quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Resumo de "Padrões diferenciados das principais regiões cafeeiras(1850-1930)", de Wilson Cano


O texto de Wilson Cano, tendo como finalidade a demonstração de como as principais regiões cafeeiras tiveram distintas dinâmicas de crescimento e de transformação social e econômica, se enquadra numa historiografia tradicional que tende a examinar as condições em que se pode ou não constituir um complexo cafeeiro, e tal interpretação, afirma que somente a região de São Paulo, apresentou elementos que podem confirmar que lá se teve um complexo cafeeiro. O autor se restringe aos estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo, isto é, a região sudeste, que juntos produziam mais de 95% da produção nacional. O seu texto analisará os estados na seguinte ordem: Rio, Minas, Espírito Santo e São Paulo. Comecemos então a ver como o autor defende a sua tese.

Na parte em que fala do Rio de Janeiro, ele denomina de café escravista, e diz que a produção cafeeira teve o seu apogeu em 1870-80 e começou a sua decadência a partir de 1882. Cano cita algumas pré-condições que possibilitaram ao Brasil independente sua reinserção na economia internacional, como a burguesia, por exemplo. O autor ressalta que para a produção de café seriam necessários a existência de: uma burguesia com posse monetária, terras aptas para cultivo, mão-de-obra e demanda externa para o produto. Cano diz que o Vale do Paraíba, no Rio, oferecia boas terras, que a mão-de-obra se resolveu pela escravidão e que a demanda externa foi alargada pelo rebaixamento dos preços promovido pela oferta brasileira que resultou numa generalização do produto. Porém, o autor destaca que ao se instituir como sendo uma produção escravista e não mudar esta condição, o café decretava a sua própria decadência, já que viria a proibição do tráfico de escravos o que resultaria num aumento dos preços e diminuição da ofertas destes. Ressalta também que a topografia da região forçou uma interiorização do café para áreas mais afastadas, o que provocou um aumento significativo desta. Cano também nos chama a atenção para a ausência de um sistema financeiro e para a subordinação que o capital mercantil exercia sobre o café interiorizado, o que segundo ele, antecipou a derrocada do café. Enfim, segundo Cano, as relações sociais de produção e as peculiaridades da comercialização e financiamento do café não permitiram a constituição de um complexo cafeeiro como o de São Paulo.

Quanto à região mineira, Cano diz que a constituição da cafeicultura escravista de Minas seguiu de perto a do Rio de Janeiro, e só se diferenciaria quanto a sua posição relativa no sistema de produção, mantendo a posição - e não perdendo como ocorreu no Rio - entre 1876 e 1930, de participação de 20% da produção das quatro regiões. A produção de café se iniciou na zona da mata e depois foi se expandindo para a região sul. O autor também chama a atenção para algumas das especificidades que esta região teve, como: se constituiu e sub-regiões pouco integradas entre si, não concentrava grande número de escravos utilizando 25% do contingente escravo provincial, o que é controverso, pois não se sabe exatamente se os escravos foram importados ou se houve uma grande reprodução natural. Tal controvérsia, não pode ainda ser resolvida, mas para o autor, o importante é que a cafeicultura mineira se beneficiou da existência de escravos e não sofreu a alta dos preços como no Rio de Janeiro. Cano ressalva também que em Minas, não se aplicou o trabalho assalariado europeu e que dependia do capital mercantil do Rio e não possuía saída própria para suas exportações, assim, não gerou força produtiva capitalista resultando num não complexo cafeeiro.

No Espírito Santo, o autor já de imediato chama a atenção para algumas peculiaridades em que: o café, no seu início, em 1840, substituiu a cultura da cana de açúcar; relações de produção também foram escravistas; teve uma corrente migratória do Rio e de Minas em busca de terras devolutas; predomínio de pequena dimensão dos estabelecimentos cafeeiros; dependência do porto de rio de Janeiro, por onde o café era exportado, e do capital mercantil carioca para sua comercialização e financiamento, e, não teve trabalho assalariado, expandido-se o sistema de parcerias. Cano atenta ainda para o fato da combinação das duas estruturas – pequena propriedade e trabalho escravo - terem inibido um maior desenvolvimento da produção cafeeira na região e que a crise do café que ocorreu entre 1897 e 1905, retalhou o latifúndio e a cultura cafeeira foi substituída em parte pela cana de açúcar, pela pecuária e pelas culturas de subsistência.

E a região paulista, teve ou não um complexo cafeeiro? Se teve, qual ou quais motivos levaram a isto? Em São Paulo, a busca por terras férteis e virgens ocorreu em meio a uma grande gama de ofertas e a topografia era melhor, permitindo melhorias técnicas nessa cultura, e, lucros crescentes. A interiorização do café em São Paulo, se defrontaria com alguns impasses quanto ao transporte que seria solucionado pela introdução de uma ferrovia que funcionaria similarmente a uma empresa capitalista, pois reduziria os custos do café, aumentaria os seus lucros. Também, São Paulo, contou com uma máquina de beneficiamento, que aumentou os lucros da cafeicultura e possibilitaram uma maior dinamização de acumulação. A burguesia paulista também optou pela imigração européia de homens que não possuíam nada para poderem ser submetidos ao seu capital cafeeiro promovendo a transição para o trabalho assalariado em 1886 e criaram assim, o nascimento do mercado de trabalho.
Cabe-nos aqui, uma outra pergunta: como se constitui e como se dinamiza o complexo cafeeiro? Segundo o autor, ao exportar seu produto, o café gerava as divisas necessárias à importação dos alimentos para os trabalhadores e de todos os bens-salários necessários e dos bens de produção para as atividades rurais e urbanas. Ressalta ainda que a realização da produção de café resultou no surgimento de muitas atividades dinâmicas como ferrovias, porto, estradas, indústrias, bancos, etc, e eram, portanto, os segmentos secundários do complexo. O autor também afirma que o capital mercantil, que era o capital que comandava a comercialização e o financiamento à produção de café, se desdobrava em capital agrário, industrial, bancário etc, que se deram tanto em períodos de auge como de depressão do café. Enfim, para Cano, São Paulo foi a única região em que houve um complexo cafeeiro, que se constituiu na superação da instituição escravista e fez nascer uma economia capitalista dependente da economia cafeeira. Ressalva ainda que São Paulo, não teve uma estrutura fundiária do latifúndio e nem a de uma pequena propriedade camponesa, mas, uma estrutura média.

O texto de Cano, é um texto de extrema importância pois nos remete a pensar sobre uma historiografia tradicional que já foi revista por outros autores que tendem a ressalvar alguns problemas de ordem teórica. Tal visão histórica tradicional, tendem a associar o período da produção cafeeira mineira à ausência de retenção de capital; decadência da produção de café, e, dependência do Rio de janeiro onde Minas seria uma espécie de “quintal do Rio”. Em primeiro lugar, o período de implantação e de decadência é que diferenciam a produção de café entre Rio(1830-1879/80) e Minas (1850-1920). Em segundo lugar, Minas teria um complexo singular marginal já que ele é interiorano e não apresenta saída para o mar. Além disso, Minas tem uma região produtora de café, zona da mata, que produz 5% e transfere os seus recursos para uma região que não produz café, centro do Estado, a diferenciando de São Paulo. Em terceiro lugar, a partir de 1880, o dinheiro começa a ser retido internamente pelo comércio local. Em quarto lugar, Minas é uma região de fronteira e não o quintal do Rio de Janeiro, é tanto que o período de decadência do nosso café só ocorrerá em 1918. Em último lugar, segundo Anderson Pires, Minas manteve a sua condição de reprodução econômica até a década de 1920, o que lhe permitiu o acumulo de capital cafeeiro. Enfim, segundo este mesmo autor, o movimento de dinâmica agroexportadora em Minas se distingue pelo ritmo de crescimento da produção da dinâmica de São Paulo, que deve ser vista como exceção e não como regra, e pela tendência ascendente do movimento, da mesma dinâmica do Rio de Janeiro.

Em suma, a economia cafeeira mineira criou condições efetivas para o avanço da modernização capitalista., mesmo tendo tantos limites, que ficam mais claros quando comparamos com outras regiões agroexportadoras. Feito estas considerações, recomendo a todos a leitura desse instigante e polêmico texto, ressalvando que leiam prestando atenção nos detalhes descritos acima, para se ter um aproveitamento melhor e maior da história regional.

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