quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

EMENDA PLATT


Segundo Rainer Sousa, no final do século XIX, com políticas articuladas, os Estados Unidos apoiaram a descolonização dos países vizinhos para tê-los como aliados e para atingir seus interesses políticos e econômicos. Com Cuba não foi diferente. Em 1898, José Martí liderou um processo de independência da ilha, que ainda estava sendo domínio da Espanha. Por perceberem que a ilha era uma possibilidade de expansão do seu comércio, os EUA apoiou os cubanos na luta contra os espanhóis. Os EUA vencem e antes de elaborar uma Constituição cubana, ele elabora a Emenda Platt para garantir que a ilha estaria sob seu controle total, com o argumento de que, desta forma, Cuba estaria ‘protegida’ das invasões europeias. A Emenda Platt foi criada pelo senador estadunidense Orville H. Platt, que a apresentou ao Congresso dos EUA, e em 12 de junho de 1901 seria aprovada, pela maioria, como um apêndice constitucional. A Emenda Platt perdurou até 1933, pois em 1934 o soldado e ditador Fulgêncio Baptista assumi o governo e a substitui por um acordo comercial.

A emenda¹, de forma geral, definia que as relações dos Estados Unidos com Cuba, seria da seguinte maneira:

I. Que o governo de Cuba nunca entraria em qualquer tratado ou outro pacto com qualquer potência estrangeira ou poderes que, irá prejudicar ou tendem a prejudicar, a independência de Cuba.
II. O governo não assumirá ou contrairá qualquer dívida pública, para pagar juros, e prevê fundo razoável para a descarga final das receitas ordinárias da ilha, depois de custear as despesas correntes do governo.
III. O governo de Cuba consente que os Estados Unidos possa exercer o direito de intervir para a preservação da independência cubana, a manutenção de um governo adequado à proteção da vida, propriedade e liberdade individual, e para cumprimento das obrigações impostas pelos EUA a Cuba.
IV. Todos os atos dos Estados Unidos em Cuba durante a ocupação militar do mesmo são ratificados e validados, e todos os direitos legais adquiridos ao seu abrigo deve ser mantida e protegida.
V. O governo de Cuba irá executar, e, na medida do necessário, estender os planos já elaborados ou outros a ser mutuamente acordados, para o saneamento das cidades da ilha, a fim de que a recorrência de uma epidemia e doenças infecciosas possam ser evitadas, assegurando proteção às pessoas e comércio de Cuba, bem como para o comércio dos portos do sul dos Estados Unidos e as pessoas ali residentes.
VI. A Ilha dos Pinos fica fora dos limites de Cuba propostos pela Constituição, deixando-se para um futuro tratado a fixação da sua presença.
VII. Para permitir que os Estados Unidos mantenham a independência de Cuba, e para proteger seu povo, bem como para a sua defesa, o governo de Cuba venderá ou arrendará aos Estados Unidos as terras necessárias para estabelecer carvoeiras ou estações navais em certos pontos específicos , a ser acordado com o presidente dos Estados Unidos.
VIII. Por meio de garantia adicional ao governo de Cuba inserirá as disposições anteriores num tratado permanente com os Estados Unidos.

Em suma, esta emenda era um dispositivo constitucional, portanto legal, assinado pelo Senado norte-americano para garantir que os Estados Unidos pudessem intervir política e militarmente em Cuba quando os seus interesses econômicos e políticos estivessem ameaçados (como em 1906, 1912, 1917 e 1920 ). Além de oficializar o poder de interferência, a Emenda Platt ofereceu aos norte-americanos uma área de 117 quilômetros quadrados para a construção de uma base militar na baía de Guantánamo que ao longo do tempo serviu de prisão para vários terroristas e líderes políticos que ameaçaram a hegemonia política dos Estados Unidos. Enfim, esta emenda exemplifica a aplicação da chamada Política do Big Stick, na qual o exercito podia usar a força para resolver problemas num dos Estados, formulada pelo Presidente Theodore Roosevelt.   

Filme "O último dos moicanos" e a história dos EUA

 Aproximando ficção e realidade o filme sintetiza a Guerra dos 7 Anos, que serve como cenário para o filme, que foi um combate entre colonos e soldados à serviço da coroa inglesa que se confrontaram com os franceses em território americano. Ambos os lados usam da manipulação dos índios de diferentes tribos que se dividem entre franceses e ingleses, por buscarem proteção.
Segundo Alômia Abrantes, a guerra dos Sete anos foi uma época de difícil sobrevivência para os que ficaram à margem do processo de colonização da América do Norte como os homens rústicos ( fronteiriços) e os homens de origem e cultura diferentes ( índios), pois era uma época em que a terra significava além de sobrevivência, significavam também, questão de honra por estarem expandindo território. Em suma, os ingleses se encontravam em uma situação difícil pelo pouco sucesso na investida das terras norte-americanas que foram conquistadas pelos fronteiriços e se encontravam nas mãos dos índios que eram apoiados pelos franceses, e, além do conflito entre franceses e ingleses, havia o conflito entre ingleses e índios( já que eles não queriam se misturarem por considerá-los uma raça inferior, ou até mesmo, animais) e índios de tribos diferentes ( moicanos X huronianos). Tais conflitos retomam ao período de fase colonial, em meados do século XVIII.


A luta pelo poder e pela sobrevivência é que enredam o filme. Assim podemos observar que os dois últimos moicanos, que habitavam as proximidades do Lago George, e que foram arrancados de suas terras com a chegada dos brancos, exemplificam bem essa luta e são os exemplos de resistência e violência contra os índios.

A guerra é vencida militarmente pelos ingleses e merece muita atenção de nós estudantes, por ter sido um dos principais antecedentes do processo de independência dos EUA, já que representou um impasse na relação metrópole e colônia na medida em que a Inglaterra se viu sobrecarregada com a guerra. E segundo Leandro Karnal, a partir de então, o liberalismo que norteava a relação metrópole-colônias, cede lugar para uma postura cada vez mais intervencionista da metrópole sobre a colônia, representada, em sua maioria, por um aumento radical de carga fiscal, como as leis "do Açúcar", "do Selo" e "do Chá". Este feito, se mostrou incompatível com um sentimento que vinha crescendo nas colônias que é o sentimento de autonomia, estimulado pelos princípios de liberdade e igualdade que estavam em grande difusão por todo mundo ocidental nesse momento histórico. E o restante da história, já sabemos ( a mobilização dos colonos ocorre rapidamente nos Primeiro e Segundo Congressos da Filadélfia, sendo que o último, articulado por Benjamim Franklin e Thomás Jefferson, resultou na Declaração de Independência dos EUA em 04 de julho de 1776).  

Resenha de "Mulheres na sala de aula", de Guacira Lopes


O texto de Guacira Lopes inicia-se citando Nísia Floresta, a “ mulher metida a homem”, que em pleno século XIX denunciava a condição de submissão das mulheres e reivindicava sua emancipação através da educação para contextualizar a concepção que se tinha de educação em tal contexto. A educação não era igual para as meninas e meninos, havia professores para os meninos e professoras para as meninas, e eles deveriam estudar em salas ou até turnos diferentes. Os meninos deveriam saber geometria e as meninas bordar e costurar, e o ensino de geometria causaria um salário desigual no futuro. Os professores por sua vez deveriam ter uma moral inabalável e inatacável, e as suas casas ambientes deveriam ser decentes e saudáveis.
A autora também chamará a nossa atenção para as concepções de educação feminina pelos imigrantes e ordens religiosas que se aproximavam em muito da dos luso-brasileiros. Contudo, em alguns grupos socialistas e anarquistas, se dava atenção às questões da educação feminina ligada à idéia de que com a instrução a mulher se libertaria. Enfim, as concepções e formas de educação das mulheres eram diversas e estabeleciam relações atravessadas por suas segmentações. Porém, parecia haver um consenso de que as mulheres deveriam ser educadas e não só instruídas, isto é, a formação de maior relevância seria a moral sólida e dos bons princípios já que seu destino era de esposa e mãe.
Segundo Guacira, as últimas décadas do século XIX apontam uma necessidade de educação para a mulher vinculando-a à modernização da sociedade, à higienização da família, à construção da cidadania dos jovens, a controlar seus homens e formar os novos trabalhadores e trabalhadoras do país. A autora destaca que para muitos, a educação feminina não poderia estar desvinculada de uma sólida formação cristã e de uma moral religiosa que apontava uma representação das mulheres de Eva ou Maria, onde as jovens moças deveriam se espelhar na pureza da Virgem apelando assim para a missão da maternidade e para a manutenção da pureza feminina. Enfim, se criava um ideal feminino que implicava o recato e o pudor, a busca pela perfeição moral, a aceitação de sacrifícios, a ação educadora dos filhos e filhas. E que para outros ligados aos ideais positivistas e cientificistas, a educação feminina, ainda ligado à função materna e as concepções relativas à essência do que se entendia como feminino, deveria incorporar as ciências que tratavam das tradicionais ocupações femininas.
Guacira depois nos falará da criação das escolas normais. Estas instituições foram criadas para ambos os sexos, mas a atividade docente era exercida majoritariamente por homens, mas agora, em meados do XIX, as mulheres também se tornavam necessárias. As escolas normais passariam a formar mais mulheres do que homens, que começaram a procurar outros tipos de empregos e salários mais autos, acarretando assim numa feminização do magistério. Contudo, este processo não se deu sem posturas favoráveis ou contrárias. Para alguns, como Tito Livio de Castro, era uma insensatez entregar às mulheres despreparadas e de pouca inteligência a educação das crianças. Outros afirmavam que a mulher tinha por natureza uma inclinação para o trato das crianças, e, se o destino da mulher era a maternidade, bastaria pensar que o magistério representava a extensão da maternidade e era representado como uma atividade de amor, entrega e adoção. Tal discurso, segundo a autora, justificava a saída dos homens das salas de aula e legitimava a entrada das mulheres nas escolas. É a partir daí que se passam a ser associados ao magistério características tidas como tipicamente femininas: paciência, minuciosidade, afetividade, doação, e a reforçar a idéia de que o magistério era um sacerdócio e não uma profissão, constituindo a imagem das professoras como trabalhadoras dóceis, dedicadas e pouco reivindicadoras.
Com uma feminização do magistério, fazia-se supor que as escolas de meninos estariam sem mestres, e a solução seria permitir que as mulheres lhes dessem aulas, mas teria que salvaguardar a sexualidade dos meninos e das professoras que normalmente se vestiam de forma assexuada. Também para a mulher sair de casa, o que era um risco, o trabalho era só de um turno e transitório, para não afastar a mulher da vida domiciliar, dos deveres domésticos, da alegria da maternidade, da pureza do lar, o que de certa forma, contribuía para que os seus salários fossem baixos e complementares ao do marido que era o provedor da casa. Enfim, o casamento e a maternidade eram incompatíveis com a vida profissional feminina e o trabalho de modelo religioso de de metáfora materna porque exigia dedicação, disponibilidade, humildade-submissão, abnegação-sacrifício, só seria aceitável para as moças solteiras até o momento do casamento, ou para as mulheres que ficassem só. A incompatibilidade do trabalho com o casamento e a maternidade se justificava pois a condição de casada poderia resultar numa fonte de indagação das crianças e jovens sobre a vida afetiva e sexual da professora, num ambiente, que procurava negar a sexualidade. A sexualidade das professoras ainda podiam ser representadas como elas sendo homossexuais, pois as mulheres que tomassem iniciativas que contrariassem as normas, que fossem mais instruídas ou que ganhassem o seu próprio sustento eram percebidas como desviantes, como mulheres metidas a homem, como mulher-homem.
A autora tratará ainda da questão das instituições estarem voltadas para uma transformação das meninas/ mulheres em professoras. Assim, os arranjos físicos, do tempo e do espaço escolares, estão informando e formando como ser ou agir, enfim, institui em sua materialidade um sistema de valores, como ordem disciplina e vigilância. Uma série de rituais e símbolos, doutrinas e normas foram mobilizados para a produção dessas mulheres professoras. Ensinava-se um modo adequado de se portar e comportar, de falar, escrever e argumentar, que se constituíam num conjunto de critérios que elas carregariam para além da escola. As professoras tinham a responsabilidade de se manterem acima do comportamento comum, isto é, se viram obrigadas a um estrito controle sobre seus desejos, falas, gestos e atitudes e tinham na sociedade o fiscal e censor de suas ações.
No fim do século XIX, as professoras passam a aprender coisas relacionadas ao afeto, e que ficavam restritas ao lar, mas as escolas reelaboravam tais saberes e habilidades, que poderiam contribuir para a formação da moderna mestra e ser um estágio preparatório para o casamento e a maternidade. A profissão ainda mantinha laços com suas origens religiosas. Guacira ressaltará também o papel das mulheres como dirigentes de instituições leigas ou religiosas , onde assumiam o papel de uma mãe-zeladora de tudo e todos. Contudo, nas escolas públicas tal papel cabia ao homem que era referencia de poder e firmeza nas decisões.
O magistério se apresentava com a alternativa mais viável ao casamento e ser professora estava associada à imagem da mulher pouco graciosa, da solteirona retraída. Na parte sobre o jogo das representações, a autora afirma que as representações, que se constituíam e mudavam, de professoras tiveram um papel importante na construção da professora, fabricando professoras e dando sentido ao que era e ao que é ser professora. Portanto, é possível compreender que a moça que se achava feia e retraída percebia-se atraída para o magistério já que existia uma compreensão social de que ele era uma função adequada para mulheres e na aproximação dessa função à maternidade. Assim, para aquelas em que a maternidade parecia estar impossível, estariam cumprindo sua função feminina ao se tornarem, como professoras, mães espirituais de seus alunos. Todavia, a representação da professora solteirona é, então, adequada para justificar a completa entrega das mulheres à atividade docente, ao caráter de doação e de desprofissionalização da atividade. A professora solteirona também poderia ser representada como uma figura severa cuja afetividade estava escondida. As caricaturas retratam isto e representa-nas como mulheres sem atrativos físicos, quase bruxas, munidas de uma vara para apontar para o quadro-negro, de óculos. Tudo isso para retirar da mulher uma imagem de que é frágil e propensa aos sentimentos. Neste contexto, a professora tinha que evitar o mínimo de contato com os alunos. Mas, quando o discurso sobre a escola passa a valorizar um ambiente prazeroso, também a figura da professora passa a ser representada como sorridente e mais próximos dos alunos.
Ao longo do século XX, segundo Guacira, as professoras e normalistas foram se transformando e se constituindo educadoras, depois profissionais do ensino, para alguns tias, para outros, trabalhadoras da educação. Nas primeiras décadas do século eram chamadas de professorinhas e normalistas fazendo referência às jovens recém-formadas. Já o magistério primário já era então demarcado como um lugar de mulher. Com as teorias psicológicas e sociológicas, temos a representação da professora como educadora que fornecia apoio afetivo, emocional e intelectual à criança. Já na ditadura, havia a tendência de se substituir a mãe-espiritual pela da profissional do ensino, cujo profissional era imbuído de tarefas burocráticas, de ordem administrativa e de controle, com ação didática mais técnica, eficiente e produtiva. A reivindicação da profissionalização se constituía como uma forma das mulheres professoras lutarem por salários iguais aos dos homens. Esse argumento ia contra a concepção do magistério como extensão das atividade maternais. Mas de qualquer modo também haveria resistências a essa nova concepção. Por um lado, como reafirmação da afetividade e de sua importância central na atividade docente, muitos dos professores e professoras passam a utilizar “tia” para denominar professora, se por um lado aumentava as características familiares, por outro lado promoviam um anonimato da professora. Uma outra forma de resistência estaria se dando num processo de proletarização da categoria docente que estaria ligada na acentuada queda de salários, e os professores, iriam procurar buscar formas de lutas também semelhantes às dos operários, como os sindicatos, greves e manifestações públicas de maior visibilidade. Apesar dos sindicatos serem formados em grande maioria por mulheres, os homens também passariam a fazer parte dele. As greves são práticas sociais novas e a adesão ou não a essa forma de luta não se dá de modo fácil.

Para concluir, não se pode compreender a história de como as mulheres ocuparam as salas de aula sem notar que essa foi uma história que se deu também no terreno das relações de gênero e de relações sociais de poder. Assim, todos são ainda controlados e controladores capazes de resistir e de se submeter, e pensar as mulheres professoras apenas como subjugadas talvez empobreça demasiadamente sua história já que mesmo quando tentaram silenciá-las, elas foram capazes de engendrar discursos discordantes, construir resistências e subverter comportamentos. Construir uma história as avessas também significaria reduzir e idealizar as trajetórias daquelas professoras que foram revolucionárias. Assim, não houve uma homogeneização das mulheres professoras, se construindo por meio e em meio a discursos e práticas que elas acabaram por se produzir como professoras ideais e ou desviantes, como mulheres ajustadas e ou inadaptadas. Enfim, o magistério surgiu como sendo algo vocacional, sacerdotal. Chegar ao status de profissão foi uma luta contra os preconceitos que envolviam a mentalidade da época e o discurso que pensava a mulher unicamente com função gestora e do lar. Hoje em dia, ser professor ainda evoca tal concepção antiquada, mas sabemos que somos profissionais e que não fazemos isto por amor, mas, como desenvolvedores de uma atividade educativa para a formação crítica dos alunos e alunas. Enfim, este texto faz uma trajetória histórica de como surgiu a feminização do magistério até a sua concepção de profissionalização. 

Formação e saberes docente: a questão da memória e do ensino de História


Temos que refletir um pouco sobre o profissional da educação, suas atribuições e competências, e, sobre a sua formação, enfim, sobre os saberes que envolvem a prática docente. Segundo Tardif (p.211), a noção de “saber” tem que ser entendida em seu sentido mais amplo, isto é, aquele que engloba os conhecimentos, as competências, as habilidades e as atitudes dos docentes. Para este autor, os saberes que servem de base para o ensino são, a um só tempo, existenciais (o professor pensa a partir de sua história de vida, seja ela intelectual, emocional, afetiva, pessoal e interpessoal), sociais (os saberes são provenientes de diversas fontes de socialização como a família, a escola, a universidade etc, e, adquiridos em temporalidades sociais diferentes: na infância, na escola, na formação profissional, na carreira) e pragmáticos (os saberes que servem de base ao ensino estão intimamente ligados tanto ao trabalho quanto ao trabalhador, isto é, o trabalho é [trans]formado e [trans]formador pelo e do homem). Assim, para este autor, essa tríade, demonstra a dimensão temporal do saber do professor. Em outras palavras, o que o autor nos diz é que os diversos saberes dos professores são adquiridos ao longo da sua história de vida, e, que não são todos produzidos por eles, mas são exteriores à profissão, já que podem vir da vida individual, da social, da escola, dos professores,etc.
Sabemos que a historiografia predominante mantém ainda uma idéia de progresso e determinismo por ser linear “ que leva o homem das cavernas pré-históricas até a gloria da pós-modernidade” (Fontana, p. 276). Com essa história que é linear, determinista, mecanicista e progressista, perdemos várias possibilidades e perspectivas de interpretações possíveis. A história linear só dá voz aos vencedores o que faz com que não tenhamos a visão dos vencidos. Enfim, o que este tipo de história faz é causar silenciamentos, previsões e uma única perspectiva de realidade, e Fontana (idem, p.268), diz que a crise que a ciência histórica do nosso tempo enfrenta é justamente um reflexo das expectativas de futuro dessa história linear que parece permitir que se faça previsões do que está porvir. No entanto, este mesmo autor nos chama atenção para este fato, já que o historiador reflete o tempo do presente ao reinterpretar o passado. Fomos formados por essa tendência histórica linear, mas devemos pensar como escapar dela ao ensinar para os nossos alunos. E como faremos isto? Parece que o importante aqui é chamar atenção para alguns problemas dessa “história única” da qual fomos vítimas e cúmplices.
Devemos, como Fontana disse, trocar História por histórias, assim, sairemos de uma história mecanicista e única e descobriremos que o mundo é muito mais complexo do que esta visão determinista propõe. Então, conseguiremos construir interpretações mais realistas e daremos voz aos esquecidos pela história tradicional que só pensa nos grandes feitos e feitores.
Devemos também buscar uma nova forma de aproximação do estudo do acontecimento, isto é, a forma de relacionar os fatos concretos com o contexto teórico que o explica, já que normalmente pegamos um modelo interpretativo e tentamos enquadrar fatos que se enquadram perfeitamente, e, dá legitimidade ao modelo. Fontana diz que para resolvermos este problema, o movimento deveria ser ao contrário, isto é, deveria partir do fato concreto para colocá-lo á prova e assim teremos algumas expectativas interessantes.
O terceiro e último problema dessa história linear é a forma como se explica as ações dos homens do passado, racionalizando-as e atualizando-as. Devemos abandoná-la e tentar descobrir o que estas pessoas pensavam, sentiam, temiam, pois só assim conseguiremos entendê-las.
Em suma, o que esta história provoca, consciente ou inconscientemente, é o pensamento da história como verdade. Sabemos que a verdade não existe e que o real não é real. Em nossas discussões e de acordo com leituras, sabemos que a história não é uma verdade única, ela é suscetível ao erro, pois se tem várias interpretações de um dado fato. Costumo brincar que a história é uma verdade porque a interpretação pode até mudar, mas o fato histórico não, ele é inalterável. Sendo assim, como fica o nosso saber-fazer? Fontana, sendo feliz em seu pensamento, descreve a história como sendo uma memória coletiva que atribui uma identidade à sociedade humana, e, descreve a memória como sendo uma construção a partir de fragmentos de conhecimento. Se pensarmos que fazemos interpretações a partir de fragmentos de conhecimento que já são interpretações que alguém já fez, ensinar história fica um pouco mais fácil.
Temos também enfatizado bastante, em nossas discussões, a questão de que se a formação que recebemos na graduação do curso de História é suficiente e abrangente para formar um bom profissional. Sobre a formação do professor, aprendemos que a faculdade é apenas um dos instrumentos capacitacionais desse profissional. Não é o único, não é o primeiro e nem o último. Digamos assim, que o ensino superior é a instituição que por ter uma noção clara do seu papel formador, tenta tornar a educação um conhecimento prático e inteligível para formar os professores. Entretanto, não tem como formar tais profissionais então pouco tempo, e, mesmo se passassemos mais anos estudando não seria suficiente, pois lidamos com seres humanos, que são tão complexos de entender. O que eu quero dizer, é que não se tem “receita de bolo” ou um manual que ensine como lidar com o ser humano, que devido à capacidade de poder ser diferente uns dos outros, isto nos incapacita de enquadra-los em uma categoria que dê conta de agrupar todas as suas especificidades e de tentar prever como agiram em dadas circunstâncias. Enfim, o período no curso de graduação é relativamente pequeno para que aprendamos a totalidade do nosso ofício, e comumente o que se ensina, é o básico das principais teorias, para que quando chegarmos á sala de aula, possamos escolher a melhor e usar naquele dado contexto. Falando em premonições, me remete ao que as pessoas normalmente pensavam sobre os historiadores, que é citado por Fontana, sobre o fato destes poderem prever o futuro, isto é as profecias. Este pensamento se encaixa muito bem no nosso pensamento, quando não conhecemos a realidade de uma sala. Tendemos normalmente a idealizar que a escola será transformada por nós, que os alunos nos obedecerão e serão interessados, que vamos ser recebidos bem pela comunidade escolar etc.
Então poderíamos dizer que a faculdade não é tão importante na formação docente? Claro que não. Pensar isto é erroneo, pois é na faculdade que pensamos sobre os problemas e teorias educacionais. É ela que dá a noção do “vir a ser” professor e contribui para o “saber-fazer”. O que normalmente acontece, e o que mais convém, é que tal formação teórica tenha de ser completada com uma formação prática, isto é, com uma experiência direta no trabalho, já que só seremos professores sendo. Então, a questão do tempo e do trabalho aparecem como essenciais para pensarmos o magistério. Falando nisso, como se dá o tempo de aprendizagem do trabalho? Qual seria a relação entre o tempo e a aprendizagem do trabalho? Bem, o trabalho, com o tempo, modifica o saber trabalhar, e, quando Tardif cita Marx para falar sobre como o trabalho é uma atividade que é transformada e transformadora do homem, julgo bastante feliz sua colocação. No magistério, os profissionais passam por um processo de escolarização em boa parte da aprendizagem de seu ofício, e, enfim, o professor é um dos poucos, se não o único profissional, que já ingressa no mercado de trabalho sem começar a trabalhar. Pensando dessa forma, concordo com alguns pensadores, como Tardif por exemplo, que acreditam que a formação profissional do professor é antecedida pela pré-profissional. Mas o que seria tais processos? E a memória, tem alguma função nisso tudo?
A “ trajetória pré-profissional” seria uma carga que trazemos do nosso processo de socialização e escolarização que marca e afeta nossas crenças, identidade, maneiras de ser, fazer e agir. Tardif aponta que em sua pesquisa, professores disseram que pessoas significativas da família e as relações com os professores (boas e más o que permitiu escolhas pedagógicas que julgam serem necessárias para o ensino) aparecem como fonte de inspiração em relação ao ensino escolar e ao saber-ensinar, e, na mesma pesquisa, alguns professores tendem a naturalizar e personalizar o seu saber profissional, dizendo que nasceram para ensinar, apresentando o saber ensinar como algo inato. Entretanto, Tardif chama atenção para este fato, dizendo que eles esquecem que são frutos de uma modelação ao longo da vida por sua própria história e por sua socialização. Portanto, a nossa vida profissional é marcada por nossos referenciais e pré-concepções de ensino e de aprendizagem da nossa vida escolar, já que passamos a maior parte de nossa vida nela, e isso reflete no “eu profissional” já que escolhemos a partir de nossas observações e conceitos, o que seria uma postura adequada a prática docente.
Já o processo de formação profissional, segundo Tardif, é marcado, principalmente, pelo tempo de trabalho, pela experiência da prática da profissão, pela passagem do estudante à professor. Tardif, nos esclarece que na trajetória profissional, os saberes dos professores são temporais, porque são utilizados e desenvolvidos ao longo da carreira. Isto é, o autor, parte da premissa que os saberes não são inatos, mas produzidos pela socialização, ou seja, através da participação dos indivíduos nos diversas instituições formativas, como a família, os amigos, a escolas etc. Normalmente, antes de entrarmos na sala de aula, tendemos a idealizar a escola e os alunos perfeitos, mas quando vamos lecionar vemos que não é tudo aquilo que esperávamos e que a realidade pode ser muito dura. É aqui, que o professor, no primeiro momento, vai se confrontar com a realidade e vai criticar o que aprendeu na faculdade, vai testar possibilidades e métodos de ensino, e depois em um segundo momento, vai buscar se afirmar e ser aceito pela comunidade escolar, adquirindo um sentimento de competência e de implantação das rotinas do trabalho, em outras palavras, na estruturação da prática, que exige que eles assimilem saberes práticos dos lugares de trabalho, com suas rotinas, valores e regras. Vale lembrar que o sentido de rotina que Tardif se refere é o mesmo de Giddens, onde a rotina é uma maneira de agir estável, uniforme, e, que torna-se parte integrante da atividade profissional, constituindo, desse modo, “maneiras de ser” do professor.
Para Tardif, é a carreira que nos diz sobre o saber- fazer. É no início da carreira que os saberes experienciais que são uma reativação e uma transformação dos saberes adquiridos nos processos anteriores de socialização (familiar, escolar e universitária) possibilitam e proporcionam aos professores certezas em relação ao trabalho, e, é com a evolução da carreira, que geralmente se tem um domínio maior do trabalho da profissão. O autor ressalta, o que nos é muito familiar quando estamos fazendo estágio, que é no início da carreira que se tem uma fase crítica, da sua formação como professor, pois é a partir das certezas e dos condicionantes da experiência prática que os professores questionam sua formação anterior. Segundo eles, muita coisa da profissão se aprende com a prática, pela experiência, no próprio trabalho. Uma outra questão interessante que também vivenciamos nos estágios, é a tentativa de se passar a experiência por meio de conselhos. Segundo Jorge Bondía, não dá para passarmos experiência para outra pessoa, pois o saber da experiência é um saber particular e pessoal, já que para ele, a experiência é o que nos acontece, e o saber de experiência é o sentido que atribuímos ao que nos acontece. Por isso, duas pessoas, ainda que enfrentem o mesmo acontecimento, não terão a mesma experiência, já que o acontecimento é comum, mas a experiência é singular. Contudo, a experiência e conselhos dos outros profissionais são uma fonte importante para a nossa formação, já que toda contribuição é válida, no entanto, temos que receber os conselhos, assimilá-los, criticá-los e assim ver se eles se encaixam na nossa perspectiva e realidade de ensino ou não.
Em resumo, vimos até aqui que o professor é um profissional que já é inserido no trabalho antes mesmo de iniciar-se como tal, graças à sua memória social e individual. Enfim, o papel da memória desempenha uma grande função em nosso processo de formação. Mas como assim? Já disse que nos inspiramos nas memórias de nossa vida escolar para refletirmos como vamos ser e fazer, ao lecionar, o que faz com que grande parte do nosso saber-fazer venha daí.. Sabendo que a memória está intrinsecamente ligada á História, e que esta representa uma memória coletiva e dá identidade à sociedade humana, a memória é uma construção a partir de fragmentos de conhecimento, e é uma interpretação da interpretação que já tivemos. Tal reinterpretação também ocorre com a história, já que interpretamos o passado com os olhos do presente. Não nascemos professores, nos tornamos, na medida em que somos produtos e produtores dos processos de socialização. Entretanto, o nosso saber-fazer não vem só da nossa memória escolar, vem da experiência, da prática de trabalho, e o tempo, como vimos, é muito importante nisso tudo.
Concluindo, acho que Fontana descreve e define o saber-fazer do historiador:
“ Na medida em que o historiador é quem melhor conhece a evolução da humanidade, quem sabe a mentira dos signos indicadores que marcam uma direção única e quem recorda os outros caminhos que conduziam a outros destinos distintos e talvez melhores, é a ele a quem toca, mais que a ninguém, denunciar os enganos e reanimar as esperanças para começar o mundo de novo. Falo de enganos, porque a história, praticada por mãos inábeis, pode ser uma arma destrutiva muito temível [...] Nós historiadores devemos combater as profecias paralisadoras da mundialização, com que se pretende substituir àquelas e, com maior empenho ainda, todas as aberrações que servem para justificar, em nome de preconceitos assentados na deformação da memória coletiva, as mais diversas formas de opressão e de extermínio, com o pretexto de superioridades raciais ou de civilização, seja laica ou religiosa. Não é uma tarefa fácil, porém vale a pena dedicar-se a ela […] não é só um trabalho [...]como também o meu modo de estar no mundo e de lutar com as armas do meu ofício contra todas as coisas que impedem que se realize uma sociedade onde haja […] ' a maior igualdade possível dentro de maior liberdade possível' ”. (p. 280-281)
Para finalizar, com esta fala bastante interessante e provocativa de Fontana, queria colocar algumas questões? Se somos historiadores e somos os que melhor conhecem a historicidade da humanidade, por que então continuamos mantendo uma história que ainda é representativa do porvir, do progresso, da verdade? Por que o professor não inova seus métodos? Creio que chegou a hora de usarmos as nossas melhores armas -as palavras- e pensar como solucionar os principais problemas que interferem na atividade docente.

Relacionando o texto de Prats e de Bloch


Vamos falar a respeito de dois textos que se relacionam e se articulam pela discussão a respeito da História. São dois textos produzidos em períodos diferentes, por pessoas diferentes, mas com idéias semelhantes e questões absolutamente instigantes. O primeiro texto é de Joaquín Prats, professor da Universidad de Barcelona, produzido em 2005 e se chama “Ensinar História no contexto das Ciências Sociais: princípios básicos”. O outro texto que lemos até o capítulo II e é um clássico do historiador Marc Bloch, escrito no inicio da década de 40, em um campo de concentração, que traz consigo toda uma carga de sentimentos e emoções do que ele viveu na época mas mesmo assim, Bloch continuou escrevendo de forma inteligente, sensível, cidadã, erudita e com fome de saber, de compreender e de explicar, o que é típico de um bom historiador.
O texto do Bloch, vem com uma peculiaridade: ele não terminou de ser escrito pelo seu autor. Ainda nesta edição que li, que é de 1997, o texto original é comentado pelo seu filho Étienne Bloch, que faz questão de publicar os textos originais do pai fazendo algumas indicações ao longo do texto, pois na edição de Febvre, foram suprimidas e acrescentadas algumas partes. Mas qual seria a importância desse livro para nós historiadores? Este livro, segundo Le Goff, “trata-se de um tema sério, abordado em uma situação dramática”, e, nos leva a refletir sobre método, objetos e documentação histórica que revolucionou a historiografia. Marc, merece todo o nosso respeito e reconhecimento, pois este texto é fruto de seu empenho, dedicação e erudição que não podendo contar com uma biblioteca à sua disposição retirou tudo da sua cabeça e nos deixou esta obra extremamente original e instigante.
Como não podemos começar a casa do telhado, também acho que não posso começar o texto sem antes refletir sobre o título. O título original era “Apologia da história ou como e por que trabalha um historiador” e fora traduzido como “Introdução à história”. Perceba a mudança até mesmo de sentido. Na primeira, sentimos uma potencialidade maior sobre a ciência histórica, já na segunda, e faço uso da feliz expressão de Sonia Miranda, foi um “estupro” do que Bloch queria nos dizer, perdendo esta força que nos chama a atenção para a temática. Entretanto, seguindo a idéia do título original, o que o autor pretende é fazer uma defesa da história, defendendo-a dos historiadores positivistas e de si mesma ao transcender a barreira que a separa de outras ciências. Porém, Marc Bloch não se contenta apenas em definir a história e o ofício de historiador, mas quer também assinalar o que deve ser a história e como deve trabalhar o historiador. A história poderia dialogar com as demais ciências, mas não podia se (con)fundir com elas.
Bloch, desenvolverá, ao longo do texto, reflexões importantes sobre uma determinada forma de história, contudo, ele não veio para esgotar e dar respostas diretas à indagações e problemas que os historiadores enfrentam como dilemas ao longo de sua formação e profissionalização.
Como havia dito antes, lemos apenas até o segundo capítulo do livro. Como ponto de partida, Marc Bloch toma a decisão de iniciar o seu texto com a interrogação de seu filho, possivelmente Étienne, que lhe pergunta para que serve a história. É claro que esta pergunta tem um sentido e ao respondê-la fica implícito entrelinhas a obrigação que o historiador tem de difundir e explicar seja para os doutos seja para os escolares. Ao decorrer do texto, ele responderá que a história é busca, pesquisa e, portanto, escolha, e, que o seu objeto de estudo não é o passado mas os homens no tempo. Assim, para ele, a história é a ciência do tempo e da mudança. O tempo para Bloch é o meio e a matéria concreta da história, e, oscila entre o que Fernand Braudel denominou de " longa duração" e o que Bloch chamou de "momento", tendo como mediadora, a "tomada de consciência". Enfim, o tempo da história para Bloch, é um tempo que escapa à uniformidade.
Uma questão que chama a atenção na introdução, é a expressão "legitimidade da história", que parece demonstrar que para ele o problema epistemológico da história não é apenas um problema intelectual e científico, mas também um problema cívico e moral, assim como, ele também afirma que o ensino de história é importante para os historiadores, pois a escola seria o lugar onde se forma a consciência histórica coletiva e até uma boa historiografia.
Bloch com esta visão aprofundada e alargada vai criticar os positivistas que marginalizam a história pensando que a defendem ao proporem a observação pelos fatos, pela verdade histórica, etc, fazendo com que ela, como disciplina, possa cair em descrédito e desaparecer da civilização se os historiadores não tiverem atentos. Para ele, o historiador tem que ter o homem por inteiro e tem que ter fome de homens(faz uma analogia ao bicho papão) encontrando eles nos seus testemunhos(os documentos, as fontes históricas). Contudo, depois dessa consideração, ele falará uma das virtudes da história: ela "distrai". Depois ele dirá que por gosto, o historiador, faz uma boa história e a ensina. Também ele nos dá um belo conselho, para evitarmos a retirada da parte poética de nossa ciência. Contudo, vale ressalvar que a história é um tratado científico de método e não uma filosofia ou literatura barata, e, para Bloch, para a história ser vista como ciência, ela deve propor, "uma classificação racional e uma progressiva inteligibilidade" e deve progredir não podendo parar.
É válido chamar a atenção para um problema relacionado ao tempo, em que tal concepção citada no texto, implica a renúncia ao "mito das origens", que alguns historiadores tanto se apegam, segundo a qual "as origens são um começo que se explica". Contudo, para Bloch, o passado não se justifica como origem, e ele combate isto com todas as suas forças, já que ele acredita que a história se modifica na relação no tempo presente (ele chama de atual). Temos que considerar o atual como sendo também objeto de conhecimento científico e deixar de concentrar na história uma concepção passadista. Cada época elege novos temas que falam mais de suas próprias inquietações e convicções do que de tempos grandiosos e memoráveis, é o que ele chama de “educar para a sensibilidade histórica”. Assim, ele inaugura o pensamento do método regressivo, em que o historiador compreende o presente pelo passado e os temas do presente condicionam e delimitam o retorno, possível, ao passado que não é mais "puro".
Queria destacar duas outras questões que nos chamaram a atenção. A primeira diz respeito a história como não podendo ser feita por um historiador isolado mas pela ajuda mútua. E o segundo, diz respeito à "observação histórica", que tem como uma das idéias bases, a questão dos testemunho dos documentos e o da impossibilidade de se compreender tudo do passado tendo que o historiador utilizar um conhecimento através de pistas e vestígios recorrendo a procedimentos de reconstrução deste. Bloch ressalta que os documentos só falam se forem interrogados e que a observação histórica é como a observação de vestígios, já que a história não tem como provocar um novo fenômeno e nem repeti-lo.
Para finalizar a explanação do texto, quero terminar fazendo uma lamentação, já que o último capítulo do texto de Bloch, era para ser sobre o ensino de história, contudo, antes de terminá-lo, ele foi executado de forma cruel pelos alemães. Mas deixou um indicio ao escrever que o ensino de história como de suma importância para o historiador, pois é na escola que se forma a consciência histórica coletiva e pode ser colhida uma boa historiografia. E também para ele, o ensino de história, não era só um assunto de professor, mas de cidadão já que é um tema para a definição e prática da democracia. Já que ele não terminou tal capítulo, creio que o texto de Prats, venha contribuir um pouco para pensarmos sobre a questão.
Prats, critica o ensino das ciências sociais(história e geografia) e faz uma metáfora entre o seu currículo e a “caixa de Pandora” por incluir conteúdos educativos que não têm uma reflexão sobre o que tais ciências pesquisam, e tem sido usados para doutrinar ou criar sentimentos de adesão à pátria ou a personagens históricos. Ele alerta para a questão de que nem tudo é científico, e para se qualificar como tal, devemos considerar que o conhecimento foi construído a partir da aplicação do método científico.
O autor atenta também para o problema causado ao se incorporar os conhecimentos de ciências sociais às aulas, pois normalmente, eles são apresentados como conhecimentos prontos, acabados, e em consequência os alunos não os relacionam exatamente com aquilo que é próprio de uma ciência e a disciplina é vista como sendo de memorização. Prats, crê que para que esse conhecimento tenha grandes potencialidades formativas, é indispensável que o conhecimento se apresente na escola da maneira como a ciência social que o produziu, tendo presente principalmente o método de análise histórica para dar aos alunos o domínio dos instrumentos básicos para o trabalho científico.
Assim, cabe uma pergunta: quais atividades devem estar presentes em todo o processo didático para uma aprendizagem adequada da História? Elas poderiam ser resumidas nos seguintes pontos: aprender a formular hipóteses estabelecendo problemas históricos cuja solução implique formular uma ou várias hipóteses; aprender a buscar, ordenar e classificar fontes históricas aprendendo a conhecer a sua natureza e tipo; aprender a analisar fontes decifrando a informação histórica que o documento proporciona; aprender a analisar a credibilidade das fontes observando quem fez, por que fez e como fez; e, por último, a aprendizagem da causalidade compreendendo as relações causa-efeito e a iniciação na explicação histórica.
O autor tenta apontar a utilidade do estudo da História para a formação integral (intelectual, social e afetiva) dos alunos para que a história sirva para facilitar a compreensão do presente, preparar os alunos para a vida adulta para entender os problemas sociais, situar a importância dos acontecimentos diários, usar a informação criticamente e para viver com uma consciência cidadã plena, despertar o interesse pelo passado, potencializar um sentido de identidade, enriquecer outras áreas do currículo, etc.
Também, apontará os principais objetivos do ensino de História, que são: compreender os fatos ocorridos no passado e saber situá-los em seu contexto demonstrando uma compreensão das características das distintas formações sociais e das complexidades da interrelação entre causa, consequência e mudança nos fatos históricos; compreender que na análise do passado há muitos pontos de vista diferentes devendo reconhecer que a pessoas influem nas interpretações de um problema histórico e que a história é uma ciência que explica o tempo passado, apesar da provisoriedade de suas conclusões; compreender que há formas muito diferentes de adquirir, obter e avaliar informações sobre o passado através das fontes, e, transmitir de forma organizada o que se estudou ou se obteve sobre o passado utilizando-se mais de um meio de expressão (desenhos, narrativas etc).
Prats, também dirá sobre as dificuldades de se ensinar história: sua própria natureza como ciência social por tratar-se do conhecimento de uma trama complexa, dinâmica que supõe o uso de altos níveis de pensamento abstrato e formal; impossibilidade de poder reproduzir os fatos do passado em laboratório, sendo que o passado só é dado pelas fontes que mesmo assim dão uma informação truncada e de difícil elucidação; o não consenso sobre a definição e caracterização da História como ciência social; os preconceitos que dificultam a aprendizagem da História por ser considerada uma disciplina que pode ser só memorizada, etc.
Uma questão bastante interessante que o autor traz é sobre o ensino de História requerer a introdução ao método histórico e para nós professores será mais interessante que os alunos compreendam como podemos conseguir saber o que passou e como o explicamos, do que a própria explicação de um fato que ele poderá inclusive encontrar na internet. Porém, para conhecer ou compreender um acontecimento histórico, necessitamos receber informação histórica. A informação é a base para a compreensão, e é através da compreensão é que se pode ter a explicação averiguando as causas dos fatos e as consequências derivantes deles.
Para finalizar, vale ressalvar que a causalidade é uma noção temporal e necessita ser abordada em uma aprendizagem em espiral por ser uma aprendizagem complexa em que o aluno deve identificar o por que ocorreram os fatos, identificar os diferentes tipos de fatores causais, compreender a noção de intenção e de multicausalidade elaborando teorias explicativas. Por ser complexo, o próprio autor, afirma que o domínio da causalidade está distante de ser completo nos estudantes que não são especialistas em História.
Conclui-se que ambos autores tiveram a intenção de escrever sobre a metodologia da história e o oficio do historiador. Ambos trazem a tona questões bastantes pertinentes para o que estamos discutindo na atualidade, desde a questão se história é ou não ciência até o seus métodos e técnicas. Vale ressalvar que este não é um texto que tem a intenção de esgotar com essa temática. Humildemente, fiz questão de trazer ao conhecimento algumas reflexões que foram por mim filtradas e classificadas como de suma importância para compreendermos um pouquinho do pensamento dos dois autores. Recomendo a leitura completa de ambos os textos, e tenho certeza de que da mesma forma que fui seduzido pelo enredo poético de Marc Bloch e pela didatização de Prats, os demais leitores também terão esta impressão.



Resenha "O sujeito na vila: vontade de poder e ressentimento"


Neste texto, o autor Vagner fará uma análise do que até qual ponto precisamos da verdade, ou de uma verdade para viver, analisando o filme “A vila” e alguns elementos do pensamento de Nietzsche. O autor inicia com duas passagens bíblicas no evangelho de João sobre a verdade. Depois de fazer esta pequena introdução, ele passará a falar sobre o filme que se passa numa pequena vila rural cercada por uma floresta que esconde criaturas que os moradores se referem sempre como “aqueles de que não falamos”, analisando o que a vila significava, as bases para o seu funcionamento e os seus problemas. O autor terminará o seu resumo do filme no crime cometido por um dos moradores contra outro morador que permitirá que Ivy, uma moça cega e filha de um dos anciãos, atravesse a floresta em busca de medicamentos para o morador ferido, que é o seu amado.
Na parte sobre a verdade dos anciãos e a vontade de poder e fundamentalismo, Vagner começará a falar o que é fundamentalismo, que é o comportamento e idéias radicais e extremadas que se encontram na base da realidade. Ele fala que o fundamentalismo dos anciãos é um ato de vontade de poder, conceito de Nietzsche, e de ressentimento. De imediato, ele já vai dizer que a vontade de poder é a característica expansiva da vida e depois no decorrer do texto estabelecerá algumas das características que caracterizam a vontade de poder. Voltando a questão do fundamentalismo, o autor, dirá que ele é um ressentimento com um mundo que se modificou e se modifica, e que enquanto for um esforço que paralise experiências vividas no tempo, será, um medo do porvir e das mudanças que ele trará.
A primeira das características é a imposição da vontade, já que as “grandes personalidades” não estavam preocupados com os outros ou com o futuro, mas queriam apenas imprimir no mundo sua vontade, aparência e força.
A segunda é a irracionalidade e Vagner pega uma citação de Nietzsche para dizer que a vontade do poder não atua através de cálculos nos quais se escolhe o prazer e evita a dor, isto seria uma visão muito utilitarista. Ele leva esta reflexão para o filme e afirma que os fundadores da vila não a criaram apenas para fugir da dor e do sofrimento mas para criar um mundo no qual sua vontade de poder não fosse superada. Ele conclui dizendo que não era a dor da morte que os fundadores fugiam, mas a dor da incapacidade por não enfrentarem uma realidade que os feriu e marcou.
Uma terceira característica da vontade de poder é a consciência, isto é, o assumir compromissos e responsabilidades. Os fundadores assumiam uma responsabilidade, não com o futuro ou com os jovens, mas com os outros fundadores que queriam continuar com a vila e suas regras. Vagner, vai dizer que esta pretensão é um exercício de vontade de poder e que enfim, os fundadores, são moralistas, utilitaristas e fundamentalistas.
Uma outra característica do poder, é a mentira. Mentir é criar novas realidades. Numa parte do seu texto, Vagner dirá que a vila foi uma verdade além do bem e do mal, ela foi uma obra-prima da mentira. Assim, ele tentará definir o que é verdade e o que é mentira através de Nietzsche. A verdade seria uma aceitação coletiva da mentira que se constitui a partir de uma série de relações políticas de poder que para serem mantidas como verdade sua origem deve ser esquecida e tomada como sagrada. Já as mentiras, seria os instrumentos da mentira coletiva, as palavras, para designar coisas que não são coincidentes com a designação geral. Assim, cabe-nos uma pergunta: o que preferir, a verdade ou a mentira? Lembrando que aquilo que hoje é verdade e um dia já foi mentira e mais importante do que escolher entre uma e outra, é saber, qual das duas aumenta a quantidade de poder. Nietzsche conclui dizendo que a mentira muitas vezes supera a verdade nas vontades de poder. Vagner então propõe uma questão: os fundadores da vila mentem? E ele responde: sim, eles mentem, mas a mentirá assume um papel diferente dependendo da pessoa. Porém, a mentira não é errada, não é o mal? A pergunta é ela mesma uma contradição, já que esta moral é uma mentira coletivamente aceita, e, atentar contra verdade, seria atentar contra a coletividade. O importante aqui, é que as mentiras nunca esqueçam sua origem e nem se tomem como dogmas.
O autor diz que a vila tinha uma moral (entende-se por moral como uma mentira peculiar e perigosa por ela ser uma mentira que busca a verdade e se esquece que é mentirosa) que os seus fundadores seguiam por não poderem deixar que os outros moradores soubessem da verdade sobre a vila e sobre o mundo paralelo ao da vila, e, para os mais jovens, tal moral, significava a obediência ao pacto de não atravessar a linha estabelecida entre os que “aqueles de que não falamos” e os anciãos estabeleceram. Perceba que Vagner nos incita a pensar numa moral com duplo sentido: ela favorece a vida mas também pode ser uma proteção contra o horror da verdade. Vagner também chamará atenção para o comportamento utilitarista do sr. Walker, que foi ao mesmo tempo o fundador da vila e o que rompeu com a moral da vila ao permitir que sua filha Ivy saísse da vila, que representa o ressentimento máximo, por permitir que a regra fosse quebrada se não sentenciaria a vila ao próprio fim. Enfim, a moral e a mentira que a moral representa protegeu aos que não poderiam enfrentar a terrível verdade.
Vagner também chamará a atenção para o niilismo que, segundo ele, abria duas grandes possibilidades: o ressentimento e o niilismo ativo. Para o autor, a vila seria uma vontade de poder ressentida pois não consegue afirmar a vida e passa a negá-la em todas as suas pulsões. Segundo Nietzsche, citado por Vagner, o ressentimento tem um duplo sentido: é o próprio saudosismo, isto é, saudade de uma experiência vivida, que não se pode repetir mais; e, é uma mágoa contra o acontecido, que não pode ser revivido ou desfeito. Daí, dá-se para perceber que são questões não resolvidas com o passado, que radica todo o ressentimento. Quanto ao niilismo ativo, o autor, dirá que é encarar a ausência de fundamentos e fins na existência, como a possibilidade de criação. Se nada disso existir, que o homem faça uso da mentira criativa para criar tudo.

Vagner termina o seu texto refletindo sobre o final do filme que representa uma espécie de redenção moralista onde se morre um inocente e faz uma analogia com a morte de Jesus dizendo que é o sangue derramado que fortalece a moral, que para os fundadores da vila, permiti-os reafirmarem suas vontades e que seguissem os objetivos de quando se criou ela.  

Resenha de " A Maquinaria escolar "



O autor inicia o seu texto nos provocando com a seguinte afirmação “ A universalidade e a pretendida eternidade da Escola são pouco mais do que uma ilusão”. Por que ele diz isso? Bem, ele nos provoca a pensar que a escola não é algo que sempre existiu, mas é uma construção histórica em que as pessoas tentam remeter a sua origem em um tempo remoto, assim, tal instituição se torna inquestionável por ser pensada de maneira naturalizada. Os autores pensam exatamente o contrário, a escola enquanto forma de socialização e lugar de passagem obrigatória para as crianças é uma instituição recente cujas bases contam com pouco mais do que um século de existência, ou seja, a escola nem sempre existiu.
Cabe-nos aqui uma outra pergunta: como surgiu então a escola? Os autores dizem que a maquinaria de governo, se referindo a escola, não apareceu do nada, mas, fora reunindo e instrumentalizando uma série de dispositivos que emergiram e se configuraram a partir do século XVI. Portanto, trata-se de conhecer como se montaram e aperfeiçoaram as peças que possibilitaram a constituição dessa maquinaria. A partir desse momento, os autores começaram a esboçar cinco instâncias fundamentais que, para eles, permitiram o aparecimento da chamada escola nacional: a definição de um estatuto da infância; a emergência de um espaço específico destinado à educação das crianças; o aparecimento de um corpo de especialistas da infância dotados de tecnologias específicas e de "elaborados" códigos teóricos; a destruição de outros modos de educação e a institucionalização propriamente dita da escola.
Na definição de um estatuto da infância, os autores tentam historicizar as diferentes infâncias que abarcam desde a infância angélica e nobilíssima do Príncipe, passando pela infância de qualidade dos filhos das classes distinguidas, até a infância rude das classes populares, tomando a infância como mortal, não natural e como uma instituição social recente ligada a práticas familiares, modos de educação e a classes sociais. Ressaltam que a infância no século XVI não era um conceito fechado e nem cronologicamente preciso, e os autores divergiam não só a respeito dos períodos que denominam a infância - puerícia e mocidade - mas também a respeito do momento em que convém começar a ensiná-los as letras. Segundo os autores, há três influências básicas que são decisivas na constituição progressiva da infância: a ação educativa institucional; a ação educativa da recém estreada família cristã; e, uma ação educativa difusa que está vinculada às práticas de recristíanização. Deste modo chegamos ao século XVIII, com uma infância inocente e razoável. Finalizando esta parte, os autores, citam Philippe Ariès por ele ter demonstrado que a infância, tal como hoje a percebemos, começa-se a configurar fundamentalmente a partir do século XVI, e, Ariès nos ajuda a compreender como se elabora historicamente o estatuto de infância, relacionando a constituição da infância com as classes sociais, com a emergência da família moderna, e com uma série de práticas educativas. Contudo, eles afirmam que Ariés relega a um segundo plano as táticas empregadas no recolhimento e moralização dos meninos pobres, impedindo de perceber que a constituição da infância de qualidade forma parte de um programa político de dominação. Os autores concluem que assim como a constituição da infância de qualidade aparece estreitamente vinculada à família, praticamente desde seus começos, a da infância necessitada foi em seus princípios o resultado de um programa de intervenção direta do governo.
Quanto à emergência de um espaço específico destinado à educação das crianças, os autores, afirmam que as novas instituições fechadas, destinadas ao recolhimento e a instrução dos jovens, que emergem a partir do século XVI têm em comum a funcionalidade ordenadora, regulamentadora e sobretudo transformadora do espaço para servir como maquinaria de transformação da juventude. No entanto, tais autores, já ressaltam que este espaço fechado não é homogêneo e que em virtude da maior ou menor qualidade da natureza dos educandos e reformandos irão diferir as disciplinas, flexibilizar os espaços, enfim, abrandar os destinos dos estudantes. Nesta parte também falaram da diferença abismal que existe entre os preceptores domésticos, os colégios e "as escolas de primeiras letras" destinadas aos filhos dos pobres através da política de recolhimento. Diram que tal política se assenta no adestramento para os ofícios, a moralização e fabricação de súditos virtuosos. Atentam para o fato do programa não tratar unicamente de diferenças de conteúdos e atividades, mas, também, pela dureza do enclausuramento, o rigor dos castigos, o submetimento às ordens, etc.
Na parte do aparecimento de um corpo de especialistas da infância dotados de tecnologias específicas e de "elaborados" códigos teóricos, chegaram a hipótese de que são nos colégios que se ensaiarão as formas concretas de transmissão de conhecimentos e de modelação de comportamentos que ao longo de pelo menos dois séculos suporão a aquisição de todo um acúmulo de saberes codificados resultando assim no aparecimento da pedagogia e de seus especialistas. Também falaram da influência dos jesuítas que desde o momento de sua emergência no ensino lutaram por uma modificação a respeito do clássico e arquetípico mestre exigindo a substituição dos métodos drásticos de intimidação por intervenções mais doces e individualizadoras, uma séria programação dos conteúdos e uma aplicação de métodos de ensino, etc. Enfim, eles acabam produzindo uma ruptura com relação ao professor das universidades e instituições educativas medievais cuja autoridade baseava-se fundamentalmente na posse e na transmissão de determinados saberes, enquanto que o professor jesuíta era um modelo de virtude. Este novo modelo de mestre implica que, além de possuir conhecimentos, só ele tem as chaves de uma correta interpretação da infância assim como do programa que os alunos teriam de seguir para adquirir os comportamentos e os princípios que correspondem à sua idade. Ainda citaram a Ratio studiorum, que regulamentava a ocupação do espaço e do tempo do aluno de forma tal que ele ficava passivo frente a tudo dificilmente podendo questionar a separação por seções, os freqüentes exercícios escritos, os distintos níveis de conteúdo, os prêmios, recompensas e certames aos quais se vê submetido. Também falaram dos escolápios que apresentam semelhanças formais com os jesuítas, pela adoção da Ratio studiorum com guia de sua prática educativa. Vão se diferenciar pelo fato de serem os únicos nos países que recolhem e depositam os meninos em suas casas, acompanham-nos formando filas e cantando cânticos religiosos com o fim de subtraí-los aos perigos da rua e realizam ao mesmo tempo um trabalho de apostolado com suas famílias. Os novos especialistas recebem agora uma formação controlada pelo Estado e ministrada em instituições especiais, as Escolas Normais. O objetivo primordial é que desempenhem funções de acordo com a nova sociedade em vias de industrialização, em que a posição do professor, as características institucionais da escola obrigatória, os interesses do Estado, os métodos e técnicas de transmissão do saber e o próprio saber escolar contribuam para modelar um novo tipo de indivíduo, desclassificado em parte, dividido, individualizado.
Na penúltima parte que fala da destruição de outros modos de educação, os autores, tratará da destruição e desvalorização de formas de vida diferentes e relativamente autônomas com o aparecimento dos colégios de jesuítas inaugurando uma nova forma de socialização que rompe a relação existente entre aprendizagem e formação; relação que existia tanto nos ofícios manuais como no ofício das armas e inclusive em outras ocupações liberais. Nesta parte, o autor tentará a todo momento colocar em paralelo a instituição escolar medieval que tinha uma clara dimensão política e caracterizavam-se pela mistura de idades dos estudantes, pela simultaneidade dos ensinamentos, pela quase ausência de exames, se adquiriam os conhecimentos necessários para o exercício de clérigo, enfim, era uma espécie de grêmios onde aprendizagem e formação estavam unidas, e, a dos jesuítas que estavam separados do poder político, que dá as bases para uma tutela e uma infantilização dos colegiais, o saber é propriedade pessoal do professor, enfim, o colégio converte-se num lugar no qual se ensina e se aprende um amontoado de banalidades que nada tem haver com a prática. Ele não diz qual delas é a mais viável, apenas apresenta as suas formas.
Na última parte que falará da institucionalização propriamente dita da escola, os autores, tratam-na como um dispositivo que têm por finalidade educar ao menino trabalhador a obedecer, inculcar-lhe a virtude da obediência e a submissão à autoridade e à cultura legitima, inculcar-lhes que o tempo é ouro e o trabalho disciplina e que para serem homens e mulheres de princípios e proveito, têm de renunciar a seus hábitos de classe, etc. Os autores ressaltam também que aos métodos de individualização característicos das instituições fechadas se soma a emergência no interior da escola um dispositivo fundamental: a carteira, que supõe uma distância física e simbólica entre os alunos e o grupo, e, portanto, uma vitória sobre a indisciplina. Os autores também concordam que as quatro questões anteriormente tratadas reorganizam-se, consolidam-se e adquirem novas dimensões com a institucionalização da escola. O professor aplicará, a partir do final do século XIX, às classes pobres as noções de singularidade e especificidade infantil diferente da cunhada e assimilada anteriormente pelas classes altas. O professor, ao se sentir superior às massas ignorantes, não admitirá sua forma de vida educativa, resultando assim, na incapacidade de se produzir em conseqüência uma relação de igualdade, de entendimento e reforço entre família e escola.

Para concluir, queria ressaltar que é um texto bastante instigante e informativo. Os autores tendem a todo momento dizer que a educação é uma luta política e de dominação, onde as classes mais ricas tendem a impor uma dominação disfarçada aos trabalhadores, dominando eles desde a infância, através da escola, que tinha como objetivo a transformação das crianças em futuros trabalhadores assentando-se numa desculpa velada de um pretendido direito: o direito de todos à educação. É um excelente texto mas contém alguns erros de exageros e de falta de posição frente ao tema. Mas como nada é totalmente satisfatório, creio que o texto conseguiu fazer uma boa discussão.  

Saberes indisciplinados: os conteúdos da história na escola e as aprendizagens para a vida



A escola, ou, mais precisamente, a sala de aula, foi compreendida neste texto com base no princípio anunciado logo no início: um lugar como tantos outros, de aprendizagem de saberes necessários para a vida. Porém, a complexidade que se encerra no que definimos por ‘vida’ não se encaixa na forma pela qual trabalhamos com os saberes na escola. Ou, dito de outra forma: nos saberes escolares, muitas vezes, não há espaço para a vida. Apropriando-nos das reflexões de Pineau e Le Grand sobre histórias de vida e aproximando-as de nosso objeto de discussão (a escola), perguntamo-nos: o fato de considerar a vida em sua totalidade não vai de encontro ao paradigma disciplinar que recorta essa vida em pedaços para compreendê-la?O obstáculo que se coloca para professores, formadores de professores e pesquisadores, ao assumir a escola como lugar de aprendizagem para a vida e sobre a vida, é vencer a ideia de que tal posição afasta a escola de sua função como lugar de saberes científicos, “por isso, torna-se problemática a presença semiclandestina, não apenas dessa noção, mas, sobretudo, dessas práticas indisciplinadas” (Pineau; Le Grand, 2010, p.86).

Esse desafio começa a ser enfrentado ao assumirmos dois argumentos: primeiro, que o conhecimento científico também compõe o que denominamos ‘vida’ e, desapegado da sua relação com a busca dos seres humanos por ‘aprender a viver’, torna-se estéril e sem significado para ser ensinado na escola. Em segundo lugar, é preciso assumir que, na escola mais do que em qualquer outro espaço, interagem diferentes tipos de conhecimentos que compõem a ‘vida’, e essa situação é muito salutar para o processo de aprendizagem de qualquer conhecimento científico.

Forquin considera a escola inserida em um determinado contexto cultural e social, que dialoga com as demandas desse mundo quanto aos saberes a serem trabalhados. Esse autor adverte, porém, que a escola “não pode tampouco estar completamente a reboque desta demanda, nem se regular por ela, seguindo mimeticamente todas as suas expressões, todas as suas contradições e todas as suas metamorfoses”. Estaríamos à frente de uma questão paradoxal? Como aliar o ensino de conhecimentos científicos com a aprendizagem de saberes necessários para a vida? A resposta transita por entender os problemas cotidianos como elementos propulsores de uma prática pedagógica voltada para resolução de problemas, de forma tal que as reflexões atinjam patamares diferenciados quanto ao uso do conhecimento.

A relação entre resolução de problemas e aprendizagem é postulada por diversos autores, dentre os quais destacamos Jean Piaget. Para esse autor, o sujeito frente a uma situação-problema, ou seja, uma situação que não é resolvida por meio dos conhecimentos que já possui, busca outros saberes com o intuito de ultrapassar a barreira da não possibilidade. Aliamo-nos àqueles que defendem um ensino, em qualquer área de conhecimento, pautado no espírito investigativo, porque aprender é estabelecer relações entre informações, produzindo conhecimento no intento de solucionar problemas de diferentes tipologias.

Na esteira dessa definição, entende-se que ensinar algo na escola é propor problemas, gerar demandas que precisam ser resolvidas com base em determinados saberes, com ênfase progressiva na utilização do saber científico. No decorrer de nossas vidas, dentro e fora da escola, as não possibilidades se apresentam das mais variadas formas e não podem ser agrupadas em fáceis ou difíceis. Tornar possível o que em algum momento nos é impossível é o grande desafio e força motriz na produção do conhecimento.

Compreendemos que aprender a viver em sociedade não é uma situação rotineira, tampouco trivial, e são muitos os saberes envolvidos nessa seara. Saberes que, como os demais, são ensinados e aprendidos em vários espaços sociais. A escola é um desses espaços, mas à medida que os alunos crescem, é comum na cultura escolar separar os saberes científicos, ensinados como conteúdos das disciplinas escolares, dos saberes necessários para viver em sociedade. Esses saberes extrapolam a lógica disciplinar, assim como extrapolam o espaço e o tempo escolar. Por isso a ousadia em denominá-los ‘saberes indisciplinados’.

O ensino e a aprendizagem de diferentes saberes na escola só são possíveis se nos situarmos no campo da vida, e não apenas da sobrevida. É comum estabelecermos uma relação de causa e efeito entre condição financeira e dificuldade de aprendizagem que, em sua maioria, relaciona-se com a ausência de uma postura padrão esperada para frequentar os bancos escolares. Sabemos que são muitas as variáveis a serem analisadas quando se discute a razão pela qual os alunos não aprendem e não absorvem o conteúdo.

A questão econômica, assim como o perfil familiar, não pode ser apontada como a única ou a mais importante característica a ser analisada. Ao selecionar os conteúdos da História e a metodologia a ser utilizada em sala, tem-se um recurso importante que contribui na interpretação de si e dos
outros, na compreensão de quem somos, do que podemos ser e do entendimento e valorização de nossas bagagens sociais, trazidas da convivência familiar. Acontece que, muitas vezes, ao trabalhar com conceitos de temáticas do tipo ‘quem sou eu’ e ‘família’, por exemplo, reforçamos um modelo que segrega e afasta aqueles que não se moldam ao padrão sugerido como ideal. Justificamos a não aprendizagem indicando que o aluno está fora do padrão.

Para Montoya, um dos principais problemas das crianças com dificuldade de aprendizagem é a falta de oportunidade de realizar trocas simbólicas no meio social, ou seja, exteriorizar suas impressões. Tal fato prejudica o processo de construção do conhecimento, porque sem troca, sem retorno dos outros, o sujeito não tem elementos balizadores que permitam entender a si próprio.

Todos os trabalhos realizados com a turma, desde então, finalizavam com rodas de discussões, cuja devolutiva pautava-se em três categorias: o que estava muito bom, o que precisava melhorar um pouco e o que precisava melhorar muito. Um feedback claro, positivo, aliado ao desafio de propor desafios para ampliar o cabedal de conhecimento, uma prática pedagógica essencial nos anos iniciais do Ensino Fundamental. É nesse período que as crianças constroem um conjunto de crenças sobre a sua capacidade intelectual e psicossocial, basilares para o sucesso escolar.

Sobre a formação do professor para os anos iniciais. Entendemos que a ação de tal profissional pode ser compreendida com base na imagem de um caleidoscópio: saberes com epistemologias específicas que formam desenhos diversos com o reflexo dos espelhos. Os saberes estão lá, cada um com sua cor e forma, e somente a sua diversidade gera a possibilidade do desenho. O desenho chama a atenção da criança. Para compor o desenho escolhem-se as cores e o tamanho dos espelhos. Um universo de possibilidades se compõe com algumas cores e formatos. Saber construir tal instrumento, saber compor os saberes tendo em vista os desenhos que se deseja formar é o que denominamos ‘autonomia’.


Outro fator a ser considerado no processo de formação do professor para o trabalho com crianças é ditado pela diferença entre ensinar história para saber informações sobre o passado e ensinar história para pensar historicamente o mundo. Ainda que a segunda aprendizagem possa incluir a primeira, o reverso não se faz verdadeiro, e pode-se perfeitamente transmitir conjuntos de informações sem que elas estabeleçam conexões com a forma como o sujeito compreende a sua vida e sua ação na sociedade, projetando o futuro. Para compreender a vida, o sujeito precisa fazer uma tessitura entre passado, presente e futuro. A essa capacidade cognitiva denominamos ‘pensar historicamente’.

Aprendizagem, História e currículo

Quando falamos em currículo escolar, não conseguimos entendê-lo como sendo algo construído. Assim, não vemos sua relação com a história e nem com as pessoas que o formataram. E quando percebemos isto, acreditamos que foi estabelecido pelo governo para controlar o que se ensina na sala de aula. Ao longo dos anos, a aliança entre prescrição e poder foi cuidadosamente formada, de tal maneira que o currículo se tornou um mecanismo de reprodução das relações de poder existentes na sociedade. Segundo Goodson e Stephanou, os currículos escolares são escolhas culturais, temporais, sempre variáveis e dinâmicas e usando o seu próprio termo, são sempre “tradições inventadas”, ou seja, currículos são “invenções” porque são escolhas humanas, e, por isso, demarcadas historicamente, e são “tradições” porque se transformam em estruturas de saber. Portanto, quando pensamos em currículo, estamos falando em flexibilidade e não em parâmetros fixos e universais. É muito difícil pensar em um currículo único, que seja capaz de ser aplicado de modo integral e invariável. Sempre será possível repensar temas e abordagens, bem como orientações metodológicas constituídas a partir de algo que fora antes prescrito baseadas na formulação de alguém, ou de algum grupo. Por isso, pensar e discutir currículos implica em discutir bases de saber, estruturas concebidas e fortalecidas que muitas vezes são naturalizadas.

Segundo o texto de Goodson, há dois tipos de curriculo: o prescritivo e o narrativo. O currículo como prescrição trabalha para excluir a população mais pobre. Segundo Goodson, as prescrições fornecem “regras do jogo” para a escolarização, sendo que os financiamentos e recursos estão atrelados a essas regras. Contudo, segundo este mesmo autor, há um motivo para se ter esperança, pois, enquanto as regras do jogo para o currículo e para a reprodução da sociedade estão estabelecidas, a sociedade e as regras associadas ao jogo estão sofrendo mudanças, desestabilizando a aliança entre poder e prescrição.

Sendo um “planejamento possível” da aprendizagem, o currículo prescritivo é inadequado para a ordem flexível do trabalho, para a nova sociedade globalizada pois ainda está preso à aprendizagem primária descritas por Bateson. Segundo sua análise, a aprendizagem se divide em três tipos que são vinculado mas distintos. Há a aprendizagem primária, que é a aprendizagem de conteúdos do currículo formal. A segunda aprendizagem é o que ele chama de processo subterrâneo do aprender a aprender já que ela depende do campo no qual os alunos deverão viver suas vidas. Por fim, a aprendizagem terciária é, segundo o autor, romper com as prescrições predeterminadas do currículo, a voltar-se para o seu próprio currículo. Enfim,o currículo prescritivo está condenado e irá requerer uma substituição rápida por novas formas de organização da aprendizagem tais como as narrativas de aprendizagem. Em suma, trata-se da mudança de um currículo de aprendizagem primária e de um currículo prescritivo para uma aprendizagem terciária e currículo narrativo, e, tal passagem, poderia transformar as escolas e fazê-las ajudar a mudar o futuro social de seus alunos.

Já o currículo narrativo é um tipo de aprendizagem que se desenvolve na elaboração e na manutenção continuada de uma narrativa de vida ou de identidade. Tomar a realidade do aluno como ponto de referência, não significa restringir o programa de História a essa realidade. Nesse sentido, é preciso construir um paralelo entre aquilo que o indivíduo não conhece e aquilo que é compreensível para ele, tal como a sua vida e o contexto histórico no qual ele se insere e que é pautado por forte presença dos aspectos culturais e materiais do mundo sobre o lugar de vivência. Esse tipo de aprendizagem é de suma importância para entender a forma como as pessoas aprendem ao longo da vida e temos como exemplo o projeto “Learning Lives”. Este tipo de currículo enganja as pessoas nele e ao ver a aprendizagem como algo ligado à história de vida, entende-se que ela está situada em um contexto, e que também tem uma história.

Uma passagem do currículo de história de Juiz de fora que me chamou a atenção foi quando aparece que não se pretende elaborar uma proposta curricular fechada, em torno de conteúdos específicos do tratamento da História, mas em eixos de questões necessárias à formação do estudante ao longo de sua vida escolar. Isso, me fez retornar ao texto de Goodson, que diz que por caminhos distintos, os diversos currículos e práticas pedagógicas tentam ampliar o campo da história ensinada, incorporando temas, problemas, fontes e materiais. No entanto, Bauman diz que mais do que escrever novas prescrições para as escolas, ou um novo currículo ou novas diretrizes para as reformas, as pessoas precisam questionar a verdadeira validade das prescrições predeterminadas.

As disciplinas escolares que compõem o currículo, e eu destaco aqui a história, não são definidas de uma forma desinteressada, mas sim em uma relação estreita com o poder e com os interesses de grupos sociais. Quanto mais poderoso é o grupo social, mais provável que ele vá exercer poder sobre o conhecimento escolar. Sendo um mecanismo de inclusão social, elas não servem para a elite, e assim, tornaram-se “aceitas” e funcionam como mecanismos excludentes. E a história, como fica nesse processo já que ela é uma disciplina que forma, emancipa e liberta o homem? Os programas escolares exigem que o ensino da história desenvolva nos alunos a autonomia intelectual, o pensamento crítico, a formação da consciência histórica dos homens e que possibilite a construção de identidades. Entretanto, tanto a produção quanto a difusão do conhecimento histórico, contém limites, possibilidades, isto é, são recortes historicamente construidos, já que a história nunca é totalizante. E tendo a história um grande papel social, é vítima de uma guerra de narrativas em disputa pelo mundo todo para a manutenção de uma determinada tradição, já que a história é a única disciplina escolar que recebe intervenções diretas do governo. Isso demonstra o quão importante é ela para o poder.

Como a história é vista? Para Stephanou, em geral, prevalece a visão de que o conhecimento histórico diz respeito somente ao passado e que tal passado é passível de ser recuperado já que os fatos históricos são indiscutíveis. Esta forma de raciocínio encontra-se fundamentada pelos referenciais do positivismo, do historicismo, do eurocentrismo e numa linearidade, organizada a partir dos fatos políticos numa progressão cronológica que seguia a divisão quadripartite: Idade Antiga, Média, Moderna e Contemporânea. Enfim, tratava-se de uma história que tinha como fundamento a idéia de progresso como algo global, positivo e inevitável, ou seja, a história, tinha um início, um meio e um fim determinado. Como diz Leville, seria uma guerra de narrativas, onde quem detêm o poder reduz e fecha o currículo da história para moldar a consciência e o comportamento das pessoas. Vale ressalvar que neste tipo de história se excluem sujeitos, ações e lutas sociais, ressaltando que só tem importância as grandes personalidades e heróis, o que introjeta no povo a idéia de que eles não fazem história. E que seguindo essa perspectiva, Stephanou, afirma que o ensino de história virou memorização, repetição, e carrega uma idéia de saber pronto, acabado, que é transmitido através da exposição oral, textos, questionários, decoreba, livros didáticos.

Num segundo momento, temos a história cultural, das mentalidades, que tenta dar voz aos excluídos. Além de mudar o foco do protagonista, também são aceitas outras fontes além das escritas. A história não tem um início, um meio ou um fim determinado, mas apresenta-se como um campo de possibilidades, concebendo as pessoas comuns como sujeitos que produzem história. Logo são sujeitos históricos que atuam, transformam, lutam e resistem. Esta concepção de ensino e aprendizagem facilita a revisão de conceito de cidadania já que ela possui um caráter humano e construtivo, em condições concretas de existência. A função social do ensino da história, segundo Laville, é formar indivíduos autônomos e críticos e levá-los a desenvolver as capacidades intelectuais e afetivas adequadas, fazendo com que trabalhem com conteúdos históricos abertos e variados, e não com conteúdos fechados e determinados como ainda são com frequência as narrativas que provocam disputas. Senão, essas guerras de narrativas desencadeadas em todo o mundo vão acabar gerando somente perdedores, tanto no que diz respeito à identidade nacional quanto em relação à vida democrática. Assim, a escola e a história tentam se constituírem como espaços de construção de saberes e práticas, re-construindo a passagem de libertação do homem: de súdito à cidadão. Somente o ensino de história comprometido com a análise crítica da diversidade da experiência humana, pode contribuir para a luta, permanente e fundamental, da sociedade.

Laville, diz que muitas vezes nos debates o que aparece é a falta de conteúdo e não os objetivos de formação do conhecimento histórico. Entretanto, o que devemos ensinar em História? Poderíamos dizer que são os conteúdos e fatos históricos específicos, no entanto isto traz um problema sério no que diz respeito à uma história única, o que não é aconselhável, sendo que a História ensinada aos estudantes não é a mesma História que se produz na Universidade. Então o que selecionar para ser trabalhado com os alunos como conteúdo histórico essencial e o que eliminar? Em que reside o caráter formativo da História? A História é divergência de pontos de vista, pesquisa, diálogo com as fontes e não mera descrição do que foi informado como se aquilo correspondesse à verdade. Nenhum tema possui, em si, uma carga maior ou menor de historicidade; é a relação que tem entre o professor com ele que pode ou não fazer dele um tema histórico.

Cabe aqui outra pergunta: como o currículo organiza a História como disciplina escolar do ponto de vista programático? Através da seleção de um programa com visão europeia e, vinculada a ela, a História Brasileira a partir da colonização até os dias de hoje. Isso provoca a construção de programas enormes, muitas vezes impossíveis de serem cumpridos. Há ainda outros problema que é o da vinculação dos Programas de História à uma história totalizante, de toda a humanidade, e, a ideia de que História é, exclusivamente, passado narrado em função de marcos europeus. No currículo de história de Juiz de Fora vemos que os seus elaboradores tem uma preocupação com o deslocamento da reflexão em torno dos conteúdos históricos para um olhar relativo aos procedimentos históricos que envolvem as habilidades cognitivas, pois em relação à matéria histórica, consideram que não é a atitude de saber ou não todos os fatos estabelecidos segundo uma ordem cronológica que garante aos estudantes uma condição de saber História.

Queria destacar as funções e eixos metodológicos da história enquanto disciplina elencados no Currículo de Juiz de Fora: educar para a compreensão de história/conhecimento, educar para a compreensão da temporalidade e educar para a compreensão da memória.

No primeiro- educar para a compreensão de história- os alunos devem entender que a história não é uma explicação única e que ela é um procedimento de investigação, uma atitude de problematização daquilo que está no mundo na relação com fontes de conhecimento. Enfim, educar para a compreensão da História é educar para a compreensão de como o conhecimento histórico se opera com o objetivo de compreender continuidades e descontinuidades, mudanças e transformações na vida das diferentes sociedades humanas. Esse tempo não é mais pensado somente a partir de um recorte cronológico totalizante, mas entendido como uma construção social e, por isso, seletiva e variável. No entanto a história não lida com a mentira, mas com pontos de vista. Isso acontece porque como o conhecimento histórico baseia-se no uso e diálogo com fontes, essas, como construções culturais e datadas, expressarão sempre a voz de quem as produziu. Nesse sentido, destaca-se a importância de se contrapor os diversos discursos encontrados nas fontes históricas para que outras vozes e outros pontos de vista possam emergir desse exercício. Esse entendimento move, na essência, o território de trabalho do historiador que busca, na dinâmica entre historiografia, teoria e pesquisa documental, as bases para uma contínua reescrita da História. Contudo, a função da escola não é formar crianças e jovens no ofício do historiador, mas há aspectos desse ofício que fazem toda a diferença na formação para a compreensão de como o conhecimento ocorre e se transforma. Por isso é importante que o professor trabalhe com diversas fontes (jornais, revistas, filmes, imagens) pois todas elas representam um ponto de vista e uma intencionalidade fazendo com que o aluno possua filtros culturais de leitura crítica do mundo se tornando um cidadão ativo.

Os alunos tem que desenvolverem uma série de habilidades, em toda escolarização básica, que são fundamentais para a compreensão histórica e para o desenvolvimento da capacidade de pensar historicamente, como: o estabelecimento da relação temporal e da compreensão da mudança; a condição de interpretação do passado; a construção de inferências a partir das fontes.

Vale ressaltar que não há uma única versão sobre o passado e este é, a cada momento, reconstruido de acordo com as necessidades e demandas do presente através da imaginação. Também vale a pena considerar que o trabalho com fontes está intrinsecamente ligado à questão do conhecimento histórico. Sendo assim, como uma criança pode inferir sobre as fontes? Cooper afirma que a partir do contato com as fontes as crianças são conduzidas à observação, à elaboração de perguntas, à crítica e à argumentação. A utilização de diferentes fontes promove, por diferentes razões, o desenvolvimento progressivo e complexo do raciocínio comparativo.

O trabalho com as fontes é central na tarefa de educar para a compreensão da História. Para tanto, o professor pode trabalhar com documentos que devem ser lidos e interpretados pelos estudantes com o intuito de pensar a autoria e o tempo do documento, comparar documentos diferentes, de autorias distintas. Temos, por exemplo, os jornais podem se converter em importantes fontes na construção da compreensão acerca de como notícias são produzidas, como fatos são eleitos em meio a uma vasta diversidade de alternativas, e como posições diferentes se manifestam em jornais diferentes. Este recurso permite também que se problematize a ideia de verdade absoluta mostrando aos estudantes que é possível encontrar diferentes visões ou interpretações de um mesmo fato. Temos, o texto literário que proporciona a representação de um mundo vivenciado ou mesmo idealizado pelo seu autor e permite evocar aspectos da cultura e a mentalidade de uma época. Também o estudo do meio, como fonte, como fizemos no passeio aqui no São Pedro ou no Milho Branco, desempenha um papel fundamental na condição de se experimentar marcas do tempo materializadas no espaço ao trazer várias camadas de tempo. O professor também pode usar fotografias e filmes já que são fontes de informações para a reconstituição do passado e que apresenta uma escolha feita num dado instante e o representam, enfim, são construções e não dogmas. Uma fonte permite sempre a identificação do sujeito que fala, para quem fala e com que intencionalidade. Entretanto, esses movimentos são formas de compreender o passado e só geram sentidos formativos ao se tornarem permanentes e estruturantes do trabalho escolar.

O segundo eixo que é o de educar para a compreensão da temporalidade, muitas vezes, o tempo é apresentado para a criança sem que essa apresentação se converta em uma aprendizagem significativa. Como uma construção cultural, histórica e variável, o tempo nem sempre nos é ensinado na relação com sua vasta complexidade. Qual é a melhor maneira, porém, de iniciar o desenvolvimento de habilidades para a compreensão do tempo? Conforme destaca Lana Siman e Stephanou, a compreensão da temporalidade histórica depende de se considerar suas relações com o tempo vivido. Dessa forma, as mudanças temporais, associadas às histórias de vida da própria criança ou de seus familiares, são excelentes pontos de partida para explorar o passado, pois este passa a assumir sentido quando vinculado à experiência direta dos alunos.

A sucessão, simultaneidade e duração, que são categorias temporais centrais à compreensão e interpretação históricas, encontram-se diretamente ligadas à nossa condição de existir, e, a construção da noção do tempo se dá, no processo de escolarização, na relação com dimensões distintas, vinculadas ao tempo físico - capacidade de fazer a criança pensar e transpor raciocínios de uma situação a outra - e ao tempo histórico, ou social -capacidade da criança de analisar os contextos de época, onde ela é capaz de perceber que seu tempo é diferente dos demais tempos. Vale ressalvar que o desenvolvimento da perspectiva temporal relacionada à duração, em geral, relaciona-se ao pensamento matemático e que a noção de tempo nos coloca diante de uma aprendizagem processual e complexa que não se restringem a um nível de escolarização. As datas, por exemplo, são escolhas historicamente eleitas de algo destacado para ser lembrado, isto é, são seleções em meio a um mar de exclusões e, portanto, uma escolha que nos remete a uma circunstância dada de poder. Entretanto, o reforço das datas desconsidera a maneira como a noção de história é afetada e a história se torna um passado representado temporalmente por uma seta na qual são penduradas certas datas consideradas marcantes. Cabe, ao professor, no ato de trabalhar a data, engendrar não um discurso de afirmação do herói, mas de consciência do significado de uma comemoração que se transformou em marco nacional para ser relembrado. Portanto, devemos ter o educar para a compreensão do tempo como tarefa fundamental.

O último eixo - educar para a compreensão da memória – diz respeito à memória, que se constitui como essencial para a aquisição da consciência da passagem do tempo e da construção de sentido para o sujeito. A memória é uma ilha de lembrança num mar de esquecimento em que o sujeito seleciona o que lembrar e o que quer esquecer. Tais estratégias da Memória são opções de formação de identidade, a partir das quais o sujeito se reconhece e dá sentido ao mundo e ao lugar que nele ocupa. Vale lembrar que o sentido de identidade não é algo natural, mas construído pelos sujeitos no tempo.

Segundo Stephanou, os alunos carregam consigo, por suas experiências, conhecimento social e histórico, assim, antes de supor que os estudantes nada sabem, valeria a pena procurar conhecer seus conhecimentos prévios. E na escola, a Memória familiar de cada estudante pode servir como instrumento de reflexão acerca dos significados atribuídos a ela e da passagem do tempo. O que, aparentemente, teria um sentido apenas individual pode, na comparação com lembranças de outros estudantes, ganhar um significado mais amplo, revelando pontos comuns a uma mesma geração e, ao mesmo tempo, singularidades. É importante destacar que os objetos, com o passar do tempo, assumem diferentes significações e utilidades.


Para concluir, vale destacar algumas coisas que foram ditas ao longo deste texto. Em primeiro, os currículos e disciplinas são construídos, não são fechados, prescritivos e imóveis e existem currículos que procuram rompem com a linearidade cronológica ou com a perspectiva de transmissão, porém, em pequeno número de situações. Em segundo lugar chamar atenção para o caráter formador do cidadão. Temos que perguntar qual é o “cidadão” que queremos formar, se é o súdito ou o cidadão. Para formamos cidadão críticos, precisamos levar os alunos a perceberem o impercebível, desnaturalizar aquilo que já lhe tornou familiar. Os alunos que tem um bom filtro não serão facilmente manipulados. Portanto, o papel do professor é o de educar para o conhecimento, educar para a compreensão da temporalidade e educar para a compreensão da memória. Ambos são construções e que devem passar por um longo período de escolarização. Os alunos tem que saber lidar com questões de mudanças, permanências, simultaneidades, enfim, com questões temporais que são bastante complexas e que não podem serem trabalhadas uma só vez. Os alunos também tem que saber que não existe verdade absoluta, e aí entra o trabalho com as fontes. Através delas, podemos trabalhar a época em que foram produzidas, o contexto, a autoria, enfim, temos uma gama de questões que podem engajar os estudantes no campo histórico. Vale contudo relembrar que nós como professores não estamos na sala de aula para formarmos historiadores, estamos lá para garantir que eles saíram com um certo letramento em história tendo a habilidade de compreender, refletir, comparar, diferenciar e analisar as formas de conhecimento que são arbitrariamente constituídas.