De acordo com Luigi Biondi, a palavra anarquismo, de origem grega, é a junção da palavra archon (governante, soberano) e o prefixo an (que quer dizer sem) que significa, portanto, viver sem um governante, sem uma autoridade. Assim, anarquismo é o nome que se dá a uma “teoria” que prega uma sociedade sem governo, na qual se vive em harmonia, não por submissão à lei, mas por acordos livres estabelecidos. Normalmente, de acordo com Biondi, a palavra é confundida como sendo sinônimo de caos e o anarquista é tido como um homem sem princípios capaz de tudo. Vale ressalvar que dentre os anarquistas houve pessoas que acabaram realizando atos de violência, mas normalmente como uma reação ou uma forma de protesto, e nunca como um fim por si mesma. Para Malatesta, e eu concordo com ele, a anarquia não é confusão, e ser anarquista não é ser bagunceiro, baderneiro. Para ele, anarquia significa sem poder e anarquismo é o movimento que luta por uma sociedade em que ninguém tenha poder sobre ninguém. Portanto, é preciso, para uma melhor compreensão das ideias e atitudes que caracterizam o anarquismo, se livrar destas conotações pejorativas que o termo acabou por incorporar, pois na sua grande maioria, os anarquistas eram pessoas de princípio e que apesar das variações que existem dentro da própria concepção de anarquia, concordavam sobretudo na crença de que o Estado é ao mesmo tempo perigoso e desnecessário.
Os anarquistas também são conhecidos como àcratas ou libertários, e segundo Malatesta, o anarquismo em suas origens, aspirações e em seus métodos de luta, não está necessariamente ligado a qualquer sistema filosófico. Ele nasceu da revolta moral contra as injustiças sociais quando os homens se convenceram de que boa parte do sofrimento humano não era consequência inevitável das leis naturais, mas que derivava de realidades sociais dependentes da vontade humana e que podiam ser eliminados pelo esforço humano, abrindo-se então o caminho que deveria conduzir ao anarquismo. Enfim, a anarquia, de acordo com tal autor, é uma forma de vida social em que os homens vivem como irmãos, sem que nenhum possa oprimir e explorar os demais, e em que todos os meios para se chegar ao máximo desenvolvimento moral e material estejam disponíveis para todos, e o anarquismo é o método para realizar a anarquia.
Apesar de não estar obrigatoriamente ligado a um sistema filosófico, concordo com Woodcock, que nos afirma ser necessário entender o anarquismo como um movimento bem definido de filosofia social que em determinados momentos passa à ação. É um movimento de ação porque as idéias anarquistas são colocadas no momento em que a revolução acontece. Os anarquistas são teóricos da sua prática e práticos da sua teoria. Em outras palavras, de acordo com tal autor, é em função do agir sobre a realidade que qualquer teoria social se vai elaborando, enriquecendo e se auto-corrigindo. Cada sucesso ou fracasso, impõe uma reavaliação do nosso pensar. Esta relação primordial entre teoria e prática, sempre existiu no movimento anarquista e eles não querem cristalizar o anarquismo em dogmas e nem impô-lo pela força. Para Malatesta, o anarquismo será o que puder ser e se desenvolverá na medida que os homens e as instituições tornem-se mais favoráveis à liberdade.
Tentarei esquematizar agora os fundamentos da teoria e do movimento anarquista, que são:
a) Antiestatalismo: abolição de todo tipo de Estado, considerado como a coluna da exploração capitalista e de todas as desigualdades. Os anarquistas não querem servos e nem senhor, isto é, não aceitam que ninguém tenha poder sobre eles e nem querem ter poder sobre ninguém.
b) Revolução: só se terá a sociedade comunista anárquica através das revoluções;
c) Ação Direta: é a preparação da revolução final que abolirá o Estado e a propriedade através de
insurreições, motins e greves gerais contra a exploração capitalista, contra o Estado e suas autoridades, e contra o poder da Igreja, enfim, é um movimento de ação direta porque as idéias anarquistas são postas no momento em que a revolução acontece.
d) Anti-parlamentarismo: pregando a revolução e a ação direta, e sendo contrários a todo tipo de hierarquia e ao Estado, os anarquistas são também contrários à formação de partidos que participem de eleições. Nunca poderá existir um partido anarquista;
e) Liberdade Individual e cooperação: os indivíduos livres são a realidade primeira e final da sociedade. Todo homem tem que ser livre e, portanto, prega-se a abolição de todo tipo de hierarquia na sociedade e a observação de um comportamento pelo qual os únicos limites da ação de cada um são a consideração em relação ao respeito da individualidade dos outros: a solidariedade entre indivíduos iguais. Em outras palavras, o único limite à liberdade de cada um deveria ser a liberdade do outro. O homem não é naturalmente bom, mas naturalmente sociável, e são as instituições autoritárias que desviam e atrofiam suas inclinações para a cooperação.
f) Igualdade: a igualdade é um meio para a liberdade. Não tem sentido igualdade sem liberdade. Mas a liberdade de fato só seria possível com a igualdade de fato.
g) Internacionalista: não aceita fronteiras, nem nações, da mesma forma que não aceita o Estado.
h) Anti-discriminação: é contra qualquer tipo de discriminação. O respeito às opções individuais é uma conclusão lógica do respeito à liberdade de cada indivíduo.
i) Autogestionário: como não aceita o poder de uma pessoa sobre a outra, não aceita a existência de chefes, nem de patrões, nem de burocratas, mas de um trabalho livremente coordenado. Segundo Woodcock, os anarquistas não rejeitam a organização, mas nenhum deles procura dar-lhe uma continuidade artificial. Na verdade, as ideias básicas do anarquismo, com sua ênfase na liberdade e na espontaneidade, excluem a possibilidade de uma organização rígida.
Vale ressaltar que todos os anarquistas contestam a autoridade e muitos lutam contra ela, mas que isso não significa que todos aqueles que contestam a autoridade e lutam contra ela devam ser considerados anarquistas. Segundo Woodcock, o anarquismo é a doutrina que propõe uma crítica à sociedade vigente; uma visão da sociedade ideal do futuro e os meios de passar de uma para a outra. E assim, a simples revolta irracional não faz de ninguém um anarquista, nem a rejeição do poder terreno com bases filosóficas ou religiosas.Vale também lembrar que o anarquismo também não combate esta ou aquela forma de Estado, mas o Estado em si, tanto o monarquista quanto o republicano, e que não se põe contra a sociedade por saber que o indivíduo não pode viver fora dela, porém enxerga que para um melhor funcionamento da sociedade é preciso a abolição do Estado. Ao invés da incursão na guerra de todos contra todos (o homem é o lobo do homem) de Hobbes, a sociedade sem governo sugere aos anarquistas a possibilidade de relações humanas criativas e pacíficas. Aqui, vale a pena citar Proudhon que resumiu a posição anarquista em seu famoso slogan “Anarquia é Ordem”, ou seja, se um homem busca justiça na igualdade, então a sociedade busca ordem na anarquia pois o governo não é necessário para a preservação da ordem.
Para concluir, vale lembrar que os anarquistas podem estar de acordo quanto aos seus objetivos básicos, mas, segundo Woodcock, demonstram ter profundas divergências quanto às táticas necessárias para atingir esses objetivos, especialmente no que se refere à violência. E percebemos isto nos movimentos de julho de 2013 que ocorreram no Brasil. Alguns não admitiam a violência em quaisquer circunstâncias, e outros a aceitavam embora com certa relutância. Enfim, o anarquismo é a um só tempo diversificado e inconstante. Como doutrina,e concordo novamente com o autor, o anarquismo muda constantemente, como movimento, cresce e se desintegra, em permanente flutuação, mas jamais se acaba. Assim, para Woodcock, a anarquia instaurar-se-á pouco a pouco, para se intensificar e se ampliar cada vez mais. E não se trata, portanto, de chegar à anarquia hoje ou amanhã, mas caminhar rumo à anarquia hoje, amanhã e sempre.
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