quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Resenha de " A Maquinaria escolar "



O autor inicia o seu texto nos provocando com a seguinte afirmação “ A universalidade e a pretendida eternidade da Escola são pouco mais do que uma ilusão”. Por que ele diz isso? Bem, ele nos provoca a pensar que a escola não é algo que sempre existiu, mas é uma construção histórica em que as pessoas tentam remeter a sua origem em um tempo remoto, assim, tal instituição se torna inquestionável por ser pensada de maneira naturalizada. Os autores pensam exatamente o contrário, a escola enquanto forma de socialização e lugar de passagem obrigatória para as crianças é uma instituição recente cujas bases contam com pouco mais do que um século de existência, ou seja, a escola nem sempre existiu.
Cabe-nos aqui uma outra pergunta: como surgiu então a escola? Os autores dizem que a maquinaria de governo, se referindo a escola, não apareceu do nada, mas, fora reunindo e instrumentalizando uma série de dispositivos que emergiram e se configuraram a partir do século XVI. Portanto, trata-se de conhecer como se montaram e aperfeiçoaram as peças que possibilitaram a constituição dessa maquinaria. A partir desse momento, os autores começaram a esboçar cinco instâncias fundamentais que, para eles, permitiram o aparecimento da chamada escola nacional: a definição de um estatuto da infância; a emergência de um espaço específico destinado à educação das crianças; o aparecimento de um corpo de especialistas da infância dotados de tecnologias específicas e de "elaborados" códigos teóricos; a destruição de outros modos de educação e a institucionalização propriamente dita da escola.
Na definição de um estatuto da infância, os autores tentam historicizar as diferentes infâncias que abarcam desde a infância angélica e nobilíssima do Príncipe, passando pela infância de qualidade dos filhos das classes distinguidas, até a infância rude das classes populares, tomando a infância como mortal, não natural e como uma instituição social recente ligada a práticas familiares, modos de educação e a classes sociais. Ressaltam que a infância no século XVI não era um conceito fechado e nem cronologicamente preciso, e os autores divergiam não só a respeito dos períodos que denominam a infância - puerícia e mocidade - mas também a respeito do momento em que convém começar a ensiná-los as letras. Segundo os autores, há três influências básicas que são decisivas na constituição progressiva da infância: a ação educativa institucional; a ação educativa da recém estreada família cristã; e, uma ação educativa difusa que está vinculada às práticas de recristíanização. Deste modo chegamos ao século XVIII, com uma infância inocente e razoável. Finalizando esta parte, os autores, citam Philippe Ariès por ele ter demonstrado que a infância, tal como hoje a percebemos, começa-se a configurar fundamentalmente a partir do século XVI, e, Ariès nos ajuda a compreender como se elabora historicamente o estatuto de infância, relacionando a constituição da infância com as classes sociais, com a emergência da família moderna, e com uma série de práticas educativas. Contudo, eles afirmam que Ariés relega a um segundo plano as táticas empregadas no recolhimento e moralização dos meninos pobres, impedindo de perceber que a constituição da infância de qualidade forma parte de um programa político de dominação. Os autores concluem que assim como a constituição da infância de qualidade aparece estreitamente vinculada à família, praticamente desde seus começos, a da infância necessitada foi em seus princípios o resultado de um programa de intervenção direta do governo.
Quanto à emergência de um espaço específico destinado à educação das crianças, os autores, afirmam que as novas instituições fechadas, destinadas ao recolhimento e a instrução dos jovens, que emergem a partir do século XVI têm em comum a funcionalidade ordenadora, regulamentadora e sobretudo transformadora do espaço para servir como maquinaria de transformação da juventude. No entanto, tais autores, já ressaltam que este espaço fechado não é homogêneo e que em virtude da maior ou menor qualidade da natureza dos educandos e reformandos irão diferir as disciplinas, flexibilizar os espaços, enfim, abrandar os destinos dos estudantes. Nesta parte também falaram da diferença abismal que existe entre os preceptores domésticos, os colégios e "as escolas de primeiras letras" destinadas aos filhos dos pobres através da política de recolhimento. Diram que tal política se assenta no adestramento para os ofícios, a moralização e fabricação de súditos virtuosos. Atentam para o fato do programa não tratar unicamente de diferenças de conteúdos e atividades, mas, também, pela dureza do enclausuramento, o rigor dos castigos, o submetimento às ordens, etc.
Na parte do aparecimento de um corpo de especialistas da infância dotados de tecnologias específicas e de "elaborados" códigos teóricos, chegaram a hipótese de que são nos colégios que se ensaiarão as formas concretas de transmissão de conhecimentos e de modelação de comportamentos que ao longo de pelo menos dois séculos suporão a aquisição de todo um acúmulo de saberes codificados resultando assim no aparecimento da pedagogia e de seus especialistas. Também falaram da influência dos jesuítas que desde o momento de sua emergência no ensino lutaram por uma modificação a respeito do clássico e arquetípico mestre exigindo a substituição dos métodos drásticos de intimidação por intervenções mais doces e individualizadoras, uma séria programação dos conteúdos e uma aplicação de métodos de ensino, etc. Enfim, eles acabam produzindo uma ruptura com relação ao professor das universidades e instituições educativas medievais cuja autoridade baseava-se fundamentalmente na posse e na transmissão de determinados saberes, enquanto que o professor jesuíta era um modelo de virtude. Este novo modelo de mestre implica que, além de possuir conhecimentos, só ele tem as chaves de uma correta interpretação da infância assim como do programa que os alunos teriam de seguir para adquirir os comportamentos e os princípios que correspondem à sua idade. Ainda citaram a Ratio studiorum, que regulamentava a ocupação do espaço e do tempo do aluno de forma tal que ele ficava passivo frente a tudo dificilmente podendo questionar a separação por seções, os freqüentes exercícios escritos, os distintos níveis de conteúdo, os prêmios, recompensas e certames aos quais se vê submetido. Também falaram dos escolápios que apresentam semelhanças formais com os jesuítas, pela adoção da Ratio studiorum com guia de sua prática educativa. Vão se diferenciar pelo fato de serem os únicos nos países que recolhem e depositam os meninos em suas casas, acompanham-nos formando filas e cantando cânticos religiosos com o fim de subtraí-los aos perigos da rua e realizam ao mesmo tempo um trabalho de apostolado com suas famílias. Os novos especialistas recebem agora uma formação controlada pelo Estado e ministrada em instituições especiais, as Escolas Normais. O objetivo primordial é que desempenhem funções de acordo com a nova sociedade em vias de industrialização, em que a posição do professor, as características institucionais da escola obrigatória, os interesses do Estado, os métodos e técnicas de transmissão do saber e o próprio saber escolar contribuam para modelar um novo tipo de indivíduo, desclassificado em parte, dividido, individualizado.
Na penúltima parte que fala da destruição de outros modos de educação, os autores, tratará da destruição e desvalorização de formas de vida diferentes e relativamente autônomas com o aparecimento dos colégios de jesuítas inaugurando uma nova forma de socialização que rompe a relação existente entre aprendizagem e formação; relação que existia tanto nos ofícios manuais como no ofício das armas e inclusive em outras ocupações liberais. Nesta parte, o autor tentará a todo momento colocar em paralelo a instituição escolar medieval que tinha uma clara dimensão política e caracterizavam-se pela mistura de idades dos estudantes, pela simultaneidade dos ensinamentos, pela quase ausência de exames, se adquiriam os conhecimentos necessários para o exercício de clérigo, enfim, era uma espécie de grêmios onde aprendizagem e formação estavam unidas, e, a dos jesuítas que estavam separados do poder político, que dá as bases para uma tutela e uma infantilização dos colegiais, o saber é propriedade pessoal do professor, enfim, o colégio converte-se num lugar no qual se ensina e se aprende um amontoado de banalidades que nada tem haver com a prática. Ele não diz qual delas é a mais viável, apenas apresenta as suas formas.
Na última parte que falará da institucionalização propriamente dita da escola, os autores, tratam-na como um dispositivo que têm por finalidade educar ao menino trabalhador a obedecer, inculcar-lhe a virtude da obediência e a submissão à autoridade e à cultura legitima, inculcar-lhes que o tempo é ouro e o trabalho disciplina e que para serem homens e mulheres de princípios e proveito, têm de renunciar a seus hábitos de classe, etc. Os autores ressaltam também que aos métodos de individualização característicos das instituições fechadas se soma a emergência no interior da escola um dispositivo fundamental: a carteira, que supõe uma distância física e simbólica entre os alunos e o grupo, e, portanto, uma vitória sobre a indisciplina. Os autores também concordam que as quatro questões anteriormente tratadas reorganizam-se, consolidam-se e adquirem novas dimensões com a institucionalização da escola. O professor aplicará, a partir do final do século XIX, às classes pobres as noções de singularidade e especificidade infantil diferente da cunhada e assimilada anteriormente pelas classes altas. O professor, ao se sentir superior às massas ignorantes, não admitirá sua forma de vida educativa, resultando assim, na incapacidade de se produzir em conseqüência uma relação de igualdade, de entendimento e reforço entre família e escola.

Para concluir, queria ressaltar que é um texto bastante instigante e informativo. Os autores tendem a todo momento dizer que a educação é uma luta política e de dominação, onde as classes mais ricas tendem a impor uma dominação disfarçada aos trabalhadores, dominando eles desde a infância, através da escola, que tinha como objetivo a transformação das crianças em futuros trabalhadores assentando-se numa desculpa velada de um pretendido direito: o direito de todos à educação. É um excelente texto mas contém alguns erros de exageros e de falta de posição frente ao tema. Mas como nada é totalmente satisfatório, creio que o texto conseguiu fazer uma boa discussão.  

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