quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

METODOLOGIA DE ENSINO-APRENDIZAGEM: ANALISANDO LIVROS DIDÁTICOS A PARTIR DA TEMÁTICA ESCRAVIDÃO


"Apesar de ilustre, o livro didático é o primo pobre da literatura, texto para ler e botar fora, descartável porque anacrônico: ou ele fica superado dados os progressos da ciência a que se refere ou o estudante o abandona, por avançar em sua educação." (BATISTA apud TALAMINI, 2009 )

Está citação é bastante interessante para começarmos este trabalho de análise de livros pois devemos ter em mente que o livro didático nunca será um best-seller pois ele é sempre superado e limitado a um tempo e sociedade. Tal trabalho, surgiu da proposição da análise de coleções de livros didáticos em que cada grupo da turma de Didática e Ensino de História II, deveriam escolher um requisito para ser analisado. Tinha-se quatro opções: historiografia, imagens, metodologia ensino-aprendizagem e exercícios e atividades. Queríamos fazer sobre a historiografia ou sobre as imagens, como já haviam sido escolhidos e sobrou como ultima alternativa a questão do ensino-aprendizagem, ficamos encarregados de observá-la em tais coleções. Tal questão de ter sobrado, já é bastante sintomática, pois é uma questão que muitos não ligam e que poucos pensão, já que se trata de algo tão complexo. Assim, pensamos bem e tivemos que adentrar num campo conceitual e pedagógico muito desafiador a nós, que nunca havíamos pensado em tal prerrogativa.

Feito esta consideração inicial, achamos válido indicar o nosso movimento de trabalho em torno das coleções. Num primeiro momento, deixamos livres a análise, e todos leram todos os livros sem nenhum critério analítico, foi mais um momento de reconhecimento mesmo do que de análise. Em seguida, buscamos alguns suportes teóricos, como o PNLD 2011 e textos como o de Sandra Oliveira e Ivo Matozzi. Após ter realizado a leitura, escolhemos alguns critérios analíticos sobre o conteúdo e o texto; o conhecimento, e, se os capítulos permitem a desenvoltura da competência de leitura e escrita, a partir das seguintes proposições:
- se as estratégias didáticas da obra, tanto os textos quantos as atividades e as variadas fontes, favorecem o desenvolvimento de diferentes habilidades cognitivas tais como observação, análise, síntese, generalização, comparação; e se desenvolvem a competência de leitura e escrita do aluno;
- se os textos-bases são: simples e claros,ou longos e difíceis, ou enxutos e sintéticos, com riqueza de informações ,e , se buscam fazer pontes com o presente;
- se contribuem para a percepção das relações entre o conhecimento e suas funções na sociedade e na vida cotidiana;
- se há relação da abordagem dos conteúdos com os conhecimentos prévios dos alunos.

Escolhemos estes critérios porque os pequenos ensaios de inquerir ou comparar fontes, confrontar interpretações sobre um mesmo fato etc, revela o intuito da construção do conhecimento histórico. O texto por sua vez justifica-se por ser algo central para a História, porque é dele que depende a qualidade do que compreendemos e aprendemos sobre historia. Ele é um instrumento regulador e mediador entre a didática e a organização dos processos de aprendizagem. E para se ter uma aprendizagem significativa caracteriza-se pela interação entre um novo conhecimento e um conhecimento prévio. Nesse processo, que não é literal e nem arbitrário, o novo conhecimento adquire significados para o aprendiz e o conhecimento prévio fica mais rico, mais diferenciado, mais elaborado em termos de significados, e adquire mais estabilidade.

Buscamos entender também o que é método, que segundo Manfredi, é uma palavra que vem do latim methodos e significa caminho para chegar a um fim, no caso específico da educação escolar, o fim último seria a aprendizagem do aluno. Assim, ao abordar métodos de ensino e de aprendizagem, trata-se de um caminho para se chegar ao objetivo proposto. (Manfredi, 1993) Sabendo que método envolve a questão do ensinar e aprender, usamos o texto de Sandra Oliveira como suporte teórico para problematizar tais ações. Segundo tal autora, aprender é estabelecer relações entre informações, produzindo conhecimento no intento de solucionar problemas de diferentes tipologias. O ensino e a aprendizagem de diferentes saberes na escola só são possíveis se nos situarmos no campo da vida. (OLIVEIRA, 2013)

Antes de iniciarmos a análise propriamente dita das coleções, creio que seja válido apresentar dois importantes marcos retirados do PNLD 2011 que envolveram a classificação de dois dos aspectos das coleções. O primeiro, diz respeito às concepções de história, e o segundo, trata do perfil das coleções. Quanto ao primeiro, as coleções podem ser de história Integrada que são as que tem um agrupamento temático pautado pela evocação da cronologia linear de base europeia integrando-a, quando possível, à abordagem dos temas relativos à história brasileira, africana e americana; ou, de história temática, que são as que ocorre quando os volumes são apresentados não em função de uma cronologia linear, mas por eixos temáticos que problematizam as permanências e transformações temporais, sem, contudo, ignorar a orientação temporal assentada na cronologia. Já o perfil das coleções pode ser classificado em coleção de perfil Informativo que é aquela que busca fornecer informações ao estudante, de modo a constituir uma referência de erudição histórica; coleção de perfil procedimental que pauta pela valorização de aspectos de problematização de fontes, de modo a priorizar a dimensão do procedimento histórico no processo de construção da narrativa e da explicação histórica apresentada aos alunos, e, coleções de complexificação do pensamento, que pauta-se também numa educação histórica para o procedimento histórico e se preocupa com a complexificação da linguagem e/ou alternativas didáticas para o amadurecimento intelectual e afetivo dos estudantes.

Comecemos então a análise das coleções escolhidas. A coleção intitulada Historia - sociedade e cidadania baseia-se na adoção da história integrada e a cronologia prevalece como um elemento articulador da obra. Usa diferentes tipos de fontes, como imagens, fotografias e poemas, mas não as problematizam. Na seção Dialogando busca-se reflexões e empatias históricas e também uma relação entre o conhecimento histórico e suas funções práticas, permitindo reflexões sobre a realidade social, o estabelecimento de pontes entre o passado e o presente e o diálogo com conhecimentos prévios dos alunos. Alguns capítulos, como o capítulo 1 do livro de 9º ano: Africanos no Brasil: dominações e resistência, também dispõem da seção Para Refletir, que traz textos e imagens capazes de gerar questionamentos, como a questão da perda do nome do escravo no embarque para o Brasil.
As atividades, dispostas ao final do capítulo nem sempre integram os conteúdos apresentados no capítulo que acabam sendo trabalhados isoladamente. Apesar de os exercícios propostos buscarem desenvolver múltiplas habilidades, verifica-se que a pesquisa, a ser desenvolvida de forma individual ou em grupo, muitas vezes, é usada para dar conta de conteúdos não abarcados pela coleção como no capítulo 15 do livro de 8º ano, em que se pede para pesquisar em grupos sobre as condições de vida dos trabalhadores rurais empregados no corte e na colheita da cana-de-açucar.
O texto-base, é fácil de compreensão, e é construído sob uma estrutura mais informativa de datas, fatos e nomes e menos argumentativa. Conceitos considerados mais complexos estão marcados em amarelo e explicitados à margem dele.
A questão afrodescendente na atualidade está presente no livro do 8º ano com textos que fazem menções às lutas contra o racismo. Apesar do livro apresentar o negro atualmente, mostra só imagens de negros bem sucedidos no Brasil, como atores, músicos etc.
A história envolvendo escravidão, aparece no 8º através do trabalho nos engenhos e nas senzalas e no do 9º ano através das questões culturais, a travessia, o trabalho, a alimentação, a violência, as resistências e os remanescentes de quilombos.

A segunda coleção é a História em Projetos, que é organizada a partir da proposta de história integrada e a organização de conteúdos é cronológica. As atividades conduzem a aprendizagem colaborativas, isto é, em grupos, e apresentam as temáticas históricas por envolver comparações de temporalidades, semelhanças, diferenças, pontos de vista e construção de inferências, opiniões.
Os capítulos não se organizam a partir de um texto-base, mas de um conjunto de exercícios e problematizações que se pretendem como guias da aprendizagem. É uma coleção que exige muito trabalho do aluno e muito conhecimento do professor, que deverá sempre estar mediando para que o conhecimento seja significativo. Aborda questões atuais e/ou relacionadas à vida do aluno, com a promoção de complexas relações entre presente e passado. Contém diversas fontes históricas como textos, poemas, caricaturas etc, mas não são discutidas sob o ponto de vista de sua abordagem metodológica.
Os capítulos apresentam problematizações que iniciam o tratamento do conteúdo e sondam os conhecimentos prévios dos alunos; traz documentos de cunho explicativo e sequências de atividades que conduzem a leitura e a discussão de aspectos em torno do tema; e incentiva a capacidade de escrita do aluno ao fazer com que eles façam inferências e interpretem fontes diversas.
Os afrodescendentes são abordados como sujeitos históricos no 8º e 9º ano. Não há, pois, sua vitimização ou folclorização, mas o esforço em positivar suas experiências, saberes e bens culturais. E a história envolvendo escravidão, aparece nos 8º e 9º anos. No livro do 8º ano, temos a escravidão na América colonial e no do 9º ano temos o fim do tráfico e a abolição da escravidão, o racismo, o 13 de maio, etc.

A coleção Saber e Fazer Historia se estrutura sobre uma proposta cronológica linear da história integrada. Para estabelecer relações entre o passado e o presente, há proposições na
apresentação dos capítulos. No texto-base predomina a descrição e a apresentação dos conteúdos sem uma devida problematização e reflexão que conduz e a experiência social dos alunos.
As competências de leitura e escrita são estimuladas pela presença de variados gêneros textuais e por meio de atividades que solicitam a produção de diferentes tipos de expressão. As atividades e exercícios produzem diferentes tipos de expressão por serem apresentados de modo variado, sendo, em sua maioria, formulados com clareza e correção.
A questão do afrodescendente, aparece no livro de 9º ano e é focalizado no tratamento da escravização, da exploração, do choque cultural e se dá por meio de um viés essencialmente eurocêntrico. Quando se trata de questões do tempo presente, aborda-se a exclusão social, a destruição das culturas e a desterritorialização. A história envolvendo escravidão, aparece nos 8º e 9º anos. No 8º ano, aparece a questão do trabalho escravo, os castigos, os locais de convívio, o tráfico negreiro, a escravidão na África e as resistências. Na do 9º ano reaparece o fim do tráfico negreiro e a vida dos trabalhadores escravos.

A quarta coleção é a da História em Documento: Imagem e texto, que trata de modo integrado a história tomando por referência a exposição cronológica dos conteúdos. Ela se utiliza de textos da literatura na apresentação dos capítulos, o que favorece o processo de ensino/aprendizagem da História mediante o estímulo à leitura.
O texto-base é informativo e claro, mas não há uma conexão com o tempo presente nem a transposição dos conteúdos para o cotidiano. A relação entre o tempo e a sociedade do aluno e os processos históricos é efetuada de maneira episódica por meio das atividades e das leituras complementares que compõem as seções Saiba Mais e Dossiê.
A valorização do conhecimento prévio do aluno ocorre de maneira restrita e vinculada, em sua maioria, aos exercícios. Há uma grande quantidade de fontes e de textos complementares diversos o que possibilita o desenvolvimento da competência de leitura e de escrita do aluno. Nos capítulos, ocorre o desenvolvimento da temporalidade histórica de modo a reforçar a noção de simultaneidade e da adoção de exercícios e atividades que estimulam a socialização, a percepção da ordenação e sequência dos acontecimentos históricos em diferentes espaços e tempos.
A discussão em torno da situação dos afrodescendentes no Brasil não aparece, o que é preocupante, pois não demonstra uma noção de continuidade e descontinuidade na história. Já o tema escravidão aparece no 8º ano trazendo aspectos da África e do comércio de escravos e a vida dos escravos no Brasil. E no livro do 9º ano, temos os diferentes tipos de trabalhos escravos, o fim do tráfico e a abolição.

Na coleção História da Caverna ao Terceiro Milenio temos uma história integrada e linear. Na apresentação do capítulo, explora-se a relação passado/presente. O texto-base é expositivo, informativo, claro e mostra-se distante daquilo que pauta as atividades complementares. Contudo, as atividades e exercícios com variedades de estratégias contribuem para que os alunos estabeleçam relações entre a vida prática no presente e no passado e que construam um pensamento histórico.
A questão da afrodescendência aparece no 8º e 9º ano, ao se discutir manifestações contra preconceito e desigualdade social. E a história envolvendo escravidão, aparece no 8º ano através da África como um todo, no trabalho escravo, na violência e nas resistências, e, no 9º ano através da abolição.
A sexta coleção analisada chama-se Projeto Radix e é uma coleção organizada a partir de uma proposta de história integrada e linear. Nela há diversas atividades com documentos que incentivam o aluno a ler, escrever, construir interpretação própria e a lidar com a oposição de argumentos, como a seção Trabalhando com documentos. É uma coleção que consegue propor problemas que conectam passado e presente. No texto-base predomina a ênfase em uma narrativa linear, informativa e factual, e, cada capítulo se inicia com um conjunto de imagens (seção Para começar) a partir das quais se problematizam as temáticas a serem trabalhadas.
A temática sobre os afrodescendentes não está pautada nos livros do 8º e 9º ano, o que é algo preocupante, pois acha que o que já deu em anos anteriores não precisa ser retomado. É algo que cai naquela velha história “conteúdo dado é conteúdo aprendido”. Já a história envolvendo escravidão, aparece nos 8º e 9º anos. No 8º ano trata da escravidão na África, do trabalho de escravos nos engenhos, sobre o que é ser escravizado, resistências. No de 9º ano trás o fim do tráfico negreiro e o fim da escravidão.

Já a coleção Historia Tematica adota a perspectiva de história temática que transcende a narrativa linear e factual. O texto-base não é informativo e apresenta situações problematizadoras que instigam a reflexão histórica.
As atividades não estão isoladas no final dos capítulos, mas se integram aos temas tratados, como elemento constitutivo de seu aprendizado. A coleção também explora a comparação de textos e fontes históricas, o que favorece uma atitude formativa e crítica já que há uma variedade de documentos e registros históricos, estratégias de problematização e relacionamento entre passado e presente, incentivo ao debate e à reflexão crítica sobre temas polêmicos e atividades associadas à construção do conhecimento histórico.
A situação dos afrodescendentes na atualidade é trabalhada no 8º ano, onde a temática vincula-se ao reconhecimento constitucional dos afrodescendentes, às terras remanescentes de quilombos e à vida cotidiana desses grupos.
A história da escravidão aparece nos livros do 8º ano discutindo o que é ser escravo e o que é ser livre, a escravidão na atualidade, o que é ser escravizado, a escravidão nas Américas, os quilombos. No livro do 9º ano, a escravidão aparece em um tópico juntamente do tema da cafeicultura e ferrovias informando sobre as leis contrárias à permanência de tal prática.

Por fim, temo a coleção intitulada Projeto Araribá que tem uma narrativa construída a partir de uma visão de história integrada e linear. A coleção tem uma grande diversidade de atividades (comparação, análise, redação) e procura explorar os conhecimentos prévios dos alunos sobre a temática a ser abordada.
Há uma subseção, Compreender um texto, em que se apresentam diferentes tipologias textuais com o objetivo de estimular a competência leitora. A seção Ontem e hoje estabelece conexões entre passado e presente, permanências e transformações. As seções Ciência e tecnologia e Em foco também conduzem à reflexão sobre a realidade do aluno.
A situação dos afrodescentes na atualidade aparece no 8º ano, relacionada à luta por cotas para trabalhadores negros e igualdade de direitos. E a história envolvendo a escravidão, aparece no 8º ano apontando a escravidão africana na América, as feitorias, o trabalho escravo, a casa-grande e a senzala, as resistências, as relações entre senhores e escravos e alguns padrões culturais.

Enfim, de acordo com tais critérios, podemos ver que de modo geral, predomina nos livros didáticos os mesmos conteúdos e de forma geral tendo textos bastante informativos, com raras exceções, como é o caso da História temática. Podemos também observar que na maioria dos livros não tem uma conexão entre quem escreveu o capítulo e quem elaborou as atividades. Isto se deve ao fato de que o livro é uma mercadoria e sofre um processo de produção fordista, em que pessoas diferentes são conntradas para montar o texto ou para montar as atividades. Há ainda o predomínio de uma história tradicional e positivista, apesar de nos livros do 6º ano as coleções proporem seguirem uma história cultural. A maioria das coleções fazem uso de diversas fontes, mas não as problematizam, é como se quisessem só aparentar serem modernas. Enfim, os livros didáticos não mudaram em quase nada e continuam desgarrados da realidade do aluno. Assim, o professor terá um desafio pela frente. Contudo, sabemos que o livro não pode ser totalmente desprezado, pois pelo menos nos nosso primeiros anos de carreira, ficaremos reféns dele. Entretanto, deveremos saber escolher um livro que esteja de acordo com o contexto que estamos inseridos, e se pegarmos um livro totalmente inadequado para o processo de ensino-aprendizagem que pensamos, que saibamos pelo menos usá-lo como uma fonte problematizadora para podermos assim construir uma noção e conhecimento histórico. Em suma, como propõe Matos, só devemos no processo de ensino-aprendizagem tomar o livro didático como um instrumento contributivo, desde que o professor o perceba como um produto da sociedade de consumo e o utilize dentro de seus limites apenas como um recurso e não como um meio pelo qual o ensino-aprendizagem se realiza.

Vale destacar que há uma questão legal - a lei 10.639/03 - que diz respeito aos conteúdos históricos e normativas programáticas quanto ao currículo escolar de História. Essa lei regulamenta a obrigatoriedade do ensino da tématica africana nas escolas públicas e privadas para a educação básica. Vale ressalvar que não há nenhuma lei que trate da obrigatoriedade de algum tema histórico a não ser estas duas. Portanto, o professor tem uma autonomia para conseguir fugir da história europeizante e quadripartida. Vale ressaltar também que tais leis são uma forma política de tais movimentos étnicos de garantirem uma afirmação identitária frente ao exclusivismo que vinha e vem ocorrendo a estes perante ao conjunto da sociedade.

Pereira ressalta que propor algumas temáticas ao campo da História, não era nenhuma novidade, e que muitos docentes, mesmo antes da edição dessa regulamentação legal, já desenvolviam propostas para a desconstrução de estereótipos, permitindo que os alunos construíssem novas concepções acerca dos processos históricos, do significado do advento de novos sujeitos sociais e das interações culturais pautadas pela valorização da pluralidade cultural. A novidade, seria então, a obrigatoriedade de inserir determinados conteúdos históricos presentes de maneira dispersa no campo do ensino de história e de se valorizar temáticas sub-representadas ou abordadas de maneira equivocada para a educação básica, exigida, segundo Pereira, num contexto em que se lutava pela flexibilização curricular e pela afirmação da autonomia docente para a democratização da escola como instituição social. Enfim, com essa lei, segundo Pereira, fica instituído um cenário instigante,heterogêneo e paradoxal, marcado por contradições e com desdobramentos que fazem sentir a emergência das várias e diversas propostas, ações, inquietações e dilemas no campo do ensino de história.

A autora ainda trata no seu texto que tal lei foi seguida pela publicação das “Diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana”, em outubro de 2004, que apresenta dimensões normativas, sugerindo referências, formas de abordagem, conteúdos programáticos e valores para a ação docente, ressalvando um trabalho interdisciplinar e de uma reconfiguração das concepções de história, em sintonia com o pressuposto formativo e educativo da valorização da pluralidade cultural. O texto das “Diretrizes”, segundo Pereira, é estruturado em duas partes: na primeira parte, estão explicitas as questões introdutórias que justificam e fundamentam a promulgação da lei, como a demanda histórica da população afro-descendente pela implementação de políticas de reparação e valorização de sua história, cultura e identidade; a demanda da comunidade afro-brasileira pela valorização e afirmação de direitos; o reconhecimento e o respeito às pessoas negras; a necessidade de uma “reeducação das relações entre negros e brancos”. E na segunda, são apresentadas as orientações e determinações normativas, expressas por meio de três princípios: a consciência política e histórica da diversidade brasileira, o fortalecimento de identidades e de direitos e as ações educativas de combate a discriminações.

Durante o restante do texto, a autora fará algumas considerações sobre a aplicabilidade da lei e de seus impactos na educação básica, em especial na prática docente, que ainda merece uma maior compreensão e problematização devido ao curto espaço de tempo da lei. Contudo, para Pereira, já se podemos identificar na recepção da lei por docentes algumas inquietudes principalmente conceituais, conteudistas, como o que é raça? O que é racismo? O que é anti-racismo? Como posso compreender a história do racismo? E do racismo brasileiro? O que é cultura? O que é identidade? Para a autora, tais questões revelam algumas fragilidades da formação superior em história, indicando, sobretudo, a precariedade da exploração da interdiciplinaridade entre a história, a sociologia e a antropologia e afirma que o profissional de história terá que ter uma compreensão mais substancial sobre o Brasil e enfrentar o desafio de que a compreensão do racismo brasileiro possa, por exemplo, promover ações docentes sustentadas e reflexivas, problematizadoras de situações vivenciadas no cotidiano escolar.
Pereira ainda destaca que há mais algumas inquietudes que são do campo da ação pedagógica e que nos indicam que os impactos da Lei 10.639/03 não recaem somente sobre os conteúdos, mas dizem respeito, também, à compreensão das finalidades do ensino de história e seus desafios, que não são pequenos. A autora afirma que não basta apenas introduzir conteúdos de história e cultura afro-brasileira ou africana para a superação das abordagens históricas europeizantes, mas que temos que promover um ensino-aprendizagem em que tal história não seja dicotomizadas, nem idealizadas, mas compreendidas em sua dinâmica e circularidade.

Pereira, atenta para a questão da identidade e afirma que as diferentes formas de expressão identitária não podem ser vistas como contrapostas ou adversas. Isso não implica tampouco que pelo ensino de história não sejam valorizadas as diferentes culturas, também compreendidas pela reflexão a respeito de suas singularidades. Mas isso não implica transformar o ensino de história numa ação pedagógica que tem por finalidade a formação de consciências identitárias. Enfim, a autora nos diz que com a lei 10.639, está prevista a abordagem da história e cultura afro-brasileira, que muitas vezes é traduzida pela apropriação positivada de componentes distintivos de suas tradições para a composição de um mosaico de registros afro-brasileiros no Brasil contemporâneo, resultando no reforço de um “jeito próprio de ser” do afro-brasileiro, que coloca-os como vítimas e essencialmente importantes para nós, por terem deixados certas tradições.

REFERÊNCIAS

MANFREDI, Sílvia Maria. Metodologia do ensino - diferentes concepções. Campinas, 1993.

MATOS, Júlia Silveira. Os livros didáticos como produtos para o ensino de história: uma análise do plano nacional do livro didático –––– pnld. Historia, Rio Grande, 3 (3): 165-184, 2012.

MATTOZZI, Ivo. Ensenãr a escribir sobre la historia. Enseñanza de las Ciencias Sociales, (Marzo de 2004), pp. 39-48.

MOLINA, Ana Heloisa. Ensino de história e Imagem: possibilidades de pesquisa. In. Domínios da Imagem, MOREIRA, Marco A. Aprendizagem Significativa Subversiva. In: Série Estudos, Periódico do Mestrado em Educação da UCDB, Campo Grande – MT, n.21, jan/jun. 2006.

OLIVEIRA, Sandra Regina Ferreira de. Saberes indisciplinados: os conteúdos da história na escola e as aprendizagens para a vida. Revista História Hoje, v. 2, nº 3, p. 201-216 – 2013.

PRIORI, Angelo. A concepção de história nos manuais ria nos manuais didáticos: uma releitura. História & Ensino, Londrina, 01: 17-22, 1995.

STEPHANOU, Maria. Instaurando Maneiras de Ser, Conhecer e Interpretar. Rev. bras. Hist. v. 18 n. 36 São Paulo , 1998.

TALAMINI, Jaqueline Lesinhovski. O uso do livro didático de história nas séries iniciais do ensino fundamental: a relação dos professores com os conceitos presentes nos manuais. Dissertação – Universidade Federal do Paraná, Programa de Pós- Graduação em Educação, Curitiba, 2009.

Guia de livros didáticos: PNLD 2011. História. – Brasília : Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2010.

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