O texto de Wilson Cano, tendo como finalidade a demonstração de
como as principais regiões cafeeiras tiveram distintas dinâmicas de
crescimento e de transformação social e econômica, se enquadra
numa historiografia tradicional que tende a examinar as condições
em que se pode ou não constituir um complexo cafeeiro, e tal
interpretação, afirma que somente a região de São Paulo,
apresentou elementos que podem confirmar que lá se teve um complexo
cafeeiro. O autor se restringe aos estados de São Paulo, Minas
Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo, isto é, a região sudeste,
que juntos produziam mais de 95% da produção nacional. O seu texto
analisará os estados na seguinte ordem: Rio, Minas, Espírito Santo
e São Paulo. Comecemos então a ver como o autor defende a sua tese.
Na parte em que fala do Rio de Janeiro, ele denomina de café
escravista, e diz que a produção cafeeira teve o seu apogeu em
1870-80 e começou a sua decadência a partir de 1882. Cano cita
algumas pré-condições que possibilitaram ao Brasil independente
sua reinserção na economia internacional, como a burguesia, por
exemplo. O autor ressalta que para a produção de café seriam
necessários a existência de: uma burguesia com posse monetária,
terras aptas para cultivo, mão-de-obra e demanda externa para o
produto. Cano diz que o Vale do Paraíba, no Rio, oferecia boas
terras, que a mão-de-obra se resolveu pela escravidão e que a
demanda externa foi alargada pelo rebaixamento dos preços promovido
pela oferta brasileira que resultou numa generalização do produto.
Porém, o autor destaca que ao se instituir como sendo uma produção
escravista e não mudar esta condição, o café decretava a sua
própria decadência, já que viria a proibição do tráfico de
escravos o que resultaria num aumento dos preços e diminuição da
ofertas destes. Ressalta também que a topografia da região forçou
uma interiorização do café para áreas mais afastadas, o que
provocou um aumento significativo desta. Cano também nos chama a
atenção para a ausência de um sistema financeiro e para a
subordinação que o capital mercantil exercia sobre o café
interiorizado, o que segundo ele, antecipou a derrocada do café.
Enfim, segundo Cano, as relações sociais de produção e as
peculiaridades da comercialização e financiamento do café não
permitiram a constituição de um complexo cafeeiro como o de São
Paulo.
Quanto à região mineira, Cano diz que a constituição da
cafeicultura escravista de Minas seguiu de perto a do Rio de
Janeiro, e só se diferenciaria quanto a sua posição relativa no
sistema de produção, mantendo a posição - e não perdendo como
ocorreu no Rio - entre 1876 e 1930, de participação de 20% da
produção das quatro regiões. A produção de café se iniciou na
zona da mata e depois foi se expandindo para a região sul. O autor
também chama a atenção para algumas das especificidades que esta
região teve, como: se constituiu e sub-regiões pouco integradas
entre si, não concentrava grande número de escravos utilizando 25%
do contingente escravo provincial, o que é controverso, pois não se
sabe exatamente se os escravos foram importados ou se houve uma
grande reprodução natural. Tal controvérsia, não pode ainda ser
resolvida, mas para o autor, o importante é que a cafeicultura
mineira se beneficiou da existência de escravos e não sofreu a alta
dos preços como no Rio de Janeiro. Cano ressalva também que em
Minas, não se aplicou o trabalho assalariado europeu e que dependia
do capital mercantil do Rio e não possuía saída própria para suas
exportações, assim, não gerou força produtiva capitalista
resultando num não complexo cafeeiro.
No Espírito Santo, o autor já de imediato chama a atenção para
algumas peculiaridades em que: o café, no seu início, em 1840,
substituiu a cultura da cana de açúcar; relações de produção
também foram escravistas; teve uma corrente migratória do Rio e de
Minas em busca de terras devolutas; predomínio de pequena dimensão
dos estabelecimentos cafeeiros; dependência do porto de rio de
Janeiro, por onde o café era exportado, e do capital mercantil
carioca para sua comercialização e financiamento, e, não teve
trabalho assalariado, expandido-se o sistema de parcerias. Cano
atenta ainda para o fato da combinação das duas estruturas –
pequena propriedade e trabalho escravo - terem inibido um maior
desenvolvimento da produção cafeeira na região e que a crise do
café que ocorreu entre 1897 e 1905, retalhou o latifúndio e a
cultura cafeeira foi substituída em parte pela cana de açúcar,
pela pecuária e pelas culturas de subsistência.
E a região paulista, teve ou não um complexo cafeeiro? Se teve,
qual ou quais motivos levaram a isto? Em São Paulo, a busca por
terras férteis e virgens ocorreu em meio a uma grande gama de
ofertas e a topografia era melhor, permitindo melhorias técnicas
nessa cultura, e, lucros crescentes. A interiorização do café em
São Paulo, se defrontaria com alguns impasses quanto ao transporte
que seria solucionado pela introdução de uma ferrovia que
funcionaria similarmente a uma empresa capitalista, pois reduziria os
custos do café, aumentaria os seus lucros. Também, São Paulo,
contou com uma máquina de beneficiamento, que aumentou os lucros da
cafeicultura e possibilitaram uma maior dinamização de acumulação.
A burguesia paulista também optou pela imigração européia de
homens que não possuíam nada para poderem ser submetidos ao seu
capital cafeeiro promovendo a transição para o trabalho assalariado
em 1886 e criaram assim, o nascimento do mercado de trabalho.
Cabe-nos aqui, uma outra pergunta: como se constitui e como se
dinamiza o complexo cafeeiro? Segundo o autor, ao exportar seu
produto, o café gerava as divisas necessárias à importação dos
alimentos para os trabalhadores e de todos os bens-salários
necessários e dos bens de produção para as atividades rurais e
urbanas. Ressalta ainda que a realização da produção de café
resultou no surgimento de muitas atividades dinâmicas como
ferrovias, porto, estradas, indústrias, bancos, etc, e eram,
portanto, os segmentos secundários do complexo. O autor também
afirma que o capital mercantil, que era o capital que comandava a
comercialização e o financiamento à produção de café, se
desdobrava em capital agrário, industrial, bancário etc, que se
deram tanto em períodos de auge como de depressão do café. Enfim,
para Cano, São Paulo foi a única região em que houve um complexo
cafeeiro, que se constituiu na superação da instituição
escravista e fez nascer uma economia capitalista dependente da
economia cafeeira. Ressalva ainda que São Paulo, não teve uma
estrutura fundiária do latifúndio e nem a de uma pequena
propriedade camponesa, mas, uma estrutura média.
O texto de Cano, é um texto de extrema importância pois nos remete
a pensar sobre uma historiografia tradicional que já foi revista por
outros autores que tendem a ressalvar alguns problemas de ordem
teórica. Tal visão histórica tradicional, tendem a associar o
período da produção cafeeira mineira à ausência de retenção de
capital; decadência da produção de café, e, dependência do Rio
de janeiro onde Minas seria uma espécie de “quintal do Rio”. Em
primeiro lugar, o período de implantação e de decadência é que
diferenciam a produção de café entre Rio(1830-1879/80) e Minas
(1850-1920). Em segundo lugar, Minas teria um complexo singular
marginal já que ele é interiorano e não apresenta saída para o
mar. Além disso, Minas tem uma região produtora de café, zona da
mata, que produz 5% e transfere os seus recursos para uma região que
não produz café, centro do Estado, a diferenciando de São Paulo.
Em terceiro lugar, a partir de 1880, o dinheiro começa a ser retido
internamente pelo comércio local. Em quarto lugar, Minas é uma
região de fronteira e não o quintal do Rio de Janeiro, é tanto que
o período de decadência do nosso café só ocorrerá em 1918. Em
último lugar, segundo Anderson Pires, Minas manteve a sua condição
de reprodução econômica até a década de 1920, o que lhe permitiu
o acumulo de capital cafeeiro. Enfim, segundo este mesmo autor, o
movimento de dinâmica agroexportadora em Minas se distingue pelo
ritmo de crescimento da produção da dinâmica de São Paulo, que
deve ser vista como exceção e não como regra, e pela tendência
ascendente do movimento, da mesma dinâmica do Rio de Janeiro.
Em suma, a economia cafeeira mineira criou condições efetivas para
o avanço da modernização capitalista., mesmo tendo tantos limites,
que ficam mais claros quando comparamos com outras regiões
agroexportadoras. Feito estas considerações, recomendo a todos a
leitura desse instigante e polêmico texto, ressalvando que leiam
prestando atenção nos detalhes descritos acima, para se ter um
aproveitamento melhor e maior da história regional.
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