PAZ, Octavio. O Reino da Nova Espanha. In: So Juana Inés de
La Cruz. As armadilhas da fé: SP, Mandarim, 1998.
Octávio Paz inicia seu texto dizendo que uma sociedade é definida
tanto pelo seu futuro quanto pelo seu passado, e assim coloca em
pauta a questão da Nova Espanha que não tem noção do seu passado
e nem faz questão alguma de saber. Porém, Paz, nos afirma haver
duas versões, que são populares e reducionistas, da história do
México. A primeira é mítica e o México nasce com os astecas,
perde sua independência no século XVI e recupera em 1821 (no
sentido de mesma nação). Isto é, entre o México asteca e o
moderno existe uma continuidade e identidade, ou seja, trata-se de
uma mesma nação. Já a segunda versão é uma metáfora
agrícola-biológica e a história mexicana inicia-se como uma raiz
no mundo pré-hispanico, é gestada nos três séculos da Nova
Espanha (XVI ao XVIII) e tem o seu amadurecimento no processo de
independência . Essa versão é, para Paz, mais sensata do que a
outra, porém contem o problema da linearidade que omite as rupturas
e diferenças.
Octávio, acredita que a história do México ocorreu de acordo com
sua geografia (de modo abrupta e tortuosa). A conquista [significou a
mudança de civilização] do México foi uma grande ruptura ao
dividir a história em dois períodos: mundo pré-colombiano [não
era um mundo homogêneo, foi um período dinâmico e de divisões
espaciais (nómades e sedentários), geográfica (norte e sul) e
cultural (bárbaros e civilizados). Os mexicanos o veem como um mundo
que é do outro e não deles] e o período do Vice reinado católico
da Nova Espanha[nasceu e viveu contra a corrente da modernidade
ocidental nascente] e República laica e independente do México [foi
e é uma apressada e irreflexiva adaptação da modernidade
ocidental, que não os tornou realmente modernos]. Paz afirma que
como ele existem outros autores que não pensam a história mexicana
como um processo linear, mas como uma justaposição de sociedades
diferentes, é o caso de Edmundo O' Gorman, que sustenta que o
passado mexicano contém três entidades históricas separadas uma da
outra por negação [cada negação contém a sociedade negada e a
contém como presença disfarçada, recoberta], que são: Império
mexica [negada pela nova Espanha], Vice-reinado da Nova Espanha [é
negada pela República do México] e a nação mexicana [nega a Nova
Espanha e a prolonga] e que até existem continuidades entre elas,
porém, interrompidas.
O autor também chama a atenção para a questão da Nova Espanha ser
diferente do México pré-colombiano, do atual e da Espanha, devido a
sua relação com a metrópole. Ela não foi uma colônia nem no
sentido original da palavra e tão pouco no sentido moderno. A Nova
Espanha era considerada um outro reino, com os mesmos direitos e
deveres dos demais pertencentes ao Império. Paz, acaba também
fazendo uma distinção entre a forma como se deu a colonização
inglesa ( liberdade religiosa, sem ter evangelização e teve
iniciativa privada- companhias) e a colonização hispânica (foi
baseada no binômio conquista e evangelização e por iniciativa do
Império).
Paz, atenta para o fato de que a independência teve mais aspecto de
luta contra a hegemonia de Castela do que das revoluções modernas.
Assim, critica a visão pseudomarxista que acredita que a causa da
independência estava na base da sociedade numa insatisfação dos
pobres contra os ricos. Para Paz, a contradição não estava na
base, mas no topo devido a uma cisão entre criollos e espanhóis,
isto é, o estatuto dos criollos contradizia o estatuto do Reino da
Nova Espanha dentro do Império. Enfim, por não se sentirem iguais
aos espanhóis, os criollos insatisfeitos vão em busca da
independência.
O autor ressalva que a ideologia liberal do movimento de emancipação
hispano-americano descontextualizou a verdadeira natureza de
separação da Espanha, pois pegaram a filosofia política francesa,
inglesa e americana (idéias da modernidade nascente) e as adotou sem
levarem em conta a realidade (não havia laços entre as classes
responsáveis pela independência e as idéias) por pensarem que em
sua tradição já não existia um pensamento político para
legitimar a rebelião. Entretanto estavam equivocados, pois para Paz
existia sim uma tradição hispânica de lutas pela autonomia e
independência, que eram os comuneiros, mas estava esquecida.
Contudo, não eram só adotar aquelas idéias, deveriam também ter
que adaptá-las, e isso não ocorreu com êxito.
Octávio nos lembra ainda de uma acentuada diferença entre a Nova
Espanha e a Espanha desde a situação econômica até a situação
política, onde percebemos claramente um México ascendente e uma
Espanha decadente. Segundo ele, o México lembra o que Marx chamou
de modo de produção asiático ou o que Weber chamou de
patrimonialismo, que é o modo de como a sociedade organizava a sua
vida. Para justificar essas idéias, cita a agricultura que era a
base econômica e praticada por comunidade de camponeses presos à
terra que pertenciam ao Estado; o mercantilismo da dominação
patrimonial que era baseado no monopólio de lucro comercial; a
questão militar (exército profissional) e a educação (da igreja e
das universidades). Assim, para Paz, a natureza do regime
novo-hispânico , é patrimonial, isto é, dominação de um ajudado
pelos seus servidores e pessoas próximas, com o objetivo de impedir
o crescimento de uma aristocracia independente de terratenentes,
para evitar o feudalismo, e impedir que os vice reis permanecem por
muito tempo no poder para não se corromperem, e para freiar isso
tinha as audiências que eram os “ouvidos” da Espanha.
Entretanto, ele mesmo reconhece que a descrição de um México
dependente, patrimonialista, pluralista e mercantilista é
insuficiente pois a corte, que era o centro e o auge dessa sociedade,
torna inteligível já que ela teve grande influência na vida
política, administrativa e social.
Paz, então vai dissertar sobre a importância da corte, que para ele
era o mundo e a descreve como um centro de irradiação moral,
literária e estética, enfim, como exemplo a ser seguido. E a
passagem da sociedade tradicional para a sociedade moderna só foi
possível pelo Estado Absolutista , que teve como ferramenta a corte
que transformou os barões feudais em cortesãos e burocratas. E
assim ele começa a descrever as peculiaridades da Nova Espanha
frente ao México, de acordo com características pré-modernas ,
como: a burguesia não rompeu com a tradição da corte, pois essa
continuou imitando-a; a ortodoxia que caracteriza a expansão
imperialista durante a era moderna, que exigia uma Igreja e um Estado
e a Espanha manteve estes dois coesos.
O autor torna relevante a questão do sincretismo dos índios, pois
devido a conquista pelos espanhóis, eles tornam-se órfãos de
espírito, o que os deixa propício para uma conversão ao
cristianismo, porém, esta conversão indianizou as virgens e santos
cristãos. Entretanto é um sincretismo do século XVI que influi
profundamente nas crenças dos criollos e mestiços, porque no século
XVII ocorre uma mudança radical, onde o neosincretismo se torna uma
via de comunicação entre o mundo indígena e o cristão. Este novo
sincretismo difere do primeiro por não se propor a indianizar o
cristianismo, mas buscar nas suas crenças pre-figurações e signos
do cristianismo, numa tentativa de universalizar e uni-los, e assim,
temos o caso da Virgem de Guadalupe, que simbolicamente uniu os
criollos, índios e mestiços a um sentimento de pertencimento à
Nova Espanha.
A guisa de conclusão, Paz, afirma que a Nova Espanha foi um espaço
em que se enfrentava e confrontava o palácio (príncipe e sua
corte), o município (povo em sua pluralidade de hierarquias e
jurisdições) e a catedral (ortodoxia religiosa). Além disso
comportava três instituições: o convento, a Universidade e a
fortaleza. Os dois primeiros eram os centros de saber e a fortaleza
defendia a nação do exterior. E o que permitiu a mudança da Nova
Espanha para a Idade Moderna foi a crítica dos próprios princípios
e não das instituições ou das imperfeições do homem. Essa
critica foi impactante pois a Nova Espanha não estava feita para
mudar, mas para durar, cujo ideal não era o culto ao progresso, mas
ao de estabilidade e permanência. Em suma, a crítica nessa
sociedade era concebida como uma volta ao principio, e por isto a
Idade Moderna foi uma negação dos ideais e crenças que inspiravam
a Nova Espanha. O México optou pela mudança, e essa mudança
significou um desgarramento, porque a continuidade condenava a nação
à imobilidade e a mudança exigia uma ruptura brutal. Enfim,
continuidade e mudança não eram em si termos complementares mas
eram termos antagônicos e irreconciliavéis. Essa mudança funda um
México que negue o seu passado e rejeite a tradição (indígena e
católica ) procurando justificar-se num futuro (uma modernidade com
roupagem do passado). Essa adoção de idéias do ocidente ,
principalmente do positivismo, foi paradoxal pois ao mesmo tempo que
significou uma base necessária para a filosofia política significou
também uma ausência de autenticidade histórica que tornou essas
idéias inadmissíveis á realidade daquela sociedade, o que causou
uma ruptura de vez com o passado. Entretanto perceberam que estas
idéias não eram propícias e quiseram voltar ao passado novamente,
é o que Paz chama de fluxo e refluxo da história. Portanto, graças
a esses movimentos, hoje o mexicano quer saber do seu passado, voltar
as origens.