quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

O Reino da Nova Espanha




PAZ, Octavio. O Reino da Nova Espanha. In: So Juana Inés de La Cruz. As armadilhas da fé: SP, Mandarim, 1998.

Octávio Paz inicia seu texto dizendo que uma sociedade é definida tanto pelo seu futuro quanto pelo seu passado, e assim coloca em pauta a questão da Nova Espanha que não tem noção do seu passado e nem faz questão alguma de saber. Porém, Paz, nos afirma haver duas versões, que são populares e reducionistas, da história do México. A primeira é mítica e o México nasce com os astecas, perde sua independência no século XVI e recupera em 1821 (no sentido de mesma nação). Isto é, entre o México asteca e o moderno existe uma continuidade e identidade, ou seja, trata-se de uma mesma nação. Já a segunda versão é uma metáfora agrícola-biológica e a história mexicana inicia-se como uma raiz no mundo pré-hispanico, é gestada nos três séculos da Nova Espanha (XVI ao XVIII) e tem o seu amadurecimento no processo de independência . Essa versão é, para Paz, mais sensata do que a outra, porém contem o problema da linearidade que omite as rupturas e diferenças.

Octávio, acredita que a história do México ocorreu de acordo com sua geografia (de modo abrupta e tortuosa). A conquista [significou a mudança de civilização] do México foi uma grande ruptura ao dividir a história em dois períodos: mundo pré-colombiano [não era um mundo homogêneo, foi um período dinâmico e de divisões espaciais (nómades e sedentários), geográfica (norte e sul) e cultural (bárbaros e civilizados). Os mexicanos o veem como um mundo que é do outro e não deles] e o período do Vice reinado católico da Nova Espanha[nasceu e viveu contra a corrente da modernidade ocidental nascente] e República laica e independente do México [foi e é uma apressada e irreflexiva adaptação da modernidade ocidental, que não os tornou realmente modernos]. Paz afirma que como ele existem outros autores que não pensam a história mexicana como um processo linear, mas como uma justaposição de sociedades diferentes, é o caso de Edmundo O' Gorman, que sustenta que o passado mexicano contém três entidades históricas separadas uma da outra por negação [cada negação contém a sociedade negada e a contém como presença disfarçada, recoberta], que são: Império mexica [negada pela nova Espanha], Vice-reinado da Nova Espanha [é negada pela República do México] e a nação mexicana [nega a Nova Espanha e a prolonga] e que até existem continuidades entre elas, porém, interrompidas.

O autor também chama a atenção para a questão da Nova Espanha ser diferente do México pré-colombiano, do atual e da Espanha, devido a sua relação com a metrópole. Ela não foi uma colônia nem no sentido original da palavra e tão pouco no sentido moderno. A Nova Espanha era considerada um outro reino, com os mesmos direitos e deveres dos demais pertencentes ao Império. Paz, acaba também fazendo uma distinção entre a forma como se deu a colonização inglesa ( liberdade religiosa, sem ter evangelização e teve iniciativa privada- companhias) e a colonização hispânica (foi baseada no binômio conquista e evangelização e por iniciativa do Império).

Paz, atenta para o fato de que a independência teve mais aspecto de luta contra a hegemonia de Castela do que das revoluções modernas. Assim, critica a visão pseudomarxista que acredita que a causa da independência estava na base da sociedade numa insatisfação dos pobres contra os ricos. Para Paz, a contradição não estava na base, mas no topo devido a uma cisão entre criollos e espanhóis, isto é, o estatuto dos criollos contradizia o estatuto do Reino da Nova Espanha dentro do Império. Enfim, por não se sentirem iguais aos espanhóis, os criollos insatisfeitos vão em busca da independência.
O autor ressalva que a ideologia liberal do movimento de emancipação hispano-americano descontextualizou a verdadeira natureza de separação da Espanha, pois pegaram a filosofia política francesa, inglesa e americana (idéias da modernidade nascente) e as adotou sem levarem em conta a realidade (não havia laços entre as classes responsáveis pela independência e as idéias) por pensarem que em sua tradição já não existia um pensamento político para legitimar a rebelião. Entretanto estavam equivocados, pois para Paz existia sim uma tradição hispânica de lutas pela autonomia e independência, que eram os comuneiros, mas estava esquecida. Contudo, não eram só adotar aquelas idéias, deveriam também ter que adaptá-las, e isso não ocorreu com êxito.

Octávio nos lembra ainda de uma acentuada diferença entre a Nova Espanha e a Espanha desde a situação econômica até a situação política, onde percebemos claramente um México ascendente e uma Espanha decadente. Segundo ele, o México lembra o que Marx chamou de modo de produção asiático ou o que Weber chamou de patrimonialismo, que é o modo de como a sociedade organizava a sua vida. Para justificar essas idéias, cita a agricultura que era a base econômica e praticada por comunidade de camponeses presos à terra que pertenciam ao Estado; o mercantilismo da dominação patrimonial que era baseado no monopólio de lucro comercial; a questão militar (exército profissional) e a educação (da igreja e das universidades). Assim, para Paz, a natureza do regime novo-hispânico , é patrimonial, isto é, dominação de um ajudado pelos seus servidores e pessoas próximas, com o objetivo de impedir o crescimento de uma aristocracia independente de terratenentes, para evitar o feudalismo, e impedir que os vice reis permanecem por muito tempo no poder para não se corromperem, e para freiar isso tinha as audiências que eram os “ouvidos” da Espanha. Entretanto, ele mesmo reconhece que a descrição de um México dependente, patrimonialista, pluralista e mercantilista é insuficiente pois a corte, que era o centro e o auge dessa sociedade, torna inteligível já que ela teve grande influência na vida política, administrativa e social.

Paz, então vai dissertar sobre a importância da corte, que para ele era o mundo e a descreve como um centro de irradiação moral, literária e estética, enfim, como exemplo a ser seguido. E a passagem da sociedade tradicional para a sociedade moderna só foi possível pelo Estado Absolutista , que teve como ferramenta a corte que transformou os barões feudais em cortesãos e burocratas. E assim ele começa a descrever as peculiaridades da Nova Espanha frente ao México, de acordo com características pré-modernas , como: a burguesia não rompeu com a tradição da corte, pois essa continuou imitando-a; a ortodoxia que caracteriza a expansão imperialista durante a era moderna, que exigia uma Igreja e um Estado e a Espanha manteve estes dois coesos.

O autor torna relevante a questão do sincretismo dos índios, pois devido a conquista pelos espanhóis, eles tornam-se órfãos de espírito, o que os deixa propício para uma conversão ao cristianismo, porém, esta conversão indianizou as virgens e santos cristãos. Entretanto é um sincretismo do século XVI que influi profundamente nas crenças dos criollos e mestiços, porque no século XVII ocorre uma mudança radical, onde o neosincretismo se torna uma via de comunicação entre o mundo indígena e o cristão. Este novo sincretismo difere do primeiro por não se propor a indianizar o cristianismo, mas buscar nas suas crenças pre-figurações e signos do cristianismo, numa tentativa de universalizar e uni-los, e assim, temos o caso da Virgem de Guadalupe, que simbolicamente uniu os criollos, índios e mestiços a um sentimento de pertencimento à Nova Espanha.

A guisa de conclusão, Paz, afirma que a Nova Espanha foi um espaço em que se enfrentava e confrontava o palácio (príncipe e sua corte), o município (povo em sua pluralidade de hierarquias e jurisdições) e a catedral (ortodoxia religiosa). Além disso comportava três instituições: o convento, a Universidade e a fortaleza. Os dois primeiros eram os centros de saber e a fortaleza defendia a nação do exterior. E o que permitiu a mudança da Nova Espanha para a Idade Moderna foi a crítica dos próprios princípios e não das instituições ou das imperfeições do homem. Essa critica foi impactante pois a Nova Espanha não estava feita para mudar, mas para durar, cujo ideal não era o culto ao progresso, mas ao de estabilidade e permanência. Em suma, a crítica nessa sociedade era concebida como uma volta ao principio, e por isto a Idade Moderna foi uma negação dos ideais e crenças que inspiravam a Nova Espanha. O México optou pela mudança, e essa mudança significou um desgarramento, porque a continuidade condenava a nação à imobilidade e a mudança exigia uma ruptura brutal. Enfim, continuidade e mudança não eram em si termos complementares mas eram termos antagônicos e irreconciliavéis. Essa mudança funda um México que negue o seu passado e rejeite a tradição (indígena e católica ) procurando justificar-se num futuro (uma modernidade com roupagem do passado). Essa adoção de idéias do ocidente , principalmente do positivismo, foi paradoxal pois ao mesmo tempo que significou uma base necessária para a filosofia política significou também uma ausência de autenticidade histórica que tornou essas idéias inadmissíveis á realidade daquela sociedade, o que causou uma ruptura de vez com o passado. Entretanto perceberam que estas idéias não eram propícias e quiseram voltar ao passado novamente, é o que Paz chama de fluxo e refluxo da história. Portanto, graças a esses movimentos, hoje o mexicano quer saber do seu passado, voltar as origens.

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