quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Discussões fundamentais para se pensar o uso da imagem na sala de aula



Faz-se necessário pensar sobre a utilização de imagens e cinema na sala de aula. Está, é uma discussão bastante interessante, pois normalmente se faz uso delas sem pensar numa didatização e educação dos docentes. Fomos criados numa cultura onde, a todo momento, somos bombardeados por imagens, e tais imagens, nos informam e nos formam, de maneira desapercebida. Assim, o movimento de reflexão que se propõe, é pensar nessa desnaturalização da imagem, e começarmos a perceber o seu conteúdo formativo. Para isto, convocarei as reflexões de dois autores: Ana Mauad e Wenceslao Machado.

Qual a relação entre história e fotografia? Será a história puramente a duração e a fotografia seu registro? Para responder a tais questões, em primeiro lugar, devemos tomar a fotografia como sendo uma agente da história, pois de acordo com Mauad, a fotografia não é só fonte de informação sobre o passado, mas “um meio, uma forma da expressão visual resultante de uma prática social que agência processos e produz sentidos, num movimento constante de deslocamentos por dentre outras imagens”. Ou seja, a fotografia também é determinante da formulação dos sentidos da história por ser um dispositivo que nos permite conhecer o mundo social por ser o meio pelo qual o fotógrafo inscreve sentido histórico ao mundo visível, ordenando-o com base na sua atribuição política.. Devemos assim, segundo a autora, discutir a noção de foto-ícone, fotos canônicas (aquelas fotografias que ganham expressões públicas e são apresentadas como uma síntese real do acontecimento), e ultrapassar a idéia reducionista de uma história por detrás da foto, começando a pensar na questão mais tangente de que é a foto que faz história. A autora chama mais a nossa atenção para a questão da foto tomada como ícone, que tomada como uma sintetizadora semelhante do que aconteceu, tornam tal acontecimento presente, e sugere que o que está ali, é o acontecimento tal como ocorreu. Assim, para ela, não é válido sugerir uma verdade por trás da foto, e devemos pensá-la como uma representação, como uma versão do vivido.

Cabe-nos aqui outra pergunta: a fotografia é mesmo uma representação do real? As imagens são históricas e dependem de variáveis técnicas e estéticas do contexto histórico que as produziram e das diferentes visões de mundo. Nesse sentido, as fotografias guardam a marca do passado que as produziu e consumiu. Mauad nos diz que por muito tempo esta marca inseparável de realidade foi atribuída à imagem fotográfica, mas devemos considerar que entre o sujeito que olha e a imagem que elabora há muito mais que os olhos podem ver. Em outras palavras, de acordo com a autora, a fotografia não é o real, mas uma elaboração do vivido, o resultado de um ato de investimento de sentido, ou ainda uma leitura do real realizada mediante o recurso a uma série de regras que envolvem, inclusive, o controle de um determinado saber de ordem técnica. E Mauad cita Arnhein, que nos incita na desnaturalização da representação fotográfica, estabelecendo uma comparação entre a imagem fotográfica e o objeto concreto. De acordo com o seu pensamento, a fotografia é bidimensional, plana, com cores que em nada reproduzem a realidade, isola um determinado ponto no tempo e no espaço, acarretando a perda da dimensão processual do tempo vivido, é puramente visual, excluindo outras formas sensoriais, tais como o olfato e o tato. Portanto, a imagem fotográfica não guarda nenhuma característica própria à realidade das coisas. Contudo, não importa se a imagem mente; o importante é saber porque mentiu e como mentiu, assim, teremos bons e estimulantes trabalhos investigativos.

Também devemos considerar as relações entre a trajetória profissional do fotografo, sua prática fotográfica e a construção do fato histórico, lembrando que a fotografia nunca é neutra, sempre tem uma intencionalidade, sempre tem um olhar por detrás das câmeras. Enfim, quando vemos uma fotografia, deveríamos pensar nos processos de produção de sentido que nela está embutida, porque, segundo Mauad, uma fotografia adquire valor histórico, pela sua capacidade de responder as demandas visuais do circuito social (produção, circulação, consumo e agenciamento) organizados por diferentes instâncias da cena pública (imprensa, mercado, estado, movimento social etc.), como pelos recursos técnicos e estéticos utilizados para esse trabalho. Mauad, nos aconselha alguns passos para compreendermos o sentido da fotografia. Assim, de acordo com ela, o nosso ponto de partida seria compreender a natureza técnica do ato fotográfico, o seu caráter de indício sendo considerada como testemunho por atestar a existência de uma realidade. O segundo passo seria compreender que entre o objeto e a sua representação fotográfica interpõe-se uma série de ações convencionalizadas, tanto cultural como historicamente. E por fim, deveríamos considerar a fotografia como uma determinada escolha realizada num conjunto de escolhas possíveis dentro da visão de mundo do fotográfo.

Devemos também parar de associar a fotografia como sendo um documento-verdade, e começarmos a assumi-la como sendo uma imagem-conhecimento. Ou seja, a fotografia, tem muito a nos dizer, pois ela é monumento e documento/ conhecimento, por se tratar de uma fonte que retratou um tempo, um momento remoto, e que portanto é testemunha deste, e como um monumento, pois foi uma escolha de grupos sociais por manter aquele momento para ser rememorado num outro tempo e conforma assim uma determinada visão de mundo. Contudo, a autora nos diz, que como qualquer documento, deveremos saber fazer perguntas, pois a imagem não nos falará nada caso não saibamos interrogá-la. Esta sua fala, me remeteu ao pensamento de Marc Bloch, no seu livro A escrita da história, em que tal autor chama as fontes de testemunhas e nos diz que devemos interrogá-las. E Mauad também nos chama a atenção para a questão da escrita, pois sem a marca da palavra enunciada, a fotografia vagaria pelas tramas dos fragmentos de lembranças, esquecimentos, silenciamentos. Assim, cabe a nós, quando trabalharmos com imagens querendo saber de um tempo, casarmos várias fontes, para assim, podermos nos aproximar de um tempo que nos é desconhecido.
Vale ressaltar, que como qualquer fonte a ser lida e interpretada, a imagem requer uma relação entre o que o fotografo e a sua imagem informam ao visualizador. A leitura de uma imagem, requer uma série de conhecimentos prévios e compartilhados e algumas competências de quem olha, pois só assim, ele poderá fornecer significados à imagem. O fotografo, também tem que deixar clara as suas intenções, pois a partir do momento que produz uma fotografia, ela não pode ser lida somente por ele, mas pelo público, pelo coletivo. Enfim, caberá a percepção e interpretação do indivíduo que depende de um processo maior, que é o da educação do olhar. Ou seja, a partir dessa educação do olhar, as pessoas tem competências maiores para entender a proposta conjunta do artista, desde a sua forma de expressão, que tem haver com técnicas e estéticas, tais como enquadramento, iluminação, definição da imagem, contraste, cor etc, e, conteúdo que é determinado pelo conjunto de pessoas, objetos, lugares e vivências que compõem a fotografia.

E o filme, o que temos que pensarmos quando é usado na sala de aula? Os filmes, são muito interessantes de se discutir, pois geralmente, são usados sem nenhuma intenção pedagógica e utilizados em momentos de falta de professor, ou para passar o tempo. Tendo em vista esta proposta, vale a pena levantar algumas questões de Wenceslao sobre filmes.
Primeiro, devemos lembrar que o filme é sempre uma representação, e nunca a realidade, e que como produção, é idealizado por muitas pessoas diferentes, que nem sempre quem escreveu é quem produziu, ou quem dirigiu. Devemos também parar de tentar descobrir o que o autor quis nos dizer com o filme, e começar a refletir acerca daquilo que o filme nos disse. Wenceslao nos chama a atenção de que as imagens do filme têm a mesma materialidade das imagens dos sonhos que são reais enquanto imagens, e que tais imagens, nos remetem ou se conjugam com outras imagens já presentes em nós. Assim, uma imagem é singular, mas também é representativa de um todo. A imagem, por exemplo, de um porco, será como um conceito, como a palavra porco escrita em um livro, que pode estar se referindo a qualquer tipo, idade, naturalidade, deste animal.

Wenceslao também ressalva que os filmes são produções para serem vendidas e consumidas, e que acabam gerando ideologias invisíveis, principalmente nas crianças, como por exemplo, noções de gênero e sexualidade, de família, de infância, de uma determinada camada dominante da sociedade, inculcando assim, lógicas e hábitos sociais. O autor também ressalva que o Cinema para os americanos em geral é uma forma de entretenimento, de diversão, e não uma forma de conhecimento ou arte, mas que ensina valores e atitudes. Enfim, é uma indústria com fins lucrativos claros e que segue uma determinada segmentação do mercado.

Por fim, vale ressalvar a questão da sonorização, algo tão natural para nós. Podemos perceber, que os personagens tem tons narrativos diferentes que nos remetem a características de cada personagem,por exemplo alguns tem um tom calmo, que é o herói, o mocinho, outros tem um tom mais agressivo, intimidativo, como o vilão. As músicas embaladoras dos personagens também tem muito a nos dizer. Em cenas por exemplo de aflição, de tensão e morte, é uma música mais dramática e geralmente instrumental. Enfim, tal sonoplastia, tem o poder de direcionar sentimentos e expectativas nos que ouvem. Para concluir, vale destaca, segundo o autor, que com o final do filme, iremos buscar relações e âncoras em lembranças e projetos e cenas cotidianas, e que quando o filme termina, ele não acaba, deixará de existir somente como produto audiovisual e se tornará, digamos, imaginário e imaginante.


De acordo com o pensamento de tais autores, é válido concluir que trabalhar com imagens, é um desafio que o historiados terá que enfrentar. Não será fácil, e ele terá que sair de sua zona de conforto para educar criticamente o docente. É possível concluir também que temos de tomar cuidado em tornar equivalente a imagem e a realidade (a verdade do real e não como a verdade da imagem) pois segundo Wenceslao, a fotografia é uma obra imagética que diz de como o espaço geográfico é pensado e utilizado pelo grupo social que produziu aquela obra. Assim, quando fazemos uso da linguagem fotográfica, buscando a sensação de realidade dada pela visualidade fotográfica, ganhará forca o pensamento de que a realidade espacial daquele lugar seja aquilo que está na foto. Enfim, é algo desafiador e complexo, que caberá a quem for trabalhar, desconstruir e desestruturar estas fontes, para que possamos entendê-las como uma representação documento e monumental de um certo tempo, cabendo ao profissional, usar de determinadas técnicas e formas para construir o pensamento histórico. 

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