Segundo o texto de Goodson, há dois tipos de curriculo: o
prescritivo e o narrativo. O currículo como prescrição trabalha
para excluir a população mais pobre. Segundo Goodson, as
prescrições fornecem “regras do jogo” para a escolarização,
sendo que os financiamentos e recursos estão atrelados a essas
regras. Contudo, segundo este mesmo autor, há um motivo para se ter
esperança, pois, enquanto as regras do jogo para o currículo e para
a reprodução da sociedade estão estabelecidas, a sociedade e as
regras associadas ao jogo estão sofrendo mudanças, desestabilizando
a aliança entre poder e prescrição.
Sendo um “planejamento possível” da aprendizagem, o currículo
prescritivo é inadequado para a ordem flexível do trabalho, para a
nova sociedade globalizada pois ainda está preso à aprendizagem
primária descritas por Bateson. Segundo sua análise, a aprendizagem
se divide em três tipos que são vinculado mas distintos. Há a
aprendizagem primária, que é a aprendizagem de conteúdos do
currículo formal. A segunda aprendizagem é o que ele chama de
processo subterrâneo do aprender a aprender já que ela depende
do campo no qual os alunos deverão viver suas vidas. Por fim, a
aprendizagem terciária é, segundo o autor, romper com as
prescrições predeterminadas do currículo, a voltar-se para o seu
próprio currículo. Enfim,o currículo prescritivo está condenado e
irá requerer uma substituição rápida por novas formas de
organização da aprendizagem tais como as narrativas de
aprendizagem. Em suma, trata-se da mudança de um currículo de
aprendizagem primária e de um currículo prescritivo para uma
aprendizagem terciária e currículo narrativo, e, tal passagem,
poderia transformar as escolas e fazê-las ajudar a mudar o futuro
social de seus alunos.
Já o currículo narrativo é um tipo de aprendizagem que se
desenvolve na elaboração e na manutenção continuada de uma
narrativa de vida ou de identidade. Tomar a realidade do aluno
como ponto de referência, não significa restringir o programa de
História a essa realidade. Nesse sentido, é preciso construir um
paralelo entre aquilo que o indivíduo não conhece e aquilo que é
compreensível para ele, tal como a sua vida e o contexto histórico
no qual ele se insere e que é pautado por forte presença dos
aspectos culturais e materiais do mundo sobre o lugar de vivência.
Esse tipo de aprendizagem é de suma importância para entender a
forma como as pessoas aprendem ao longo da vida e temos como exemplo
o projeto “Learning Lives”. Este tipo de currículo enganja as
pessoas nele e ao ver a aprendizagem como algo ligado à história de
vida, entende-se que ela está situada em um contexto, e que também
tem uma história.
Uma passagem do currículo de história de Juiz de fora que me
chamou a atenção foi quando aparece que não se pretende elaborar
uma proposta curricular fechada, em torno de conteúdos específicos
do tratamento da História, mas em eixos de questões necessárias à
formação do estudante ao longo de sua vida escolar. Isso, me
fez retornar ao texto de Goodson, que diz que por
caminhos distintos, os diversos currículos e práticas pedagógicas
tentam ampliar o campo da história ensinada, incorporando temas,
problemas, fontes e materiais. No entanto, Bauman diz que mais do que
escrever novas prescrições para as escolas, ou um novo currículo
ou novas diretrizes para as reformas, as pessoas precisam questionar
a verdadeira validade das prescrições predeterminadas.
As disciplinas escolares que compõem o currículo, e eu destaco
aqui a história, não são definidas de uma forma desinteressada,
mas sim em uma relação estreita com o poder e com os interesses de
grupos sociais. Quanto mais poderoso é o grupo social, mais provável
que ele vá exercer poder sobre o conhecimento escolar.
Sendo um mecanismo de inclusão social, elas não servem para a
elite, e assim, tornaram-se “aceitas” e funcionam como
mecanismos excludentes. E a história, como fica nesse processo já
que ela é uma
disciplina que forma, emancipa e liberta o homem? Os programas
escolares exigem que o ensino da história desenvolva nos alunos a
autonomia intelectual, o pensamento crítico, a formação da
consciência histórica dos homens e que possibilite a construção
de identidades. Entretanto, tanto a produção quanto a difusão do
conhecimento histórico, contém limites, possibilidades, isto é,
são recortes historicamente construidos, já que a história nunca é
totalizante. E tendo a história um grande papel social, é vítima
de uma guerra de narrativas em disputa pelo mundo todo para a
manutenção de uma determinada tradição, já que a história é a
única disciplina escolar que recebe intervenções diretas do
governo. Isso demonstra o quão importante é ela para o poder.
Como a história é vista? Para Stephanou, em geral, prevalece a
visão de que o conhecimento histórico diz respeito somente ao
passado e que tal passado é passível de ser recuperado já que os
fatos históricos são indiscutíveis. Esta forma de raciocínio
encontra-se fundamentada pelos referenciais do positivismo, do
historicismo, do eurocentrismo e numa linearidade, organizada a
partir dos fatos políticos numa progressão cronológica que seguia
a divisão quadripartite: Idade Antiga, Média, Moderna e
Contemporânea. Enfim, tratava-se de uma história que tinha como
fundamento a idéia de progresso como algo global, positivo e
inevitável, ou seja, a história, tinha um início, um meio e um fim
determinado. Como diz Leville, seria uma guerra de narrativas, onde
quem detêm o poder reduz e fecha o currículo da história para
moldar a consciência e o comportamento das pessoas. Vale ressalvar
que neste tipo de história se excluem sujeitos, ações e lutas
sociais, ressaltando que só tem importância as grandes
personalidades e heróis, o que introjeta no povo a idéia de que
eles não fazem história. E que seguindo essa perspectiva,
Stephanou, afirma que o ensino de história virou memorização,
repetição, e carrega uma idéia de saber pronto, acabado, que é
transmitido através da exposição oral, textos, questionários,
decoreba, livros didáticos.
Num segundo momento, temos a
história cultural, das mentalidades, que tenta dar voz aos
excluídos. Além de mudar o foco do protagonista, também são
aceitas outras fontes além das escritas. A história não tem um
início, um meio ou um fim determinado, mas apresenta-se como um
campo de possibilidades, concebendo as pessoas comuns como sujeitos
que produzem história. Logo são sujeitos históricos que atuam,
transformam, lutam e resistem. Esta concepção de ensino e
aprendizagem facilita a revisão de conceito de cidadania já que ela
possui um caráter humano e construtivo, em condições concretas de
existência. A função social do ensino da história, segundo
Laville, é formar indivíduos autônomos e críticos e levá-los a
desenvolver as capacidades intelectuais e afetivas adequadas, fazendo
com que trabalhem com conteúdos históricos abertos e variados, e
não com conteúdos fechados e determinados como ainda são com
frequência as narrativas que provocam disputas. Senão, essas
guerras de narrativas desencadeadas em todo o mundo vão acabar
gerando somente perdedores, tanto no que diz respeito à identidade
nacional quanto em relação à vida democrática. Assim,
a escola e a história tentam se constituírem como espaços de
construção de saberes e práticas, re-construindo a passagem de
libertação do homem: de súdito à cidadão. Somente o ensino de
história comprometido com a análise crítica da diversidade da
experiência humana, pode contribuir para a luta, permanente e
fundamental, da sociedade.
Laville, diz que muitas vezes nos debates o que aparece é a falta
de conteúdo e não os objetivos de formação do conhecimento
histórico. Entretanto, o que devemos ensinar em História?
Poderíamos dizer que são os conteúdos e fatos históricos
específicos, no entanto isto traz um problema sério no que diz
respeito à uma história única, o que não é aconselhável, sendo
que a História ensinada aos estudantes não é a mesma
História que se produz na Universidade. Então o que selecionar
para ser trabalhado com os alunos como conteúdo histórico essencial
e o que eliminar? Em que reside o caráter formativo da
História? A História é divergência de pontos de vista,
pesquisa, diálogo com as fontes e não mera descrição do que
foi informado como se aquilo correspondesse à verdade. Nenhum tema
possui, em si, uma carga maior ou menor de historicidade; é a
relação que tem entre o professor com ele que pode ou não fazer
dele um tema histórico.
Cabe aqui outra pergunta: como o currículo organiza a História
como disciplina escolar do ponto de vista programático? Através da
seleção de um programa com visão europeia e, vinculada a ela, a
História Brasileira a partir da colonização até os dias de
hoje. Isso provoca a construção de programas enormes, muitas vezes
impossíveis de serem cumpridos. Há ainda outros problema que é o
da vinculação dos Programas de História à uma história
totalizante, de toda a humanidade, e, a ideia de que História é,
exclusivamente, passado narrado em função de marcos europeus. No
currículo de história de Juiz de Fora vemos que os seus
elaboradores tem uma preocupação com o deslocamento da reflexão
em torno dos conteúdos históricos para um olhar relativo aos
procedimentos históricos que envolvem as habilidades cognitivas,
pois em relação à matéria histórica, consideram que não é a
atitude de saber ou não todos os fatos estabelecidos segundo uma
ordem cronológica que garante aos estudantes uma condição
de saber História.
Queria destacar as funções e eixos metodológicos da história
enquanto disciplina elencados no Currículo de Juiz de Fora: educar
para a compreensão de história/conhecimento, educar para a
compreensão da temporalidade e educar para a compreensão da
memória.
No primeiro- educar para a compreensão de história- os alunos
devem entender que a história não é uma explicação única e que
ela é um procedimento de investigação, uma atitude de
problematização daquilo que está no mundo na relação com
fontes de conhecimento. Enfim, educar para a compreensão da
História é educar para a compreensão de como o conhecimento
histórico se opera com o objetivo de compreender continuidades e
descontinuidades, mudanças e transformações na vida das diferentes
sociedades humanas. Esse tempo não é mais pensado somente a partir
de um recorte cronológico totalizante, mas entendido como uma
construção social e, por isso, seletiva e variável. No entanto a
história não lida com a mentira, mas com pontos de vista. Isso
acontece porque como o conhecimento histórico baseia-se no
uso e diálogo com fontes, essas, como construções culturais
e datadas, expressarão sempre a voz de quem as produziu. Nesse
sentido, destaca-se a importância de se contrapor os
diversos discursos encontrados nas fontes históricas para que outras
vozes e outros pontos de vista possam emergir desse exercício. Esse
entendimento move, na essência, o território de trabalho do
historiador que busca, na dinâmica entre historiografia,
teoria e pesquisa documental, as bases para uma contínua reescrita
da História. Contudo, a função da escola não é formar crianças
e jovens no ofício do historiador, mas há aspectos desse ofício
que fazem toda a diferença na formação para a compreensão
de como o conhecimento ocorre e se transforma. Por isso é importante
que o professor trabalhe com diversas fontes (jornais, revistas,
filmes, imagens) pois todas elas representam um ponto de vista e uma
intencionalidade fazendo com que o aluno possua filtros culturais de
leitura crítica do mundo se tornando um cidadão ativo.
Os alunos tem que desenvolverem uma série de habilidades, em toda
escolarização básica, que são fundamentais para a compreensão
histórica e para o desenvolvimento da capacidade de pensar
historicamente, como: o estabelecimento da relação temporal e da
compreensão da mudança; a condição de interpretação do passado;
a construção de inferências a partir das fontes.
Vale ressaltar que não há uma única versão sobre o passado e este
é, a cada momento, reconstruido de acordo com as necessidades e
demandas do presente através da imaginação. Também vale a pena
considerar que o trabalho com fontes está intrinsecamente ligado à
questão do conhecimento histórico. Sendo assim, como uma criança
pode inferir sobre as fontes? Cooper afirma que a partir do contato
com as fontes as crianças são conduzidas à observação, à
elaboração de perguntas, à crítica e à argumentação. A
utilização de diferentes fontes promove, por diferentes razões, o
desenvolvimento progressivo e complexo do raciocínio
comparativo.
O trabalho com as fontes é central na tarefa de educar para a
compreensão da História. Para tanto, o professor pode trabalhar
com documentos que devem ser lidos e interpretados pelos estudantes
com o intuito de pensar a autoria e o tempo do documento, comparar
documentos diferentes, de autorias distintas. Temos, por exemplo, os
jornais podem se converter em importantes fontes na construção
da compreensão acerca de como notícias são produzidas, como
fatos são eleitos em meio a uma vasta diversidade de alternativas, e
como posições diferentes se manifestam em jornais diferentes. Este
recurso permite também que se problematize a ideia de verdade
absoluta mostrando aos estudantes que é possível encontrar
diferentes visões ou interpretações de um mesmo fato. Temos, o
texto literário que proporciona a representação de um mundo
vivenciado ou mesmo idealizado pelo seu autor e permite evocar
aspectos da cultura e a mentalidade de uma época. Também o estudo
do meio, como fonte, como fizemos no passeio aqui no São Pedro ou no
Milho Branco, desempenha um papel fundamental na condição de se
experimentar marcas do tempo materializadas no espaço ao trazer
várias camadas de tempo. O professor também pode usar fotografias e
filmes já que são fontes de informações para a reconstituição
do passado e que apresenta uma escolha feita num dado instante e o
representam, enfim, são construções e não dogmas. Uma fonte
permite sempre a identificação do sujeito que fala, para quem fala
e com que intencionalidade. Entretanto, esses movimentos são formas
de compreender o passado e só geram sentidos formativos ao se
tornarem permanentes e estruturantes do trabalho escolar.
O segundo eixo que é o de educar para a compreensão da
temporalidade, muitas vezes, o tempo é apresentado para a criança
sem que essa apresentação se converta em uma aprendizagem
significativa. Como uma construção cultural, histórica e variável,
o tempo nem sempre nos é ensinado na relação com sua vasta
complexidade. Qual é a melhor maneira, porém, de iniciar o
desenvolvimento de habilidades para a compreensão do tempo? Conforme
destaca Lana Siman e Stephanou, a compreensão da temporalidade
histórica depende de se considerar suas relações com o tempo
vivido. Dessa forma, as mudanças temporais, associadas às
histórias de vida da própria criança ou de seus familiares, são
excelentes pontos de partida para explorar o passado, pois este
passa a assumir sentido quando vinculado à experiência direta dos
alunos.
A sucessão, simultaneidade e duração, que são categorias
temporais centrais à compreensão e interpretação históricas,
encontram-se diretamente ligadas à nossa condição de existir, e, a
construção da noção do tempo se dá, no processo de
escolarização, na relação com dimensões distintas, vinculadas ao
tempo físico - capacidade de fazer a criança pensar e
transpor raciocínios de uma situação a outra - e ao tempo
histórico, ou social -capacidade da criança de analisar os
contextos de época, onde ela é capaz de perceber que seu tempo é
diferente dos demais tempos. Vale ressalvar que o desenvolvimento da
perspectiva temporal relacionada à duração, em geral, relaciona-se
ao pensamento matemático e que a noção de tempo nos coloca diante
de uma aprendizagem processual e complexa que não se
restringem a um nível de escolarização. As datas, por exemplo,
são escolhas historicamente eleitas de algo destacado para ser
lembrado, isto é, são seleções em meio a um mar de exclusões e,
portanto, uma escolha que nos remete a uma circunstância
dada de poder. Entretanto, o reforço das datas desconsidera a
maneira como a noção de história é afetada e a história se torna
um passado representado temporalmente por uma seta na qual são
penduradas certas datas consideradas marcantes. Cabe, ao professor,
no ato de trabalhar a data, engendrar não um discurso de
afirmação do herói, mas de consciência do significado de
uma comemoração que se transformou em marco nacional para ser
relembrado. Portanto, devemos ter o educar para a compreensão
do tempo como tarefa fundamental.
O último eixo - educar para a compreensão da memória – diz
respeito à memória, que se constitui como essencial para a
aquisição da consciência da passagem do tempo e da construção
de sentido para o sujeito. A memória é uma ilha de lembrança
num mar de esquecimento em que o sujeito seleciona o que lembrar e
o que quer esquecer. Tais estratégias da Memória são opções de
formação de identidade, a partir das quais o sujeito se reconhece
e dá sentido ao mundo e ao lugar que nele ocupa. Vale lembrar que o
sentido de identidade não é algo natural, mas construído
pelos sujeitos no tempo.
Segundo Stephanou, os alunos carregam consigo, por suas
experiências, conhecimento social e histórico, assim, antes de
supor que os estudantes nada sabem, valeria a pena procurar conhecer
seus conhecimentos prévios. E na escola, a Memória familiar de cada
estudante pode servir como instrumento de reflexão acerca dos
significados atribuídos a ela e da passagem do tempo. O que,
aparentemente, teria um sentido apenas individual pode, na comparação
com lembranças de outros estudantes, ganhar um significado mais
amplo, revelando pontos comuns a uma mesma geração e, ao mesmo
tempo, singularidades. É importante destacar que os objetos, com o
passar do tempo, assumem diferentes significações e utilidades.
Para concluir, vale destacar algumas coisas que foram ditas ao longo
deste texto. Em primeiro, os currículos e disciplinas são
construídos, não são fechados, prescritivos e imóveis e existem
currículos que procuram rompem com a linearidade cronológica ou com
a perspectiva de transmissão, porém, em pequeno número de
situações. Em segundo lugar chamar atenção para o caráter
formador do cidadão. Temos que perguntar qual é o “cidadão”
que queremos formar, se é o súdito ou o cidadão. Para formamos
cidadão críticos, precisamos levar os alunos a perceberem o
impercebível, desnaturalizar aquilo que já lhe tornou familiar. Os
alunos que tem um bom filtro não serão facilmente manipulados.
Portanto, o papel do professor é o de educar para o conhecimento,
educar para a compreensão da temporalidade e educar para a
compreensão da memória. Ambos são construções e que devem passar
por um longo período de escolarização. Os alunos tem que saber
lidar com questões de mudanças, permanências, simultaneidades,
enfim, com questões temporais que são bastante complexas e que não
podem serem trabalhadas uma só vez. Os alunos também tem que saber
que não existe verdade absoluta, e aí entra o trabalho com as
fontes. Através delas, podemos trabalhar a época em que foram
produzidas, o contexto, a autoria, enfim, temos uma gama de questões
que podem engajar os estudantes no campo histórico. Vale contudo
relembrar que nós como professores não estamos na sala de aula para
formarmos historiadores, estamos lá para garantir que eles saíram
com um certo letramento em história tendo a habilidade de
compreender, refletir, comparar, diferenciar e analisar as formas de
conhecimento que são arbitrariamente constituídas.
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