuses abandonados e dos nossos ancestrais?
- Os deuses de vocês não existem e, portanto, não lhes podem causar nenhum mal- retrucou o homem branco. - São meros pedaços de madeira e de pedra . (...).
No diálogo acima, podemos notar uma tentativa de conversão dos africanos ao cristianismo, o que segundo Opoku , resultaria numa separação entre a religião e a vida, o que opunha a base da cultura africana, que prega a unidade entre a vida e a religião. Assim, tais missionários pregavam contra a crença nos espíritos, nas forças sobrenaturais e nos deuses. Nos diálogos a seguir, esta falta de altruísmo é ainda mais latente:
(...) Por acaso o homem branco entende os nossos costumes no que diz respeito à terra?
- Como é que ele pode entender, se nem sequer fala a nossa língua? Mas declara que nossos costumes são ruins; e nossos próprios irmãos, que adotaram a religião dele, também declaram que nossos costumes não prestam .
Em outra parte do livro o autor continua sua narração:
(...) quando essas declarações foram traduzidas para os homens de Mbanta, eles se puseram a rir. Esses sujeitos devem ser doidos, pensaram. Caso contrário, como poderiam acreditar que Ani e Amadiora fossem inofensivos? E que também o fossem Idemili e Ogwugwu? E, assim pensando, alguns homens começaram a ir embora .
Vale ressaltar que não só a falta de altruísmo colocava essas duas culturas em choque. Pois os europeus consideravam os africanos seres primitivos, e sem história. Assim, além do objetivo de explorar os interiores da África, cabia aos europeus civilizar os africanos. Junto a essa ideia de expansionismo territorial estava presente argumentos científicos baseado nas teorias desenvolvidas pelo Darwinismo Social, Determinismo racial e Evolucionismo Social, o que fez que houvesse uma intervenção na África através da imposição da fé cristã e dos valores culturais europeus, que se justificavam pela inferioridade biológica, cultural e espiritual dos africanos. Opoku  afirma que toda a intervenção europeia na África fundamentava-se na ideia de que para a implantação do “progresso”, era preciso transformar e até mesmo destruir completamente a cultura africana. Contudo, como a cultura africana estava imbricada de religiosidade, era preciso conversão dos africanos ao cristianismo pelos missionários, que acabavam sendo, portanto os porta-vozes da cultura e da religião ocidental.
É interessante destacar que em Umuófia, os anciãos concederam uma parte da terra da Floresta Maldita para os missionários pensando que eles morreriam até o quarto dia. Como isso não ocorreu, eles pensaram que o deus deles era mais poderoso, e assim começou a conversão. Assim, na terceira e última parte, que vai dos subcapítulos 20 ao 25, temos a narrativa de como Umuófia mudara durante os sete anos do exílio de Okonkwo, que com o surgimento da igreja, fez a conversão não só de baixa extração do povo, mas também de alguns homens de valor, como Ogbuefi Ugonna, por exemplo, que recebera dois títulos do clã, porem os jogara fora para se juntar aos cristãos. Além da igreja, os homens brancos também trouxeram o tribunal, cujo um comissário desempenhava o papel de juiz, e cujos guardas - kotma- eram pessoas odiadas em Umuófia. Apesar disso, o homem branco trouxe ao mesmo tempo um crescimento do comércio e do lucro em Umuófia, já que o óleo e as sementes de palma atingiram preços elevados . Então se começa a crescer um pensamento de que existia algo de bom ai.
Ainda nesta parte do livro temos o regresso de Okonkwo à terra natal e que não fora tão memorável quanto ele desejara, já que o clã sofrera profundas mudanças durante os seus sete anos de exílio, que parecia quase irreconhecível, já que o clã estava dividindo-se e desintegrando-se, e os guerreiros de Umuófia que havia se tornado fraco como mulheres.
Temos a narração também do desrespeito de Enoch pelos ancestrais, o que desencadeou o grande conflito entre a igreja e o clã em Umuófia . Esse episódio ocorreu durante a cerimônia anual em homenagem à deusa da terra, onde os ancestrais colocados sob a custódia da Mãe-Terra, reapareciam como egwugwu.  Um dos maiores crimes que alguém podia cometer era tirar a máscara de um egwugwu em público o que diminuía seu prestígio imortal. E foi isso o que Enoch fez. O resultado final foi a destruição do compound de Enoch e da igreja. Quando o comissário distrital voltou, ele convocou os seis líderes de Umuófia para ir até ele, incluindo Okonkwo e Okika, que era um grande orador, e lá ficaram presos até pagarem a multa.
Em uma “reunião” que ocorria na praça, de Umuófia, Okonkwo acabou matando um guarda. E logo depois ele se suicida enforcado em uma árvore. O comissário então começa a planejar a escritura de um livro cujo título seria: A pacificação das tribos primitivas do Baixo Níger, contando toda a sua experiência de luta para trazer a civilização a diversas regiões da África. Enfim, o livro termina, porém, quando começa a verdadeira história do desmoronar e da transformação da cultura ibo.
Achebe não nos descreve um mundo africano idealizado, sem contradições e conflitos, e tão pouco uma sociedade igualitária e solidária, que tinha escravos e párias (os osus). Mas, nos descreve uma sociedade que tem história e cultura, inclusive antes da chegada dos europeus, o que confronta com a ideia Europeia que se baseava no paradigma hegeliano, de que não havia fontes no estudo da África antes da colonização, devido à predominância da historia oral e a escassez de fontes escritas . Assim, no livro de Achebe, temos uma sociedade complexa, de cultura diferenciada da do padrão europeu, que é marcada pelo individualismo, competitividade e hierarquizada por títulos honoríficos  que indicavam o “mérito” de um homem e traziam consigo o direito a certos sinais exteriores de distinção como a tornozeleira, o bastão e o tamborete, por exemplo; e que um homem com poucas posses obtinha um grau mais baixo, e para subir de posição, ele era obrigado a pagar maiores recursos, assim, só os homens mais ricos podiam aspirar a elevados títulos.
O autor demostra ainda outras três coisas interessantes no texto: o culto aos ancestrais, o misticismo e a oralidade. O culto aos ancestrais  fica visível quando Unoka rezava a eles pedindo-lhes vida, saúde e proteção contra os inimigos. Já o misticismo é evidenciado em passagens, por exemplo, de quando eles podiam ouvir o choro da deusa na madrugada, ou quando os espíritos apareciam e de suas cabeças saiam fumaça, ou ainda quando a penumbra dos deuses aparecia, porém a sua presença era tão grandiosa que não conseguiam o ver . Por fim, temos a importância da conversação, ou seja, a oralidade, já que os mais velhos contam ao mais jovens as antigas e gloriosas histórias dos ancestrais dos clãs, dos deuses e das relações com os mesmos, como nos dois exemplos a seguir retirados do livro: “Meu pai me contou terem lhe contado que, no passado (...)” e “Contaram-me ontem (...)”.
Em suma, Achebe não cai em reducionismos ou simplificações, ao não tratar a história africanista baseada nos regimes historicistas descritos por Lopes . Assim, no enredo, não vemos uma inferiorização africana e nem tão pouco uma superioridade dos africanos. Temos a narração de culturas diferentes e seus encontros. Além disso, Achebe coloca em destaque a oralidade, que é tão importante nas sociedades africanas. Assim, o romance do autor a partir da ênfase na oralidade, se faz permanente pela palavra escrita, já que no livro Achebe, narra-se gestos, usos, maneiras de ser, de sentir e de pensar, formas de trabalho, de festa, o preparo da terra e a colheita, o que faz com que a cultura africana não seja isolada da vida cotidiana, já que envolve “uma visão particular do mundo, ou melhor dizendo, uma presença particular no mundo – um mundo concebido como um todo onde todas as coisas se religam e interagem .”.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

EMENDA PLATT


Segundo Rainer Sousa, no final do século XIX, com políticas articuladas, os Estados Unidos apoiaram a descolonização dos países vizinhos para tê-los como aliados e para atingir seus interesses políticos e econômicos. Com Cuba não foi diferente. Em 1898, José Martí liderou um processo de independência da ilha, que ainda estava sendo domínio da Espanha. Por perceberem que a ilha era uma possibilidade de expansão do seu comércio, os EUA apoiou os cubanos na luta contra os espanhóis. Os EUA vencem e antes de elaborar uma Constituição cubana, ele elabora a Emenda Platt para garantir que a ilha estaria sob seu controle total, com o argumento de que, desta forma, Cuba estaria ‘protegida’ das invasões europeias. A Emenda Platt foi criada pelo senador estadunidense Orville H. Platt, que a apresentou ao Congresso dos EUA, e em 12 de junho de 1901 seria aprovada, pela maioria, como um apêndice constitucional. A Emenda Platt perdurou até 1933, pois em 1934 o soldado e ditador Fulgêncio Baptista assumi o governo e a substitui por um acordo comercial.

A emenda¹, de forma geral, definia que as relações dos Estados Unidos com Cuba, seria da seguinte maneira:

I. Que o governo de Cuba nunca entraria em qualquer tratado ou outro pacto com qualquer potência estrangeira ou poderes que, irá prejudicar ou tendem a prejudicar, a independência de Cuba.
II. O governo não assumirá ou contrairá qualquer dívida pública, para pagar juros, e prevê fundo razoável para a descarga final das receitas ordinárias da ilha, depois de custear as despesas correntes do governo.
III. O governo de Cuba consente que os Estados Unidos possa exercer o direito de intervir para a preservação da independência cubana, a manutenção de um governo adequado à proteção da vida, propriedade e liberdade individual, e para cumprimento das obrigações impostas pelos EUA a Cuba.
IV. Todos os atos dos Estados Unidos em Cuba durante a ocupação militar do mesmo são ratificados e validados, e todos os direitos legais adquiridos ao seu abrigo deve ser mantida e protegida.
V. O governo de Cuba irá executar, e, na medida do necessário, estender os planos já elaborados ou outros a ser mutuamente acordados, para o saneamento das cidades da ilha, a fim de que a recorrência de uma epidemia e doenças infecciosas possam ser evitadas, assegurando proteção às pessoas e comércio de Cuba, bem como para o comércio dos portos do sul dos Estados Unidos e as pessoas ali residentes.
VI. A Ilha dos Pinos fica fora dos limites de Cuba propostos pela Constituição, deixando-se para um futuro tratado a fixação da sua presença.
VII. Para permitir que os Estados Unidos mantenham a independência de Cuba, e para proteger seu povo, bem como para a sua defesa, o governo de Cuba venderá ou arrendará aos Estados Unidos as terras necessárias para estabelecer carvoeiras ou estações navais em certos pontos específicos , a ser acordado com o presidente dos Estados Unidos.
VIII. Por meio de garantia adicional ao governo de Cuba inserirá as disposições anteriores num tratado permanente com os Estados Unidos.

Em suma, esta emenda era um dispositivo constitucional, portanto legal, assinado pelo Senado norte-americano para garantir que os Estados Unidos pudessem intervir política e militarmente em Cuba quando os seus interesses econômicos e políticos estivessem ameaçados (como em 1906, 1912, 1917 e 1920 ). Além de oficializar o poder de interferência, a Emenda Platt ofereceu aos norte-americanos uma área de 117 quilômetros quadrados para a construção de uma base militar na baía de Guantánamo que ao longo do tempo serviu de prisão para vários terroristas e líderes políticos que ameaçaram a hegemonia política dos Estados Unidos. Enfim, esta emenda exemplifica a aplicação da chamada Política do Big Stick, na qual o exercito podia usar a força para resolver problemas num dos Estados, formulada pelo Presidente Theodore Roosevelt.   

Filme "O último dos moicanos" e a história dos EUA

 Aproximando ficção e realidade o filme sintetiza a Guerra dos 7 Anos, que serve como cenário para o filme, que foi um combate entre colonos e soldados à serviço da coroa inglesa que se confrontaram com os franceses em território americano. Ambos os lados usam da manipulação dos índios de diferentes tribos que se dividem entre franceses e ingleses, por buscarem proteção.
Segundo Alômia Abrantes, a guerra dos Sete anos foi uma época de difícil sobrevivência para os que ficaram à margem do processo de colonização da América do Norte como os homens rústicos ( fronteiriços) e os homens de origem e cultura diferentes ( índios), pois era uma época em que a terra significava além de sobrevivência, significavam também, questão de honra por estarem expandindo território. Em suma, os ingleses se encontravam em uma situação difícil pelo pouco sucesso na investida das terras norte-americanas que foram conquistadas pelos fronteiriços e se encontravam nas mãos dos índios que eram apoiados pelos franceses, e, além do conflito entre franceses e ingleses, havia o conflito entre ingleses e índios( já que eles não queriam se misturarem por considerá-los uma raça inferior, ou até mesmo, animais) e índios de tribos diferentes ( moicanos X huronianos). Tais conflitos retomam ao período de fase colonial, em meados do século XVIII.


A luta pelo poder e pela sobrevivência é que enredam o filme. Assim podemos observar que os dois últimos moicanos, que habitavam as proximidades do Lago George, e que foram arrancados de suas terras com a chegada dos brancos, exemplificam bem essa luta e são os exemplos de resistência e violência contra os índios.

A guerra é vencida militarmente pelos ingleses e merece muita atenção de nós estudantes, por ter sido um dos principais antecedentes do processo de independência dos EUA, já que representou um impasse na relação metrópole e colônia na medida em que a Inglaterra se viu sobrecarregada com a guerra. E segundo Leandro Karnal, a partir de então, o liberalismo que norteava a relação metrópole-colônias, cede lugar para uma postura cada vez mais intervencionista da metrópole sobre a colônia, representada, em sua maioria, por um aumento radical de carga fiscal, como as leis "do Açúcar", "do Selo" e "do Chá". Este feito, se mostrou incompatível com um sentimento que vinha crescendo nas colônias que é o sentimento de autonomia, estimulado pelos princípios de liberdade e igualdade que estavam em grande difusão por todo mundo ocidental nesse momento histórico. E o restante da história, já sabemos ( a mobilização dos colonos ocorre rapidamente nos Primeiro e Segundo Congressos da Filadélfia, sendo que o último, articulado por Benjamim Franklin e Thomás Jefferson, resultou na Declaração de Independência dos EUA em 04 de julho de 1776).  

Resenha de "Mulheres na sala de aula", de Guacira Lopes


O texto de Guacira Lopes inicia-se citando Nísia Floresta, a “ mulher metida a homem”, que em pleno século XIX denunciava a condição de submissão das mulheres e reivindicava sua emancipação através da educação para contextualizar a concepção que se tinha de educação em tal contexto. A educação não era igual para as meninas e meninos, havia professores para os meninos e professoras para as meninas, e eles deveriam estudar em salas ou até turnos diferentes. Os meninos deveriam saber geometria e as meninas bordar e costurar, e o ensino de geometria causaria um salário desigual no futuro. Os professores por sua vez deveriam ter uma moral inabalável e inatacável, e as suas casas ambientes deveriam ser decentes e saudáveis.
A autora também chamará a nossa atenção para as concepções de educação feminina pelos imigrantes e ordens religiosas que se aproximavam em muito da dos luso-brasileiros. Contudo, em alguns grupos socialistas e anarquistas, se dava atenção às questões da educação feminina ligada à idéia de que com a instrução a mulher se libertaria. Enfim, as concepções e formas de educação das mulheres eram diversas e estabeleciam relações atravessadas por suas segmentações. Porém, parecia haver um consenso de que as mulheres deveriam ser educadas e não só instruídas, isto é, a formação de maior relevância seria a moral sólida e dos bons princípios já que seu destino era de esposa e mãe.
Segundo Guacira, as últimas décadas do século XIX apontam uma necessidade de educação para a mulher vinculando-a à modernização da sociedade, à higienização da família, à construção da cidadania dos jovens, a controlar seus homens e formar os novos trabalhadores e trabalhadoras do país. A autora destaca que para muitos, a educação feminina não poderia estar desvinculada de uma sólida formação cristã e de uma moral religiosa que apontava uma representação das mulheres de Eva ou Maria, onde as jovens moças deveriam se espelhar na pureza da Virgem apelando assim para a missão da maternidade e para a manutenção da pureza feminina. Enfim, se criava um ideal feminino que implicava o recato e o pudor, a busca pela perfeição moral, a aceitação de sacrifícios, a ação educadora dos filhos e filhas. E que para outros ligados aos ideais positivistas e cientificistas, a educação feminina, ainda ligado à função materna e as concepções relativas à essência do que se entendia como feminino, deveria incorporar as ciências que tratavam das tradicionais ocupações femininas.
Guacira depois nos falará da criação das escolas normais. Estas instituições foram criadas para ambos os sexos, mas a atividade docente era exercida majoritariamente por homens, mas agora, em meados do XIX, as mulheres também se tornavam necessárias. As escolas normais passariam a formar mais mulheres do que homens, que começaram a procurar outros tipos de empregos e salários mais autos, acarretando assim numa feminização do magistério. Contudo, este processo não se deu sem posturas favoráveis ou contrárias. Para alguns, como Tito Livio de Castro, era uma insensatez entregar às mulheres despreparadas e de pouca inteligência a educação das crianças. Outros afirmavam que a mulher tinha por natureza uma inclinação para o trato das crianças, e, se o destino da mulher era a maternidade, bastaria pensar que o magistério representava a extensão da maternidade e era representado como uma atividade de amor, entrega e adoção. Tal discurso, segundo a autora, justificava a saída dos homens das salas de aula e legitimava a entrada das mulheres nas escolas. É a partir daí que se passam a ser associados ao magistério características tidas como tipicamente femininas: paciência, minuciosidade, afetividade, doação, e a reforçar a idéia de que o magistério era um sacerdócio e não uma profissão, constituindo a imagem das professoras como trabalhadoras dóceis, dedicadas e pouco reivindicadoras.
Com uma feminização do magistério, fazia-se supor que as escolas de meninos estariam sem mestres, e a solução seria permitir que as mulheres lhes dessem aulas, mas teria que salvaguardar a sexualidade dos meninos e das professoras que normalmente se vestiam de forma assexuada. Também para a mulher sair de casa, o que era um risco, o trabalho era só de um turno e transitório, para não afastar a mulher da vida domiciliar, dos deveres domésticos, da alegria da maternidade, da pureza do lar, o que de certa forma, contribuía para que os seus salários fossem baixos e complementares ao do marido que era o provedor da casa. Enfim, o casamento e a maternidade eram incompatíveis com a vida profissional feminina e o trabalho de modelo religioso de de metáfora materna porque exigia dedicação, disponibilidade, humildade-submissão, abnegação-sacrifício, só seria aceitável para as moças solteiras até o momento do casamento, ou para as mulheres que ficassem só. A incompatibilidade do trabalho com o casamento e a maternidade se justificava pois a condição de casada poderia resultar numa fonte de indagação das crianças e jovens sobre a vida afetiva e sexual da professora, num ambiente, que procurava negar a sexualidade. A sexualidade das professoras ainda podiam ser representadas como elas sendo homossexuais, pois as mulheres que tomassem iniciativas que contrariassem as normas, que fossem mais instruídas ou que ganhassem o seu próprio sustento eram percebidas como desviantes, como mulheres metidas a homem, como mulher-homem.
A autora tratará ainda da questão das instituições estarem voltadas para uma transformação das meninas/ mulheres em professoras. Assim, os arranjos físicos, do tempo e do espaço escolares, estão informando e formando como ser ou agir, enfim, institui em sua materialidade um sistema de valores, como ordem disciplina e vigilância. Uma série de rituais e símbolos, doutrinas e normas foram mobilizados para a produção dessas mulheres professoras. Ensinava-se um modo adequado de se portar e comportar, de falar, escrever e argumentar, que se constituíam num conjunto de critérios que elas carregariam para além da escola. As professoras tinham a responsabilidade de se manterem acima do comportamento comum, isto é, se viram obrigadas a um estrito controle sobre seus desejos, falas, gestos e atitudes e tinham na sociedade o fiscal e censor de suas ações.
No fim do século XIX, as professoras passam a aprender coisas relacionadas ao afeto, e que ficavam restritas ao lar, mas as escolas reelaboravam tais saberes e habilidades, que poderiam contribuir para a formação da moderna mestra e ser um estágio preparatório para o casamento e a maternidade. A profissão ainda mantinha laços com suas origens religiosas. Guacira ressaltará também o papel das mulheres como dirigentes de instituições leigas ou religiosas , onde assumiam o papel de uma mãe-zeladora de tudo e todos. Contudo, nas escolas públicas tal papel cabia ao homem que era referencia de poder e firmeza nas decisões.
O magistério se apresentava com a alternativa mais viável ao casamento e ser professora estava associada à imagem da mulher pouco graciosa, da solteirona retraída. Na parte sobre o jogo das representações, a autora afirma que as representações, que se constituíam e mudavam, de professoras tiveram um papel importante na construção da professora, fabricando professoras e dando sentido ao que era e ao que é ser professora. Portanto, é possível compreender que a moça que se achava feia e retraída percebia-se atraída para o magistério já que existia uma compreensão social de que ele era uma função adequada para mulheres e na aproximação dessa função à maternidade. Assim, para aquelas em que a maternidade parecia estar impossível, estariam cumprindo sua função feminina ao se tornarem, como professoras, mães espirituais de seus alunos. Todavia, a representação da professora solteirona é, então, adequada para justificar a completa entrega das mulheres à atividade docente, ao caráter de doação e de desprofissionalização da atividade. A professora solteirona também poderia ser representada como uma figura severa cuja afetividade estava escondida. As caricaturas retratam isto e representa-nas como mulheres sem atrativos físicos, quase bruxas, munidas de uma vara para apontar para o quadro-negro, de óculos. Tudo isso para retirar da mulher uma imagem de que é frágil e propensa aos sentimentos. Neste contexto, a professora tinha que evitar o mínimo de contato com os alunos. Mas, quando o discurso sobre a escola passa a valorizar um ambiente prazeroso, também a figura da professora passa a ser representada como sorridente e mais próximos dos alunos.
Ao longo do século XX, segundo Guacira, as professoras e normalistas foram se transformando e se constituindo educadoras, depois profissionais do ensino, para alguns tias, para outros, trabalhadoras da educação. Nas primeiras décadas do século eram chamadas de professorinhas e normalistas fazendo referência às jovens recém-formadas. Já o magistério primário já era então demarcado como um lugar de mulher. Com as teorias psicológicas e sociológicas, temos a representação da professora como educadora que fornecia apoio afetivo, emocional e intelectual à criança. Já na ditadura, havia a tendência de se substituir a mãe-espiritual pela da profissional do ensino, cujo profissional era imbuído de tarefas burocráticas, de ordem administrativa e de controle, com ação didática mais técnica, eficiente e produtiva. A reivindicação da profissionalização se constituía como uma forma das mulheres professoras lutarem por salários iguais aos dos homens. Esse argumento ia contra a concepção do magistério como extensão das atividade maternais. Mas de qualquer modo também haveria resistências a essa nova concepção. Por um lado, como reafirmação da afetividade e de sua importância central na atividade docente, muitos dos professores e professoras passam a utilizar “tia” para denominar professora, se por um lado aumentava as características familiares, por outro lado promoviam um anonimato da professora. Uma outra forma de resistência estaria se dando num processo de proletarização da categoria docente que estaria ligada na acentuada queda de salários, e os professores, iriam procurar buscar formas de lutas também semelhantes às dos operários, como os sindicatos, greves e manifestações públicas de maior visibilidade. Apesar dos sindicatos serem formados em grande maioria por mulheres, os homens também passariam a fazer parte dele. As greves são práticas sociais novas e a adesão ou não a essa forma de luta não se dá de modo fácil.

Para concluir, não se pode compreender a história de como as mulheres ocuparam as salas de aula sem notar que essa foi uma história que se deu também no terreno das relações de gênero e de relações sociais de poder. Assim, todos são ainda controlados e controladores capazes de resistir e de se submeter, e pensar as mulheres professoras apenas como subjugadas talvez empobreça demasiadamente sua história já que mesmo quando tentaram silenciá-las, elas foram capazes de engendrar discursos discordantes, construir resistências e subverter comportamentos. Construir uma história as avessas também significaria reduzir e idealizar as trajetórias daquelas professoras que foram revolucionárias. Assim, não houve uma homogeneização das mulheres professoras, se construindo por meio e em meio a discursos e práticas que elas acabaram por se produzir como professoras ideais e ou desviantes, como mulheres ajustadas e ou inadaptadas. Enfim, o magistério surgiu como sendo algo vocacional, sacerdotal. Chegar ao status de profissão foi uma luta contra os preconceitos que envolviam a mentalidade da época e o discurso que pensava a mulher unicamente com função gestora e do lar. Hoje em dia, ser professor ainda evoca tal concepção antiquada, mas sabemos que somos profissionais e que não fazemos isto por amor, mas, como desenvolvedores de uma atividade educativa para a formação crítica dos alunos e alunas. Enfim, este texto faz uma trajetória histórica de como surgiu a feminização do magistério até a sua concepção de profissionalização. 

Formação e saberes docente: a questão da memória e do ensino de História


Temos que refletir um pouco sobre o profissional da educação, suas atribuições e competências, e, sobre a sua formação, enfim, sobre os saberes que envolvem a prática docente. Segundo Tardif (p.211), a noção de “saber” tem que ser entendida em seu sentido mais amplo, isto é, aquele que engloba os conhecimentos, as competências, as habilidades e as atitudes dos docentes. Para este autor, os saberes que servem de base para o ensino são, a um só tempo, existenciais (o professor pensa a partir de sua história de vida, seja ela intelectual, emocional, afetiva, pessoal e interpessoal), sociais (os saberes são provenientes de diversas fontes de socialização como a família, a escola, a universidade etc, e, adquiridos em temporalidades sociais diferentes: na infância, na escola, na formação profissional, na carreira) e pragmáticos (os saberes que servem de base ao ensino estão intimamente ligados tanto ao trabalho quanto ao trabalhador, isto é, o trabalho é [trans]formado e [trans]formador pelo e do homem). Assim, para este autor, essa tríade, demonstra a dimensão temporal do saber do professor. Em outras palavras, o que o autor nos diz é que os diversos saberes dos professores são adquiridos ao longo da sua história de vida, e, que não são todos produzidos por eles, mas são exteriores à profissão, já que podem vir da vida individual, da social, da escola, dos professores,etc.
Sabemos que a historiografia predominante mantém ainda uma idéia de progresso e determinismo por ser linear “ que leva o homem das cavernas pré-históricas até a gloria da pós-modernidade” (Fontana, p. 276). Com essa história que é linear, determinista, mecanicista e progressista, perdemos várias possibilidades e perspectivas de interpretações possíveis. A história linear só dá voz aos vencedores o que faz com que não tenhamos a visão dos vencidos. Enfim, o que este tipo de história faz é causar silenciamentos, previsões e uma única perspectiva de realidade, e Fontana (idem, p.268), diz que a crise que a ciência histórica do nosso tempo enfrenta é justamente um reflexo das expectativas de futuro dessa história linear que parece permitir que se faça previsões do que está porvir. No entanto, este mesmo autor nos chama atenção para este fato, já que o historiador reflete o tempo do presente ao reinterpretar o passado. Fomos formados por essa tendência histórica linear, mas devemos pensar como escapar dela ao ensinar para os nossos alunos. E como faremos isto? Parece que o importante aqui é chamar atenção para alguns problemas dessa “história única” da qual fomos vítimas e cúmplices.
Devemos, como Fontana disse, trocar História por histórias, assim, sairemos de uma história mecanicista e única e descobriremos que o mundo é muito mais complexo do que esta visão determinista propõe. Então, conseguiremos construir interpretações mais realistas e daremos voz aos esquecidos pela história tradicional que só pensa nos grandes feitos e feitores.
Devemos também buscar uma nova forma de aproximação do estudo do acontecimento, isto é, a forma de relacionar os fatos concretos com o contexto teórico que o explica, já que normalmente pegamos um modelo interpretativo e tentamos enquadrar fatos que se enquadram perfeitamente, e, dá legitimidade ao modelo. Fontana diz que para resolvermos este problema, o movimento deveria ser ao contrário, isto é, deveria partir do fato concreto para colocá-lo á prova e assim teremos algumas expectativas interessantes.
O terceiro e último problema dessa história linear é a forma como se explica as ações dos homens do passado, racionalizando-as e atualizando-as. Devemos abandoná-la e tentar descobrir o que estas pessoas pensavam, sentiam, temiam, pois só assim conseguiremos entendê-las.
Em suma, o que esta história provoca, consciente ou inconscientemente, é o pensamento da história como verdade. Sabemos que a verdade não existe e que o real não é real. Em nossas discussões e de acordo com leituras, sabemos que a história não é uma verdade única, ela é suscetível ao erro, pois se tem várias interpretações de um dado fato. Costumo brincar que a história é uma verdade porque a interpretação pode até mudar, mas o fato histórico não, ele é inalterável. Sendo assim, como fica o nosso saber-fazer? Fontana, sendo feliz em seu pensamento, descreve a história como sendo uma memória coletiva que atribui uma identidade à sociedade humana, e, descreve a memória como sendo uma construção a partir de fragmentos de conhecimento. Se pensarmos que fazemos interpretações a partir de fragmentos de conhecimento que já são interpretações que alguém já fez, ensinar história fica um pouco mais fácil.
Temos também enfatizado bastante, em nossas discussões, a questão de que se a formação que recebemos na graduação do curso de História é suficiente e abrangente para formar um bom profissional. Sobre a formação do professor, aprendemos que a faculdade é apenas um dos instrumentos capacitacionais desse profissional. Não é o único, não é o primeiro e nem o último. Digamos assim, que o ensino superior é a instituição que por ter uma noção clara do seu papel formador, tenta tornar a educação um conhecimento prático e inteligível para formar os professores. Entretanto, não tem como formar tais profissionais então pouco tempo, e, mesmo se passassemos mais anos estudando não seria suficiente, pois lidamos com seres humanos, que são tão complexos de entender. O que eu quero dizer, é que não se tem “receita de bolo” ou um manual que ensine como lidar com o ser humano, que devido à capacidade de poder ser diferente uns dos outros, isto nos incapacita de enquadra-los em uma categoria que dê conta de agrupar todas as suas especificidades e de tentar prever como agiram em dadas circunstâncias. Enfim, o período no curso de graduação é relativamente pequeno para que aprendamos a totalidade do nosso ofício, e comumente o que se ensina, é o básico das principais teorias, para que quando chegarmos á sala de aula, possamos escolher a melhor e usar naquele dado contexto. Falando em premonições, me remete ao que as pessoas normalmente pensavam sobre os historiadores, que é citado por Fontana, sobre o fato destes poderem prever o futuro, isto é as profecias. Este pensamento se encaixa muito bem no nosso pensamento, quando não conhecemos a realidade de uma sala. Tendemos normalmente a idealizar que a escola será transformada por nós, que os alunos nos obedecerão e serão interessados, que vamos ser recebidos bem pela comunidade escolar etc.
Então poderíamos dizer que a faculdade não é tão importante na formação docente? Claro que não. Pensar isto é erroneo, pois é na faculdade que pensamos sobre os problemas e teorias educacionais. É ela que dá a noção do “vir a ser” professor e contribui para o “saber-fazer”. O que normalmente acontece, e o que mais convém, é que tal formação teórica tenha de ser completada com uma formação prática, isto é, com uma experiência direta no trabalho, já que só seremos professores sendo. Então, a questão do tempo e do trabalho aparecem como essenciais para pensarmos o magistério. Falando nisso, como se dá o tempo de aprendizagem do trabalho? Qual seria a relação entre o tempo e a aprendizagem do trabalho? Bem, o trabalho, com o tempo, modifica o saber trabalhar, e, quando Tardif cita Marx para falar sobre como o trabalho é uma atividade que é transformada e transformadora do homem, julgo bastante feliz sua colocação. No magistério, os profissionais passam por um processo de escolarização em boa parte da aprendizagem de seu ofício, e, enfim, o professor é um dos poucos, se não o único profissional, que já ingressa no mercado de trabalho sem começar a trabalhar. Pensando dessa forma, concordo com alguns pensadores, como Tardif por exemplo, que acreditam que a formação profissional do professor é antecedida pela pré-profissional. Mas o que seria tais processos? E a memória, tem alguma função nisso tudo?
A “ trajetória pré-profissional” seria uma carga que trazemos do nosso processo de socialização e escolarização que marca e afeta nossas crenças, identidade, maneiras de ser, fazer e agir. Tardif aponta que em sua pesquisa, professores disseram que pessoas significativas da família e as relações com os professores (boas e más o que permitiu escolhas pedagógicas que julgam serem necessárias para o ensino) aparecem como fonte de inspiração em relação ao ensino escolar e ao saber-ensinar, e, na mesma pesquisa, alguns professores tendem a naturalizar e personalizar o seu saber profissional, dizendo que nasceram para ensinar, apresentando o saber ensinar como algo inato. Entretanto, Tardif chama atenção para este fato, dizendo que eles esquecem que são frutos de uma modelação ao longo da vida por sua própria história e por sua socialização. Portanto, a nossa vida profissional é marcada por nossos referenciais e pré-concepções de ensino e de aprendizagem da nossa vida escolar, já que passamos a maior parte de nossa vida nela, e isso reflete no “eu profissional” já que escolhemos a partir de nossas observações e conceitos, o que seria uma postura adequada a prática docente.
Já o processo de formação profissional, segundo Tardif, é marcado, principalmente, pelo tempo de trabalho, pela experiência da prática da profissão, pela passagem do estudante à professor. Tardif, nos esclarece que na trajetória profissional, os saberes dos professores são temporais, porque são utilizados e desenvolvidos ao longo da carreira. Isto é, o autor, parte da premissa que os saberes não são inatos, mas produzidos pela socialização, ou seja, através da participação dos indivíduos nos diversas instituições formativas, como a família, os amigos, a escolas etc. Normalmente, antes de entrarmos na sala de aula, tendemos a idealizar a escola e os alunos perfeitos, mas quando vamos lecionar vemos que não é tudo aquilo que esperávamos e que a realidade pode ser muito dura. É aqui, que o professor, no primeiro momento, vai se confrontar com a realidade e vai criticar o que aprendeu na faculdade, vai testar possibilidades e métodos de ensino, e depois em um segundo momento, vai buscar se afirmar e ser aceito pela comunidade escolar, adquirindo um sentimento de competência e de implantação das rotinas do trabalho, em outras palavras, na estruturação da prática, que exige que eles assimilem saberes práticos dos lugares de trabalho, com suas rotinas, valores e regras. Vale lembrar que o sentido de rotina que Tardif se refere é o mesmo de Giddens, onde a rotina é uma maneira de agir estável, uniforme, e, que torna-se parte integrante da atividade profissional, constituindo, desse modo, “maneiras de ser” do professor.
Para Tardif, é a carreira que nos diz sobre o saber- fazer. É no início da carreira que os saberes experienciais que são uma reativação e uma transformação dos saberes adquiridos nos processos anteriores de socialização (familiar, escolar e universitária) possibilitam e proporcionam aos professores certezas em relação ao trabalho, e, é com a evolução da carreira, que geralmente se tem um domínio maior do trabalho da profissão. O autor ressalta, o que nos é muito familiar quando estamos fazendo estágio, que é no início da carreira que se tem uma fase crítica, da sua formação como professor, pois é a partir das certezas e dos condicionantes da experiência prática que os professores questionam sua formação anterior. Segundo eles, muita coisa da profissão se aprende com a prática, pela experiência, no próprio trabalho. Uma outra questão interessante que também vivenciamos nos estágios, é a tentativa de se passar a experiência por meio de conselhos. Segundo Jorge Bondía, não dá para passarmos experiência para outra pessoa, pois o saber da experiência é um saber particular e pessoal, já que para ele, a experiência é o que nos acontece, e o saber de experiência é o sentido que atribuímos ao que nos acontece. Por isso, duas pessoas, ainda que enfrentem o mesmo acontecimento, não terão a mesma experiência, já que o acontecimento é comum, mas a experiência é singular. Contudo, a experiência e conselhos dos outros profissionais são uma fonte importante para a nossa formação, já que toda contribuição é válida, no entanto, temos que receber os conselhos, assimilá-los, criticá-los e assim ver se eles se encaixam na nossa perspectiva e realidade de ensino ou não.
Em resumo, vimos até aqui que o professor é um profissional que já é inserido no trabalho antes mesmo de iniciar-se como tal, graças à sua memória social e individual. Enfim, o papel da memória desempenha uma grande função em nosso processo de formação. Mas como assim? Já disse que nos inspiramos nas memórias de nossa vida escolar para refletirmos como vamos ser e fazer, ao lecionar, o que faz com que grande parte do nosso saber-fazer venha daí.. Sabendo que a memória está intrinsecamente ligada á História, e que esta representa uma memória coletiva e dá identidade à sociedade humana, a memória é uma construção a partir de fragmentos de conhecimento, e é uma interpretação da interpretação que já tivemos. Tal reinterpretação também ocorre com a história, já que interpretamos o passado com os olhos do presente. Não nascemos professores, nos tornamos, na medida em que somos produtos e produtores dos processos de socialização. Entretanto, o nosso saber-fazer não vem só da nossa memória escolar, vem da experiência, da prática de trabalho, e o tempo, como vimos, é muito importante nisso tudo.
Concluindo, acho que Fontana descreve e define o saber-fazer do historiador:
“ Na medida em que o historiador é quem melhor conhece a evolução da humanidade, quem sabe a mentira dos signos indicadores que marcam uma direção única e quem recorda os outros caminhos que conduziam a outros destinos distintos e talvez melhores, é a ele a quem toca, mais que a ninguém, denunciar os enganos e reanimar as esperanças para começar o mundo de novo. Falo de enganos, porque a história, praticada por mãos inábeis, pode ser uma arma destrutiva muito temível [...] Nós historiadores devemos combater as profecias paralisadoras da mundialização, com que se pretende substituir àquelas e, com maior empenho ainda, todas as aberrações que servem para justificar, em nome de preconceitos assentados na deformação da memória coletiva, as mais diversas formas de opressão e de extermínio, com o pretexto de superioridades raciais ou de civilização, seja laica ou religiosa. Não é uma tarefa fácil, porém vale a pena dedicar-se a ela […] não é só um trabalho [...]como também o meu modo de estar no mundo e de lutar com as armas do meu ofício contra todas as coisas que impedem que se realize uma sociedade onde haja […] ' a maior igualdade possível dentro de maior liberdade possível' ”. (p. 280-281)
Para finalizar, com esta fala bastante interessante e provocativa de Fontana, queria colocar algumas questões? Se somos historiadores e somos os que melhor conhecem a historicidade da humanidade, por que então continuamos mantendo uma história que ainda é representativa do porvir, do progresso, da verdade? Por que o professor não inova seus métodos? Creio que chegou a hora de usarmos as nossas melhores armas -as palavras- e pensar como solucionar os principais problemas que interferem na atividade docente.

Relacionando o texto de Prats e de Bloch


Vamos falar a respeito de dois textos que se relacionam e se articulam pela discussão a respeito da História. São dois textos produzidos em períodos diferentes, por pessoas diferentes, mas com idéias semelhantes e questões absolutamente instigantes. O primeiro texto é de Joaquín Prats, professor da Universidad de Barcelona, produzido em 2005 e se chama “Ensinar História no contexto das Ciências Sociais: princípios básicos”. O outro texto que lemos até o capítulo II e é um clássico do historiador Marc Bloch, escrito no inicio da década de 40, em um campo de concentração, que traz consigo toda uma carga de sentimentos e emoções do que ele viveu na época mas mesmo assim, Bloch continuou escrevendo de forma inteligente, sensível, cidadã, erudita e com fome de saber, de compreender e de explicar, o que é típico de um bom historiador.
O texto do Bloch, vem com uma peculiaridade: ele não terminou de ser escrito pelo seu autor. Ainda nesta edição que li, que é de 1997, o texto original é comentado pelo seu filho Étienne Bloch, que faz questão de publicar os textos originais do pai fazendo algumas indicações ao longo do texto, pois na edição de Febvre, foram suprimidas e acrescentadas algumas partes. Mas qual seria a importância desse livro para nós historiadores? Este livro, segundo Le Goff, “trata-se de um tema sério, abordado em uma situação dramática”, e, nos leva a refletir sobre método, objetos e documentação histórica que revolucionou a historiografia. Marc, merece todo o nosso respeito e reconhecimento, pois este texto é fruto de seu empenho, dedicação e erudição que não podendo contar com uma biblioteca à sua disposição retirou tudo da sua cabeça e nos deixou esta obra extremamente original e instigante.
Como não podemos começar a casa do telhado, também acho que não posso começar o texto sem antes refletir sobre o título. O título original era “Apologia da história ou como e por que trabalha um historiador” e fora traduzido como “Introdução à história”. Perceba a mudança até mesmo de sentido. Na primeira, sentimos uma potencialidade maior sobre a ciência histórica, já na segunda, e faço uso da feliz expressão de Sonia Miranda, foi um “estupro” do que Bloch queria nos dizer, perdendo esta força que nos chama a atenção para a temática. Entretanto, seguindo a idéia do título original, o que o autor pretende é fazer uma defesa da história, defendendo-a dos historiadores positivistas e de si mesma ao transcender a barreira que a separa de outras ciências. Porém, Marc Bloch não se contenta apenas em definir a história e o ofício de historiador, mas quer também assinalar o que deve ser a história e como deve trabalhar o historiador. A história poderia dialogar com as demais ciências, mas não podia se (con)fundir com elas.
Bloch, desenvolverá, ao longo do texto, reflexões importantes sobre uma determinada forma de história, contudo, ele não veio para esgotar e dar respostas diretas à indagações e problemas que os historiadores enfrentam como dilemas ao longo de sua formação e profissionalização.
Como havia dito antes, lemos apenas até o segundo capítulo do livro. Como ponto de partida, Marc Bloch toma a decisão de iniciar o seu texto com a interrogação de seu filho, possivelmente Étienne, que lhe pergunta para que serve a história. É claro que esta pergunta tem um sentido e ao respondê-la fica implícito entrelinhas a obrigação que o historiador tem de difundir e explicar seja para os doutos seja para os escolares. Ao decorrer do texto, ele responderá que a história é busca, pesquisa e, portanto, escolha, e, que o seu objeto de estudo não é o passado mas os homens no tempo. Assim, para ele, a história é a ciência do tempo e da mudança. O tempo para Bloch é o meio e a matéria concreta da história, e, oscila entre o que Fernand Braudel denominou de " longa duração" e o que Bloch chamou de "momento", tendo como mediadora, a "tomada de consciência". Enfim, o tempo da história para Bloch, é um tempo que escapa à uniformidade.
Uma questão que chama a atenção na introdução, é a expressão "legitimidade da história", que parece demonstrar que para ele o problema epistemológico da história não é apenas um problema intelectual e científico, mas também um problema cívico e moral, assim como, ele também afirma que o ensino de história é importante para os historiadores, pois a escola seria o lugar onde se forma a consciência histórica coletiva e até uma boa historiografia.
Bloch com esta visão aprofundada e alargada vai criticar os positivistas que marginalizam a história pensando que a defendem ao proporem a observação pelos fatos, pela verdade histórica, etc, fazendo com que ela, como disciplina, possa cair em descrédito e desaparecer da civilização se os historiadores não tiverem atentos. Para ele, o historiador tem que ter o homem por inteiro e tem que ter fome de homens(faz uma analogia ao bicho papão) encontrando eles nos seus testemunhos(os documentos, as fontes históricas). Contudo, depois dessa consideração, ele falará uma das virtudes da história: ela "distrai". Depois ele dirá que por gosto, o historiador, faz uma boa história e a ensina. Também ele nos dá um belo conselho, para evitarmos a retirada da parte poética de nossa ciência. Contudo, vale ressalvar que a história é um tratado científico de método e não uma filosofia ou literatura barata, e, para Bloch, para a história ser vista como ciência, ela deve propor, "uma classificação racional e uma progressiva inteligibilidade" e deve progredir não podendo parar.
É válido chamar a atenção para um problema relacionado ao tempo, em que tal concepção citada no texto, implica a renúncia ao "mito das origens", que alguns historiadores tanto se apegam, segundo a qual "as origens são um começo que se explica". Contudo, para Bloch, o passado não se justifica como origem, e ele combate isto com todas as suas forças, já que ele acredita que a história se modifica na relação no tempo presente (ele chama de atual). Temos que considerar o atual como sendo também objeto de conhecimento científico e deixar de concentrar na história uma concepção passadista. Cada época elege novos temas que falam mais de suas próprias inquietações e convicções do que de tempos grandiosos e memoráveis, é o que ele chama de “educar para a sensibilidade histórica”. Assim, ele inaugura o pensamento do método regressivo, em que o historiador compreende o presente pelo passado e os temas do presente condicionam e delimitam o retorno, possível, ao passado que não é mais "puro".
Queria destacar duas outras questões que nos chamaram a atenção. A primeira diz respeito a história como não podendo ser feita por um historiador isolado mas pela ajuda mútua. E o segundo, diz respeito à "observação histórica", que tem como uma das idéias bases, a questão dos testemunho dos documentos e o da impossibilidade de se compreender tudo do passado tendo que o historiador utilizar um conhecimento através de pistas e vestígios recorrendo a procedimentos de reconstrução deste. Bloch ressalta que os documentos só falam se forem interrogados e que a observação histórica é como a observação de vestígios, já que a história não tem como provocar um novo fenômeno e nem repeti-lo.
Para finalizar a explanação do texto, quero terminar fazendo uma lamentação, já que o último capítulo do texto de Bloch, era para ser sobre o ensino de história, contudo, antes de terminá-lo, ele foi executado de forma cruel pelos alemães. Mas deixou um indicio ao escrever que o ensino de história como de suma importância para o historiador, pois é na escola que se forma a consciência histórica coletiva e pode ser colhida uma boa historiografia. E também para ele, o ensino de história, não era só um assunto de professor, mas de cidadão já que é um tema para a definição e prática da democracia. Já que ele não terminou tal capítulo, creio que o texto de Prats, venha contribuir um pouco para pensarmos sobre a questão.
Prats, critica o ensino das ciências sociais(história e geografia) e faz uma metáfora entre o seu currículo e a “caixa de Pandora” por incluir conteúdos educativos que não têm uma reflexão sobre o que tais ciências pesquisam, e tem sido usados para doutrinar ou criar sentimentos de adesão à pátria ou a personagens históricos. Ele alerta para a questão de que nem tudo é científico, e para se qualificar como tal, devemos considerar que o conhecimento foi construído a partir da aplicação do método científico.
O autor atenta também para o problema causado ao se incorporar os conhecimentos de ciências sociais às aulas, pois normalmente, eles são apresentados como conhecimentos prontos, acabados, e em consequência os alunos não os relacionam exatamente com aquilo que é próprio de uma ciência e a disciplina é vista como sendo de memorização. Prats, crê que para que esse conhecimento tenha grandes potencialidades formativas, é indispensável que o conhecimento se apresente na escola da maneira como a ciência social que o produziu, tendo presente principalmente o método de análise histórica para dar aos alunos o domínio dos instrumentos básicos para o trabalho científico.
Assim, cabe uma pergunta: quais atividades devem estar presentes em todo o processo didático para uma aprendizagem adequada da História? Elas poderiam ser resumidas nos seguintes pontos: aprender a formular hipóteses estabelecendo problemas históricos cuja solução implique formular uma ou várias hipóteses; aprender a buscar, ordenar e classificar fontes históricas aprendendo a conhecer a sua natureza e tipo; aprender a analisar fontes decifrando a informação histórica que o documento proporciona; aprender a analisar a credibilidade das fontes observando quem fez, por que fez e como fez; e, por último, a aprendizagem da causalidade compreendendo as relações causa-efeito e a iniciação na explicação histórica.
O autor tenta apontar a utilidade do estudo da História para a formação integral (intelectual, social e afetiva) dos alunos para que a história sirva para facilitar a compreensão do presente, preparar os alunos para a vida adulta para entender os problemas sociais, situar a importância dos acontecimentos diários, usar a informação criticamente e para viver com uma consciência cidadã plena, despertar o interesse pelo passado, potencializar um sentido de identidade, enriquecer outras áreas do currículo, etc.
Também, apontará os principais objetivos do ensino de História, que são: compreender os fatos ocorridos no passado e saber situá-los em seu contexto demonstrando uma compreensão das características das distintas formações sociais e das complexidades da interrelação entre causa, consequência e mudança nos fatos históricos; compreender que na análise do passado há muitos pontos de vista diferentes devendo reconhecer que a pessoas influem nas interpretações de um problema histórico e que a história é uma ciência que explica o tempo passado, apesar da provisoriedade de suas conclusões; compreender que há formas muito diferentes de adquirir, obter e avaliar informações sobre o passado através das fontes, e, transmitir de forma organizada o que se estudou ou se obteve sobre o passado utilizando-se mais de um meio de expressão (desenhos, narrativas etc).
Prats, também dirá sobre as dificuldades de se ensinar história: sua própria natureza como ciência social por tratar-se do conhecimento de uma trama complexa, dinâmica que supõe o uso de altos níveis de pensamento abstrato e formal; impossibilidade de poder reproduzir os fatos do passado em laboratório, sendo que o passado só é dado pelas fontes que mesmo assim dão uma informação truncada e de difícil elucidação; o não consenso sobre a definição e caracterização da História como ciência social; os preconceitos que dificultam a aprendizagem da História por ser considerada uma disciplina que pode ser só memorizada, etc.
Uma questão bastante interessante que o autor traz é sobre o ensino de História requerer a introdução ao método histórico e para nós professores será mais interessante que os alunos compreendam como podemos conseguir saber o que passou e como o explicamos, do que a própria explicação de um fato que ele poderá inclusive encontrar na internet. Porém, para conhecer ou compreender um acontecimento histórico, necessitamos receber informação histórica. A informação é a base para a compreensão, e é através da compreensão é que se pode ter a explicação averiguando as causas dos fatos e as consequências derivantes deles.
Para finalizar, vale ressalvar que a causalidade é uma noção temporal e necessita ser abordada em uma aprendizagem em espiral por ser uma aprendizagem complexa em que o aluno deve identificar o por que ocorreram os fatos, identificar os diferentes tipos de fatores causais, compreender a noção de intenção e de multicausalidade elaborando teorias explicativas. Por ser complexo, o próprio autor, afirma que o domínio da causalidade está distante de ser completo nos estudantes que não são especialistas em História.
Conclui-se que ambos autores tiveram a intenção de escrever sobre a metodologia da história e o oficio do historiador. Ambos trazem a tona questões bastantes pertinentes para o que estamos discutindo na atualidade, desde a questão se história é ou não ciência até o seus métodos e técnicas. Vale ressalvar que este não é um texto que tem a intenção de esgotar com essa temática. Humildemente, fiz questão de trazer ao conhecimento algumas reflexões que foram por mim filtradas e classificadas como de suma importância para compreendermos um pouquinho do pensamento dos dois autores. Recomendo a leitura completa de ambos os textos, e tenho certeza de que da mesma forma que fui seduzido pelo enredo poético de Marc Bloch e pela didatização de Prats, os demais leitores também terão esta impressão.