FICHAMENTO
RUDÉ, Georges. A Europa no século XVIII. Lisboa: Gea diva, 1988. Cap. 2 e 3
No século XIII a terra representava ainda a principal fonte de riqueza na Europa, e era dela que a maior parte dos europeus retirava os seus rendimentos. Entretanto, a tipologia e metodologia de plantio, de exploração, o sistema de propriedade e arrendamento da terra, a situação social e as condições dos cultivadores variavam em grande escala de um lugar para o outro. Algumas características opõem o Oeste da Europa, em via de desenvolvimento, e o Este e Sul, estagnados ou em desenvolvimento mais lento. Amplamente todos os paises, enfrentaram um desafio comum resultante da revolução demográfica: o aumento da produção de alimentos de modo a enfrentar a pressão sobre a terra e garantir a subsistência de uma população
em crescimento. Os países responderam isto de diversas formas. A Rússia e a Espanha responderam a isto alargando os métodos tradicionais a uma zona de cultivo mais ampla; outros como a Polônia e a Itália fracassaram e estagnaram; entretanto, o Oeste do Elba, a norte do Pó e dos Pirineus responderam adotando novos métodos agrícolas e culturas mais intensivas. A essência dessa revolução se constituiu no recurso a uma mais flexível rotação de culturas, e incluía algumas outras inovações, como melhores alfaias e arroteamento de terras. O obstáculo principal era o sistema open field-que dividia a terra em faixas diversas, cultivadas em comum por aldeões. O objetivo em longo prazo era substituir este sistema pelo de enclosure - rotação de culturas.
A mola principal que despoletaria a revolução agrária surgiu nos Países Baixos e se espalharia por toda a Europa. Na Inglaterra, a revolução, que foi muito impulsionada por iniciativas privadas, seguiu quatro linhas principais de desenvolvimento. Estas corresponderam ás medidas tomadas para melhorar o rendimento do solo, obviar o desperdício resultante do open field, transformar os baldios e mos pântanos em terras de cultivo e produzir e alimentar gado ovino e bovino de engorda. Entre os pioneiros figuram Jethro Tull, Robert Bakewell e o principal Arthur Young, que defendia as enclosures, que proporcionaram indubitavelmente benefícios e vantagens econômicas a muitos, paralelamente tem-se discutido se os custos em dinheiro ou em sofrimento humano se justifiquem plenamente.
Na Inglaterra a iniciativa para o melhoramento partiu em grande parte de empreendedores agricultores e criadores de gado, já na França, foi dos esforços conjuntos de nobres inovadores (ansiosos por retirar rendimentos da terra), fisiocratas (que acreditavam que a terra era a fonte de toda a riqueza) e do próprio governo (em 1761 criou um Departamento de Agricultura e incentivou a formação das sociedades locais para difusão das novas idéias). Entre 1769 e 1781 na França, promulgaram-se vários editos que autorizavam a repartição das terras comunais. Assim, entre 1767 e 1777 vários editos concederam à liberdade de delimitação de terras numa impressionante lista de províncias e regiões, enquanto entre 1768 e 1771 foi também proibida a posse intercomunitaria de prados na maior parte dessas regiões e províncias. Esta medida foi tomada até 1771, e depois cessa, pois muitos franceses, por medo e apatia do campesinato, não resistiram ou não respeitaram mesmo às inovações. Para Marc Bloch, foi a tenacidade dos pequenos e médios proprietários (os laboureaus) para conservas as praticas antigas contra as perigosas inovações o fator que desequilibrou o balanço, forçando o governo a deter-se. Deste modo, as reformas na França deixaram poucas marcas. Optou-se por métodos persuasivos, mas os resultados foram escassos. Os métodos e organização da agricultura mantiveram-se como então, ou houve mesmo um regresso a práticas antigas, e apenas um século depois seguiram os caminhos da inovação. Na pratica, estas medidas não se revelaram muito eficazes, dado que os hábitos e as tradições estavam arraigados e, além disso, havia ainda a resistência dos proprietários de terras que achavam os métodos tradicionais mais úteis para vincular os camponeses a terra, ou ainda os obstáculos de natureza geológica e climática. Em outras partes da Europa, como na Rússia e Polônia e na Península Italiana a sul do Pó, tanto a perpetuação de formas obsoletas de organização social como os obstáculos impostos pela natureza constituíram importantes barreiras ao progresso.
Mesmo nos países onde ocorrera a revolução agrícola, nomeadamente a França e as Ilhas Britânicas, existiam bolsas idênticas de atraso e resistência à mudança. A fronteira entre um ocidente em desenvolvimento e um Leste e Sul tradicionais e estagnados correspondiam ao que separavam os países de pequenas propriedades dos de grandes explorações rurais. No geral, a leste do Elba, a terra era propriedade dos grandes latifundiários de origem nobre que exploravam o trabalho não livre dos servos, enquanto no oeste de Elba, como em França, no Sudoeste da Alemanha, Suíça e Norte da Itália, predominavam as pequenas propriedades. Tanto a norte como a oeste do Elba, as propriedades eram normalmente pouco extensas. A França era um país de pequenas explorações e propriedades. Já a Inglaterra, era a exceção, pois nela existiam grandes magnatas quase comparáveis aos do Leste. Á medida que a revolução agrícola avançava, com o sistema de drenagem, a construção de sebes e valados e a proliferação das enclosures, os pequenos proprietários viram-se obrigados a vender as suas terras e assim as grandes explorações crescem. No decorrer deste processo de revolução, consolidação e expansão foi emergindo a sociedade rural moderna, com o desaparecimento dos yeoman freeholder e do camponês, e a divisão tripartida em grandes latifundiários, agricultores abastados e jornaleiros. Na Itália, as pequenas e grandes explorações coexistiram dentro do mesmo estado.
No entanto, estes fatores (dimensão das propriedades; numero de grandes proprietários e pequenos produtores; tipos, organização e métodos de cultivo) dizem respeito a uma pequena parte da questão. Tendo em vista a diversidade das suas funções, da sua condição social e econômica e das dimensões e natureza de suas propriedades, é impossível generalizar como classe social homogênea. Podemos sim, generalizar a situação legal do camponês, a qual tinha muito a ver com a sua posição na comunidade. As grandes regiões de servidão e mão-de-obra não livre estavam no Leste, e os países onde a servidão fora abolida, estavam no retrocesso. No entanto, como nos recorda Anderson, continuou a haver bolsas de servidão no Ocidente. A única exceção a esta antítese Leste-Oeste foi a Dinamarca, onde tentou-se libertar os camponeses em 1702, mas a servidão continuou a existir até os finais do século. Apesar das exceções, a servidão pessoal diminuía no Ocidente, embora subsistissem obrigações e tributos que vinculavam à terra e eram remanescentes de um antigo sistema feudal ou senhorial de exploração da terra. Na Inglaterra e na maior parte das Ilhas Britânicas não existiam, subsistindo apenas o contrato enfitêutico, que quase não estabelecia diferença entre camponês livre ou não livre. Fora das Ilhas Britânicas, um dos resquícios feudais mais comuns era a corvéia, dizimo, pagamento de foros, etc. muito difundidos na França. A leste do Elba, o que se verifica não era tanto uma situação de serviços e obrigações ocasionais, mas falta de liberdade, que variava de servidão adstrita(vinculação pessoal) até a servidão domestica. As exceções eram poucas e a servidão espalhava-se.
As razoes para a deterioração da situação dos pequenos agricultores no Leste eram diversas, como guerras, períodos de perturbações internas, crescentes oportunidades da produção de cereais para a exportação e a tendência do governo central.
A Grã- Bretanha era o único dos grandes Estados europeus, que naquele tempo não temia fome. Mas não se tratava apenas de condições econômicas.
INDÚSTRIA E COMERCIO
No fim do século XVIII, assistiu-se na Europa os primórdios de uma revolução industrial. Porem, esta nova revolução se confinaria a um país- Grã-Bretanha. Os contemporâneos dessa época pouca consciência tiveram das suas implicações, assim, não é de se estranhar que o que mais impressionou as pessoas fora a prosperidade e expansão do comercio ultramarino e não a opulência ou engenho dos seus fabricantes. No mundo dos negócios, os reis é que comercializavam ou eram banqueiros, e não os industriais. Todas as atenções eram dadas ao comercio e transporte de mercadorias e ouro ou prata em barra, esquecendo-se os bens produzidos. Contudo, esse fenômeno não se circunscreveu apenas à Grã-Bretanha. Porém, após a Guerra de Sucessão da Espanha, as Províncias Unidas revelaram-se impotentes para competir com eles. Em 1739, a supremacia comercia passou a envolver franceses e ingleses e holandeses, que alargou provisões navais do Báltico e do Norte da Europa, da Índia e o Sudeste Asiático. Contudo, em meados do século, o poder naval holandês deixou de competir com os ingleses, e tanto os holandeses quantos os franceses perderam suas posições no continente indiano. Em 1789, o comercio com as Índias Ocidentais representavam um terço do total das atividades comerciais britânicas. Porem, nenhum destes portos se igualava o de Londres. Entretanto, no resto da Europa, certos países entraram em declínio (Veneza).
A expansão do comercio tornou necessária a descoberta de novos métodos de organização e direção comercial, bem como a criação de novos meios de financiar e orientar as atividades. Tal como no século anterior, as grandes companhias privilegiadas continuavam a desempenhar um papel preponderante. Algumas destas companhias eram extremamente opulentas, beneficiando do comércio e de empréstimos concedidos a governos e particulares. Porem, estas companhias sofreu muitos altos e baixos, devido ambição e confiar na sorte, além de despertar a inimizade de outras entidades da comunidade comercial. Assim, mesmo as companhias que sobreviveram acabaram por entrar em declínio, e os novos comerciantes (conhecidos como intrusos) e um grupo de casas comerciais internacionais especializadas em todos os tipos de operações financeiras, esperavam a vez de agirem. Alguns destes homens e outras com idênticas tendências financeiras tornaram-se especialistas em vários ramos do comercio retalhista ou grossista, outros fundaram bolsas de valores, outros criaram um novo tipo de serviço paralelo (seguro marítimo) para facultar maior proteção marítima de mercadorias, outros ainda, se converteram em banqueiros, que concediam empréstimos a governos e clientes. Algumas destas atividades remontavam à Idade Média, mas outras eram criações mais recentes.
Deste modo, registrou-se uma expansão geral do comercio no século XVIII, beneficiando mais a França e a Inglaterra. Esta expansão não apenas refletiu como ainda estimulou o incremento da atividade industrial. Não existia nenhuma linha divisória entre o Leste e o Oeste pra isto. O ritmo de progresso varia de país para país, como também diferia a natureza e qualidade dos bens produzidos e até o tipo de mão-de-obra; porém, os métodos concretos de produção eram os mesmos em toda a parte. Em suma, estes métodos de produção correspondiam a tipo fundamental: pequena oficina (surgida na época medieval, onde o mestre artífice trabalhava lado a lado com os seus aprendizes); sistema de casa de camponês ou trabalho doméstico (tecelões e fiandeiros fiavam e teciam os tecidos sob orientação do negociante de panos e fazendas); manufatura urbana ( não era uma fabrica no sentido moderno pois a mecanização existente não era superior à encontrada na casa do tecelão) e jazidas(estabelecimento de trabalhadores em locais de construção, minas de carvão). Pode-se dizer que a expansão da indústria no século XVIII resultou da combinação destes sistemas produtivos, destacando-se o sistema domestico. Foi na Grã-Bretanha que os resultados foram mais notáveis e duradouros. Na França, verificou-se o contrario.
Por outro lado, outros países permaneceram à margem desta expansão industrial. Entre estes países, temos a Alemanha, Itália, Suécia e Holanda. Porém, como já mencionado, a produção industrial foi paralela á expansão do comercio, tendo um influenciado à outra. Se a situação se tivesse circunscrito apenas aos fatos que temos vindo a referir, dificilmente se poderia falar de uma revolução industrial. Em suma, a revolução significou mais do que um incremento da produção, resultando numa transformação dos processos manufatureiros numa diversidade de ofícios, criaria as bases do moderno sistema fabril e daria origem a uma nova sociedade industrial.
Contudo, encontramos poucos indícios de uma ruptura radical no seio do continente europeu, existindo apenas na Grã-Bretanha. Mas porque na Inglaterra? Primeiro, por ela possuir uma longa tradição tecnológica, que seria fortalecida pela revolução agrícola em que cada uma delas era estimulada pelas necessidades sociais criadas. Segundo, recebia investimentos do Estado. E terceiro, mas não menos importante, está à posse de um único mercado interno, livre de reminiscências feudais. Portanto, um atrelamento destes aspectos propicia que a Alemanha seja o único país a realmente possuir uma revolução industrial.