Resenha:
A Corrida para o Século XXI
SEVCENKO, Nicolau. A Corrida para o Século XXI:
no Loop da Montanha Russa. São Paulo: Companhia das Letras,
2001.
Em sua brilhante obra “A corrida para o século XXI: no loop da
montanha-russa”, Nicolau Sevcenko inicia dizendo que uma das
sensações mais intensas, do mundo atual, que se pode experimentar é
a montanha-russa, por submeter às pessoas as experiências extremas de
deslocamento e aceleração que alteram a percepção do próprio
corpo e do mundo ao redor. Assim, Sevcenko faz uma analogia entre a
montanha-russa com o século XX, mostrando que os dois possuem um
ritmo bem parecido de grandes subidas (momento de grandes avanços
tecnológicos) e descidas (período em que não ocorre grandes
avanços tecnológicos). Para ser mais claro, em uma montanha russa o
começo de tudo é a subida e ele diz que essa ascensão ocorreu do
século XVI a meados do XIX. Foi uma fase de ordem e do progresso, do
desenvolvimento tecnológico. Mas logo depois temos a queda
vertiginosa, que começou a ocorrer a partir de 1870 com a revolução
cientifica tecnológica , trazendo a incorporação e aplicação de
novas teorias científicas e junto delas temos a chegada da guerra
que faz com a montanha-russa tenha um “efeito desorientador de
aceleração extrema”. E a terceira fase é marcada pelo loop, que
significa o status quo da aceleração precipitada, onde o universo
torna-se imprevisível, irresistível e incompreensível. É o
período que se inicia no século XX e que corresponde à revolução
microeletrônica. Vale ressalvar que não chegamos nessa fase e
que ainda podemos impedir ou pelo menos retardar o que ele chama de
“síndrome do loop”. Mas o que seria isto? Para o autor, é o
efeito causado pela precipitação das transformações tecnológicas
que tendem a nos submeter a uma anuência cega, passiva e irrefletida.
É uma perversão típica que herdamos da passagem do século XX para
o XXI que abole a percepção do tempo, obscurece as referencias do
espaço e emudece a crítica tornando a técnica surda à sociedade.
E por que a crítica seria algo tão necessária à técnica? Porque
ela é a contrapartida cultural diante da técnica, é a
intermediante entre o dialogo da sociedade com as inovações.
No capítulo I “ Aceleração tecnológica, mudanças econômicas e
desequilíbrio, Sevcenko afirma que a particularidade do século XX é
que ele foi o período de tendência continua e acelerada de mudança
tecnológica, isto é, foi nesse período que ocorreu a maioria das
invenções, cerca de 80%, onde a Segunda Guerra representa o marco
divisório. Antes da guerra, prevaleceu o padrão industrial da
Revolução Tecnológica- Cientifica do século XIX, e depois da
guerra, onde tivemos uma intensificação das mudanças ocasionado
pela produção e sofisticação de equipamentos para a guerra.
Sevcenko destaca que com o fim da guerra, os Estados Unidos se
tornaram a maior potencia mundial, e na década de 70, para dar mais
movimento ao mercado internacional, decidiram tomar medidas de
liberalização dos controles cambiais, iniciando o fenômeno da
globalização. Essa liberação dos fluxos financeiros permitiu a
ampliação dos investimentos por todo o mundo (dinamizando o
mercado, a produção e os serviços) e provocou uma separação
entre as práticas financeiras e os empreendimentos econômicos.
Assim, os agentes financeiros se beneficiaram pela liberalização
dos controles cambiais, desregulamentação do mercado e pela
conquista de novas tecnologias microeletrônicas que tornaram as
transações eletrônicas. Mas essas mudanças serviram também para
aumentar a desigualdade social, que é um legado do século XX, pois
para o autor, desde a revolução cientifico-tecnológico até os
anos 70, a tendência era que o Estado nacional controlasse a
economia e as grandes corporações, impondo lhes uma taxação para
poder transferir parte dos lucros aos setores carentes da sociedade(
o autor chama isto de Estado de bem-estar social), mas com a
globalização inicia-se uma desmontagem desse Estado de bem-estar,
pois o Estado e a população ficam “reféns” das multinacionais,
pois se o país não lhe agradar ela pode simplesmente mudar de país
onde poderá encontrar salários mais baixos, melhores condições e
terá um apoio maior da população. Ele também destaca as figuras
do Presidente Ronald Reagan (EUA) e da Primeira-ministra da
Grã-Bretanha, Magaret Thatcher, por evocarem para si o mérito da
vitória do capitalismo sobre o comunismo. Ambos, deslocaram
conteúdos doutrinários da religião para a política, e acabam
disseminando assim o conceito de destino manifesto (missão de
liderança civilizadora atribuída por Deus aos povos anglo-saxões).
Sevcenko compara os dois a Adão e Eva.
O autor chama a atenção para a questão do presentitismo, que se
manifesta em diferentes setores (tecnologia, política, empresarial e
cultural ) e seria o assumir decisões que envolvem grandes riscos no
presente sem considerar suas consequências e vitimas futuras,
esquecendo sua história como se o mundo estivesse começando a
partir da nova configuração tecnológica . Para multiplicar esses
anseios presentistas, a sociedade neoliberal usa como força motriz a
publicidade e o consumismo.
Sevcenko também mostra que o FMI e o Banco Mundial são de suam
importância para o neoliberalismo na medida que torna os países de
Terceiro mundo submissos ao neocolonialismo. Em seu principio estas
instituições tinham como finalidade apoiar as nações em
desenvolvimento mas quando essas precisaram a única coisa que
fizeram foi dar um pacote de medidas de “reajuste estrutural”, o
que sufocaria estes países de dívidas. Percebemos que com essas
ações, não se visava promover o desenvolvimento mas fazer com que
os países desenvolvidos obtivessem um lucro através dos juros.
No capítulo II, intitulado “ Máquinas, massas, percepções e
mentes” o autor nos diz da metade do século XIX e do século XX
afora, as transformações tecnológicas se tornaram decisivas na
nossa visão de mundo por alterarem as estruturas sociais,
econômicas, política, a condição de vida das pessoas e as rotinas
do seu cotidiano, pois tivemos que nos adaptar ao ritmo das máquinas.
Sevcenko ilustra suas idéias da relação entre as “Novas
Tecnologias” e os comportamentos dos indivíduos quando trata da
questão da tecnologia e da engenharia de fluxos, principalmente das
informações (a tecnologia muda a rotina desses fluxos e o homem tem
que se adaptar a isto). Por conta dessa mudança no comportamento das
pessoas, altera-se os valores da sociedade, onde a comunicação é
externa e baseada em símbolos exteriores, isto é, vive-se, agora,
numa sociedade em que se privilegia o “ver”, mais que o ouvir e o
falar. Por consequência teremos uma readaptação dos sentidos com
uma supervalorização do olhar em que a percepção deve estar
voltada, sobretudo, para assimilação visual das coisas do mundo, e
cita como exemplo Einstein, que cria a teoria da relatividade, e
Loewy que formula a idéia de estilo.
O autor atenta também para a criação do que ele denomina de
industria do entretenimento no século XX. Com os direitos
trabalhistas adquiridos pelos trabalhadores, temos grandes
contingentes com tempo livre e recursos para gastar. Alguns
empresários vislumbraram na oportunidade ocasionada pela
eletricidade de realizar duas formas baratas de lazer, o cinema e o
parque de diversões . Essa revolução do entretenimento redefine o
padrão cultural das sociedades urbanas do século XX, e tem como
pano de fundo a dissolução ou descontextualização da cultura
popular tradicional. Saem as bandeiras dos países e entram ícones
da “cultura” vendidos nas lojinhas do parque. Em suma, a cultura
vira mercadoria e para compensar o empobrecimento social, cultural e
emocional, essa indústria fornece fantasia, desejo e euforia.
No ultimo capítulo “Meio ambiente, corpos e comunidade” o autor
transfere sua preocupação para o impacto causado pelas tecnologias
ao meio ambiente. Segundo Sevcenko, os produtos sintéticos são os
que mais poluem. Entretanto, o problema primordial não é sabermos
que o meio ambiente está sendo prejudicado , mas o fato de não
sabermos qual é o real impacto a longo prazo do que isto pode
acarretar. Alguns cientistas fazem pesquisas particulares para
analisarem se o produto é nocivo , mas as empresas dispõem de
recursos para financiarem estudos na direção contrária. Assim,
desse desequilíbrio surge o conceito de “principio da
preocupação”, formulado pelo Sevcenko, que pode ser resumido em “
é melhor zelar pela segurança do que ter que lamentar”. O tripé
que sustenta-o é o reconhecimento: de algum potencial de risco, de
que pairam incertezas cientificas sobre o impacto e da necessidade de
agir preventivamente em relação aos riscos.
Ainda atenta para o novo contexto da sociedade do fim do século XX,
que se tornou uma sociedade do espetáculo onde tudo se transformou
numa dimensão da estética. Para confrontar essa apropriação da
cultura pela elite dominante, surgem grupos para criar uma
antiestética para repor tudo o que estava sendo excluído. O grupo
de maior importância nisso tudo, foi o Regain the streets. No
inicio lutavam por causas ecológicas (bosques, defesa de lagos e
rios) mas depois passaram a sustentar uma ideologia mais politizada
(denuncias das populações nos países subdesenvolvidos , impactos
da globalização etc). Sevcenko finaliza o seu livro com uma certa
ironia ao rumo da história do novo século, pois antes os debates
políticos eram realizados nas praças e agora voltariam a ter esse
caráter.
A guisa de conclusão, o livro mostra que vários fatos que
aconteceram no século XX influenciaram no século XXI, como as duas
guerras mundiais e a guerra fria que causaram a globalização; o
aumento das descobertas e de novas invenções; as multinacionais; a
pouca conscientização das pessoas sobre a natureza e a grande
desigualdade mundial. Somando a ascensão da cultura da imagem e do
consumo, a desregulamentação dos mercados e a retração do Estado,
com a desmontagem de seus mecanismos de distribuição e do apoio
social e com a Revolução microeletrônica e digital, teremos como
resultante um mundo no qual as imagens são mais importantes do que o
conteúdo, no qual o individuo é mais importante do que o coletivo.
Enfim, a conclusão que ele chega é a que temos que iniciar uma luta
pela retomada da ética da dignidade humana, dos animais, enfim de
toda a natureza.
São textos que se interligam entre si pela questão da tecnologia. O
primeiro capítulo representa o apogeu, o segundo representa a queda
e o terceiro representa o loop, onde se perde toda a noção do tempo
e espaço. Além disso, o consumidor se torna mais do que o cidadão
nessa nova sociedade.
Perfeito!!🤩🤩
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