quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Relacionando o texto de Prats e de Bloch


Vamos falar a respeito de dois textos que se relacionam e se articulam pela discussão a respeito da História. São dois textos produzidos em períodos diferentes, por pessoas diferentes, mas com idéias semelhantes e questões absolutamente instigantes. O primeiro texto é de Joaquín Prats, professor da Universidad de Barcelona, produzido em 2005 e se chama “Ensinar História no contexto das Ciências Sociais: princípios básicos”. O outro texto que lemos até o capítulo II e é um clássico do historiador Marc Bloch, escrito no inicio da década de 40, em um campo de concentração, que traz consigo toda uma carga de sentimentos e emoções do que ele viveu na época mas mesmo assim, Bloch continuou escrevendo de forma inteligente, sensível, cidadã, erudita e com fome de saber, de compreender e de explicar, o que é típico de um bom historiador.
O texto do Bloch, vem com uma peculiaridade: ele não terminou de ser escrito pelo seu autor. Ainda nesta edição que li, que é de 1997, o texto original é comentado pelo seu filho Étienne Bloch, que faz questão de publicar os textos originais do pai fazendo algumas indicações ao longo do texto, pois na edição de Febvre, foram suprimidas e acrescentadas algumas partes. Mas qual seria a importância desse livro para nós historiadores? Este livro, segundo Le Goff, “trata-se de um tema sério, abordado em uma situação dramática”, e, nos leva a refletir sobre método, objetos e documentação histórica que revolucionou a historiografia. Marc, merece todo o nosso respeito e reconhecimento, pois este texto é fruto de seu empenho, dedicação e erudição que não podendo contar com uma biblioteca à sua disposição retirou tudo da sua cabeça e nos deixou esta obra extremamente original e instigante.
Como não podemos começar a casa do telhado, também acho que não posso começar o texto sem antes refletir sobre o título. O título original era “Apologia da história ou como e por que trabalha um historiador” e fora traduzido como “Introdução à história”. Perceba a mudança até mesmo de sentido. Na primeira, sentimos uma potencialidade maior sobre a ciência histórica, já na segunda, e faço uso da feliz expressão de Sonia Miranda, foi um “estupro” do que Bloch queria nos dizer, perdendo esta força que nos chama a atenção para a temática. Entretanto, seguindo a idéia do título original, o que o autor pretende é fazer uma defesa da história, defendendo-a dos historiadores positivistas e de si mesma ao transcender a barreira que a separa de outras ciências. Porém, Marc Bloch não se contenta apenas em definir a história e o ofício de historiador, mas quer também assinalar o que deve ser a história e como deve trabalhar o historiador. A história poderia dialogar com as demais ciências, mas não podia se (con)fundir com elas.
Bloch, desenvolverá, ao longo do texto, reflexões importantes sobre uma determinada forma de história, contudo, ele não veio para esgotar e dar respostas diretas à indagações e problemas que os historiadores enfrentam como dilemas ao longo de sua formação e profissionalização.
Como havia dito antes, lemos apenas até o segundo capítulo do livro. Como ponto de partida, Marc Bloch toma a decisão de iniciar o seu texto com a interrogação de seu filho, possivelmente Étienne, que lhe pergunta para que serve a história. É claro que esta pergunta tem um sentido e ao respondê-la fica implícito entrelinhas a obrigação que o historiador tem de difundir e explicar seja para os doutos seja para os escolares. Ao decorrer do texto, ele responderá que a história é busca, pesquisa e, portanto, escolha, e, que o seu objeto de estudo não é o passado mas os homens no tempo. Assim, para ele, a história é a ciência do tempo e da mudança. O tempo para Bloch é o meio e a matéria concreta da história, e, oscila entre o que Fernand Braudel denominou de " longa duração" e o que Bloch chamou de "momento", tendo como mediadora, a "tomada de consciência". Enfim, o tempo da história para Bloch, é um tempo que escapa à uniformidade.
Uma questão que chama a atenção na introdução, é a expressão "legitimidade da história", que parece demonstrar que para ele o problema epistemológico da história não é apenas um problema intelectual e científico, mas também um problema cívico e moral, assim como, ele também afirma que o ensino de história é importante para os historiadores, pois a escola seria o lugar onde se forma a consciência histórica coletiva e até uma boa historiografia.
Bloch com esta visão aprofundada e alargada vai criticar os positivistas que marginalizam a história pensando que a defendem ao proporem a observação pelos fatos, pela verdade histórica, etc, fazendo com que ela, como disciplina, possa cair em descrédito e desaparecer da civilização se os historiadores não tiverem atentos. Para ele, o historiador tem que ter o homem por inteiro e tem que ter fome de homens(faz uma analogia ao bicho papão) encontrando eles nos seus testemunhos(os documentos, as fontes históricas). Contudo, depois dessa consideração, ele falará uma das virtudes da história: ela "distrai". Depois ele dirá que por gosto, o historiador, faz uma boa história e a ensina. Também ele nos dá um belo conselho, para evitarmos a retirada da parte poética de nossa ciência. Contudo, vale ressalvar que a história é um tratado científico de método e não uma filosofia ou literatura barata, e, para Bloch, para a história ser vista como ciência, ela deve propor, "uma classificação racional e uma progressiva inteligibilidade" e deve progredir não podendo parar.
É válido chamar a atenção para um problema relacionado ao tempo, em que tal concepção citada no texto, implica a renúncia ao "mito das origens", que alguns historiadores tanto se apegam, segundo a qual "as origens são um começo que se explica". Contudo, para Bloch, o passado não se justifica como origem, e ele combate isto com todas as suas forças, já que ele acredita que a história se modifica na relação no tempo presente (ele chama de atual). Temos que considerar o atual como sendo também objeto de conhecimento científico e deixar de concentrar na história uma concepção passadista. Cada época elege novos temas que falam mais de suas próprias inquietações e convicções do que de tempos grandiosos e memoráveis, é o que ele chama de “educar para a sensibilidade histórica”. Assim, ele inaugura o pensamento do método regressivo, em que o historiador compreende o presente pelo passado e os temas do presente condicionam e delimitam o retorno, possível, ao passado que não é mais "puro".
Queria destacar duas outras questões que nos chamaram a atenção. A primeira diz respeito a história como não podendo ser feita por um historiador isolado mas pela ajuda mútua. E o segundo, diz respeito à "observação histórica", que tem como uma das idéias bases, a questão dos testemunho dos documentos e o da impossibilidade de se compreender tudo do passado tendo que o historiador utilizar um conhecimento através de pistas e vestígios recorrendo a procedimentos de reconstrução deste. Bloch ressalta que os documentos só falam se forem interrogados e que a observação histórica é como a observação de vestígios, já que a história não tem como provocar um novo fenômeno e nem repeti-lo.
Para finalizar a explanação do texto, quero terminar fazendo uma lamentação, já que o último capítulo do texto de Bloch, era para ser sobre o ensino de história, contudo, antes de terminá-lo, ele foi executado de forma cruel pelos alemães. Mas deixou um indicio ao escrever que o ensino de história como de suma importância para o historiador, pois é na escola que se forma a consciência histórica coletiva e pode ser colhida uma boa historiografia. E também para ele, o ensino de história, não era só um assunto de professor, mas de cidadão já que é um tema para a definição e prática da democracia. Já que ele não terminou tal capítulo, creio que o texto de Prats, venha contribuir um pouco para pensarmos sobre a questão.
Prats, critica o ensino das ciências sociais(história e geografia) e faz uma metáfora entre o seu currículo e a “caixa de Pandora” por incluir conteúdos educativos que não têm uma reflexão sobre o que tais ciências pesquisam, e tem sido usados para doutrinar ou criar sentimentos de adesão à pátria ou a personagens históricos. Ele alerta para a questão de que nem tudo é científico, e para se qualificar como tal, devemos considerar que o conhecimento foi construído a partir da aplicação do método científico.
O autor atenta também para o problema causado ao se incorporar os conhecimentos de ciências sociais às aulas, pois normalmente, eles são apresentados como conhecimentos prontos, acabados, e em consequência os alunos não os relacionam exatamente com aquilo que é próprio de uma ciência e a disciplina é vista como sendo de memorização. Prats, crê que para que esse conhecimento tenha grandes potencialidades formativas, é indispensável que o conhecimento se apresente na escola da maneira como a ciência social que o produziu, tendo presente principalmente o método de análise histórica para dar aos alunos o domínio dos instrumentos básicos para o trabalho científico.
Assim, cabe uma pergunta: quais atividades devem estar presentes em todo o processo didático para uma aprendizagem adequada da História? Elas poderiam ser resumidas nos seguintes pontos: aprender a formular hipóteses estabelecendo problemas históricos cuja solução implique formular uma ou várias hipóteses; aprender a buscar, ordenar e classificar fontes históricas aprendendo a conhecer a sua natureza e tipo; aprender a analisar fontes decifrando a informação histórica que o documento proporciona; aprender a analisar a credibilidade das fontes observando quem fez, por que fez e como fez; e, por último, a aprendizagem da causalidade compreendendo as relações causa-efeito e a iniciação na explicação histórica.
O autor tenta apontar a utilidade do estudo da História para a formação integral (intelectual, social e afetiva) dos alunos para que a história sirva para facilitar a compreensão do presente, preparar os alunos para a vida adulta para entender os problemas sociais, situar a importância dos acontecimentos diários, usar a informação criticamente e para viver com uma consciência cidadã plena, despertar o interesse pelo passado, potencializar um sentido de identidade, enriquecer outras áreas do currículo, etc.
Também, apontará os principais objetivos do ensino de História, que são: compreender os fatos ocorridos no passado e saber situá-los em seu contexto demonstrando uma compreensão das características das distintas formações sociais e das complexidades da interrelação entre causa, consequência e mudança nos fatos históricos; compreender que na análise do passado há muitos pontos de vista diferentes devendo reconhecer que a pessoas influem nas interpretações de um problema histórico e que a história é uma ciência que explica o tempo passado, apesar da provisoriedade de suas conclusões; compreender que há formas muito diferentes de adquirir, obter e avaliar informações sobre o passado através das fontes, e, transmitir de forma organizada o que se estudou ou se obteve sobre o passado utilizando-se mais de um meio de expressão (desenhos, narrativas etc).
Prats, também dirá sobre as dificuldades de se ensinar história: sua própria natureza como ciência social por tratar-se do conhecimento de uma trama complexa, dinâmica que supõe o uso de altos níveis de pensamento abstrato e formal; impossibilidade de poder reproduzir os fatos do passado em laboratório, sendo que o passado só é dado pelas fontes que mesmo assim dão uma informação truncada e de difícil elucidação; o não consenso sobre a definição e caracterização da História como ciência social; os preconceitos que dificultam a aprendizagem da História por ser considerada uma disciplina que pode ser só memorizada, etc.
Uma questão bastante interessante que o autor traz é sobre o ensino de História requerer a introdução ao método histórico e para nós professores será mais interessante que os alunos compreendam como podemos conseguir saber o que passou e como o explicamos, do que a própria explicação de um fato que ele poderá inclusive encontrar na internet. Porém, para conhecer ou compreender um acontecimento histórico, necessitamos receber informação histórica. A informação é a base para a compreensão, e é através da compreensão é que se pode ter a explicação averiguando as causas dos fatos e as consequências derivantes deles.
Para finalizar, vale ressalvar que a causalidade é uma noção temporal e necessita ser abordada em uma aprendizagem em espiral por ser uma aprendizagem complexa em que o aluno deve identificar o por que ocorreram os fatos, identificar os diferentes tipos de fatores causais, compreender a noção de intenção e de multicausalidade elaborando teorias explicativas. Por ser complexo, o próprio autor, afirma que o domínio da causalidade está distante de ser completo nos estudantes que não são especialistas em História.
Conclui-se que ambos autores tiveram a intenção de escrever sobre a metodologia da história e o oficio do historiador. Ambos trazem a tona questões bastantes pertinentes para o que estamos discutindo na atualidade, desde a questão se história é ou não ciência até o seus métodos e técnicas. Vale ressalvar que este não é um texto que tem a intenção de esgotar com essa temática. Humildemente, fiz questão de trazer ao conhecimento algumas reflexões que foram por mim filtradas e classificadas como de suma importância para compreendermos um pouquinho do pensamento dos dois autores. Recomendo a leitura completa de ambos os textos, e tenho certeza de que da mesma forma que fui seduzido pelo enredo poético de Marc Bloch e pela didatização de Prats, os demais leitores também terão esta impressão.



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