"Apesar de ilustre, o livro didático é o
primo pobre da literatura, texto para ler e botar fora,
descartável porque anacrônico: ou ele fica superado dados os
progressos da ciência a que se refere ou o estudante o abandona,
por avançar em sua educação." (BATISTA apud TALAMINI,
2009 )
Está citação é bastante interessante para
começarmos este trabalho de análise de livros pois devemos ter em
mente que o livro didático nunca será um best-seller pois ele é
sempre superado e limitado a um tempo e sociedade. Tal trabalho,
surgiu da proposição da análise de coleções de livros didáticos
em que cada grupo da turma de Didática e Ensino de História II,
deveriam escolher um requisito para ser analisado. Tinha-se quatro
opções: historiografia, imagens, metodologia ensino-aprendizagem e
exercícios e atividades. Queríamos fazer sobre a historiografia ou
sobre as imagens, como já haviam sido escolhidos e sobrou como
ultima alternativa a questão do ensino-aprendizagem, ficamos
encarregados de observá-la em tais coleções. Tal questão de ter
sobrado, já é bastante sintomática, pois é uma questão que
muitos não ligam e que poucos pensão, já que se trata de algo tão
complexo. Assim, pensamos bem e tivemos que adentrar num campo
conceitual e pedagógico muito desafiador a nós, que nunca havíamos
pensado em tal prerrogativa.
Feito esta consideração inicial, achamos válido
indicar o nosso movimento de trabalho em torno das coleções. Num
primeiro momento, deixamos livres a análise, e todos leram todos os
livros sem nenhum critério analítico, foi mais um momento de
reconhecimento mesmo do que de análise. Em seguida, buscamos alguns
suportes teóricos, como o PNLD 2011 e textos como o de Sandra
Oliveira e Ivo Matozzi. Após ter realizado a leitura, escolhemos
alguns critérios analíticos sobre o conteúdo e o texto; o
conhecimento, e, se os capítulos permitem a desenvoltura da
competência de leitura e escrita, a partir das seguintes
proposições:
- se as estratégias didáticas da obra, tanto os textos
quantos as atividades e as variadas fontes, favorecem o
desenvolvimento de diferentes habilidades cognitivas tais como
observação, análise, síntese, generalização, comparação; e se
desenvolvem a competência de leitura e escrita do aluno;
- se os textos-bases são: simples e claros,ou longos e
difíceis, ou enxutos e sintéticos, com riqueza de informações ,e
, se buscam fazer pontes com o presente;
- se contribuem para a percepção das relações entre
o conhecimento e suas funções na sociedade e na vida cotidiana;
- se há relação da abordagem dos conteúdos com os
conhecimentos prévios dos alunos.
Escolhemos estes critérios porque os pequenos ensaios
de inquerir ou comparar fontes, confrontar interpretações sobre um
mesmo fato etc, revela o intuito da construção do conhecimento
histórico. O texto por sua vez justifica-se por ser algo central
para a História, porque é dele que depende a qualidade do que
compreendemos e aprendemos sobre historia. Ele é um instrumento
regulador e mediador entre a didática e a organização dos
processos de aprendizagem. E para se ter uma aprendizagem
significativa caracteriza-se pela interação entre um novo
conhecimento e um conhecimento prévio. Nesse processo, que não é
literal e nem arbitrário, o novo conhecimento adquire significados
para o aprendiz e o conhecimento prévio fica mais rico, mais
diferenciado, mais elaborado em termos de significados, e adquire
mais estabilidade.
Buscamos entender também o que é método, que segundo
Manfredi, é uma palavra que vem do latim methodos e significa
caminho para chegar a um fim, no caso específico da educação
escolar, o fim último seria a aprendizagem do aluno. Assim, ao
abordar métodos de ensino e de aprendizagem, trata-se de um caminho
para se chegar ao objetivo proposto. (Manfredi, 1993) Sabendo que
método envolve a questão do ensinar e aprender, usamos o texto de
Sandra Oliveira como suporte teórico para problematizar tais ações.
Segundo tal autora, aprender é estabelecer relações entre
informações, produzindo conhecimento no intento de solucionar
problemas de diferentes tipologias. O ensino e a aprendizagem de
diferentes saberes na escola só são possíveis se nos situarmos no
campo da vida. (OLIVEIRA, 2013)
Antes de iniciarmos a análise propriamente dita das
coleções, creio que seja válido apresentar dois importantes marcos
retirados do PNLD 2011 que envolveram a classificação de dois dos
aspectos das coleções. O primeiro, diz respeito às concepções de
história, e o segundo, trata do perfil das coleções. Quanto ao
primeiro, as coleções podem ser de história Integrada que são as
que tem um agrupamento temático pautado pela evocação da
cronologia linear de base europeia integrando-a, quando possível, à
abordagem dos temas relativos à história brasileira, africana e
americana; ou, de história temática, que são as que ocorre quando
os volumes são apresentados não em função de uma cronologia
linear, mas por eixos temáticos que problematizam as permanências e
transformações temporais, sem, contudo, ignorar a orientação
temporal assentada na cronologia. Já o perfil das coleções pode
ser classificado em coleção de perfil Informativo que é aquela que
busca fornecer informações ao estudante, de modo a constituir uma
referência de erudição histórica; coleção de perfil
procedimental que pauta pela valorização de aspectos de
problematização de fontes, de modo a priorizar a dimensão do
procedimento histórico no processo de construção da narrativa e da
explicação histórica apresentada aos alunos, e, coleções de
complexificação do pensamento, que pauta-se também numa educação
histórica para o procedimento histórico e se preocupa com a
complexificação da linguagem e/ou alternativas didáticas para o
amadurecimento intelectual e afetivo dos estudantes.
Comecemos então a análise das coleções escolhidas.
A coleção intitulada Historia - sociedade e cidadania
baseia-se na adoção da história integrada e a cronologia prevalece
como um elemento articulador da obra. Usa diferentes tipos de fontes, como imagens,
fotografias e poemas, mas não as problematizam. Na seção
Dialogando busca-se reflexões e empatias históricas e também
uma relação entre o conhecimento histórico e suas funções
práticas, permitindo reflexões sobre a realidade social, o
estabelecimento de pontes entre o passado e o presente e o diálogo
com conhecimentos prévios dos alunos. Alguns capítulos, como o
capítulo 1 do livro de 9º ano: Africanos no Brasil: dominações
e resistência, também dispõem da seção Para Refletir,
que traz textos e imagens capazes de gerar questionamentos, como a
questão da perda do nome do escravo no embarque para o Brasil.
As atividades, dispostas ao final do capítulo nem
sempre integram os conteúdos apresentados no capítulo que acabam
sendo trabalhados isoladamente. Apesar de os exercícios propostos
buscarem desenvolver múltiplas habilidades, verifica-se que a
pesquisa, a ser desenvolvida de forma individual ou em grupo, muitas
vezes, é usada para dar conta de conteúdos não abarcados pela
coleção como no capítulo 15 do livro de 8º ano, em que se pede
para pesquisar em grupos sobre as condições de vida dos
trabalhadores rurais empregados no corte e na colheita da
cana-de-açucar.
O texto-base, é fácil de compreensão, e é
construído sob uma estrutura mais informativa de datas, fatos e
nomes e menos argumentativa. Conceitos considerados mais complexos
estão marcados em amarelo e explicitados à margem dele.
A questão afrodescendente na atualidade está presente
no livro do 8º ano com textos que fazem menções às lutas contra o
racismo. Apesar do livro apresentar o negro atualmente, mostra só
imagens de negros bem sucedidos no Brasil, como atores, músicos etc.
A história envolvendo escravidão, aparece no 8º
através do trabalho nos engenhos e nas senzalas e no do 9º ano
através das questões culturais, a travessia, o trabalho, a
alimentação, a violência, as resistências e os remanescentes de
quilombos.
A segunda coleção é a História em Projetos,
que é organizada a partir da proposta de história integrada e a
organização de conteúdos é cronológica. As atividades conduzem a
aprendizagem colaborativas, isto é, em grupos, e apresentam as
temáticas históricas por envolver comparações de temporalidades,
semelhanças, diferenças, pontos de vista e construção de
inferências, opiniões.
Os capítulos não se organizam a partir de um
texto-base, mas de um conjunto de exercícios e problematizações
que se pretendem como guias da aprendizagem. É uma coleção que
exige muito trabalho do aluno e muito conhecimento do professor, que
deverá sempre estar mediando para que o conhecimento seja
significativo. Aborda questões atuais e/ou relacionadas à vida
do aluno, com a promoção de complexas relações entre
presente e passado. Contém diversas fontes históricas como textos,
poemas, caricaturas etc, mas não são discutidas sob o ponto de
vista de sua abordagem metodológica.
Os capítulos apresentam problematizações que iniciam
o tratamento do conteúdo e sondam os conhecimentos prévios dos
alunos; traz documentos de cunho explicativo e sequências de
atividades que conduzem a leitura e a discussão de aspectos em torno
do tema; e incentiva a capacidade de escrita do aluno ao fazer com
que eles façam inferências e interpretem fontes diversas.
Os afrodescendentes são abordados como sujeitos
históricos no 8º e 9º ano. Não há, pois, sua vitimização ou
folclorização, mas o esforço em positivar suas experiências,
saberes e bens culturais. E a história envolvendo escravidão,
aparece nos 8º e 9º anos. No livro do 8º ano, temos a escravidão
na América colonial e no do 9º ano temos o fim do tráfico e a
abolição da escravidão, o racismo, o 13 de maio, etc.
A coleção Saber e Fazer Historia se estrutura
sobre uma proposta cronológica linear da história integrada. Para
estabelecer relações entre o passado e o presente, há proposições
na
apresentação dos capítulos. No texto-base predomina a
descrição e a apresentação dos conteúdos sem uma devida
problematização e reflexão que conduz e a experiência social dos
alunos.
As competências de leitura e escrita são estimuladas
pela presença de variados gêneros textuais e por meio de atividades
que solicitam a produção de diferentes tipos de expressão. As
atividades e exercícios produzem diferentes tipos de expressão por
serem apresentados de modo variado, sendo, em sua maioria, formulados
com clareza e correção.
A questão do afrodescendente, aparece no livro de 9º
ano e é focalizado no tratamento da escravização, da exploração,
do choque cultural e se dá por meio de um viés essencialmente
eurocêntrico. Quando se trata de questões do tempo presente,
aborda-se a exclusão social, a destruição das culturas e a
desterritorialização. A história envolvendo escravidão, aparece
nos 8º e 9º anos. No 8º ano, aparece a questão do trabalho
escravo, os castigos, os locais de convívio, o tráfico negreiro, a
escravidão na África e as resistências. Na do 9º ano reaparece o
fim do tráfico negreiro e a vida dos trabalhadores escravos.
A quarta coleção é a da História em Documento:
Imagem e texto, que
trata de modo integrado a história tomando por referência a
exposição cronológica dos conteúdos. Ela se utiliza de textos da
literatura na apresentação dos capítulos, o que favorece o
processo de ensino/aprendizagem da História mediante o estímulo à
leitura.
O texto-base é informativo e claro, mas não há uma
conexão com o tempo presente nem a transposição dos conteúdos
para o cotidiano. A relação entre o tempo e a sociedade do aluno e
os processos históricos é efetuada de maneira episódica por meio
das atividades e das leituras complementares que compõem as seções
Saiba Mais e Dossiê.
A valorização do conhecimento prévio do aluno ocorre
de maneira restrita e vinculada, em sua maioria, aos exercícios. Há
uma grande quantidade de fontes e de textos complementares diversos o
que possibilita o desenvolvimento da competência de leitura e de
escrita do aluno. Nos capítulos, ocorre o desenvolvimento da
temporalidade histórica de modo a reforçar a noção de
simultaneidade e da adoção de exercícios e atividades que
estimulam a socialização, a percepção da ordenação e sequência
dos acontecimentos históricos em diferentes espaços e tempos.
A discussão em torno da situação dos
afrodescendentes no Brasil não aparece, o que é preocupante, pois
não demonstra uma noção de continuidade e descontinuidade na
história. Já o tema escravidão aparece no 8º ano trazendo
aspectos da África e do comércio de escravos e a vida dos escravos
no Brasil. E no livro do 9º ano, temos os diferentes tipos de
trabalhos escravos, o fim do tráfico e a abolição.
Na coleção História da Caverna ao Terceiro
Milenio temos uma
história integrada e linear. Na apresentação do capítulo,
explora-se a relação passado/presente. O texto-base é expositivo,
informativo, claro e mostra-se distante daquilo que pauta as
atividades complementares. Contudo, as atividades e exercícios com
variedades de estratégias contribuem para que os alunos estabeleçam
relações entre a vida prática no presente e no passado e que
construam um pensamento histórico.
A questão da afrodescendência aparece no 8º e 9º
ano, ao se discutir manifestações contra preconceito e desigualdade
social. E a história envolvendo escravidão, aparece no 8º ano
através da África como um todo, no trabalho escravo, na violência
e nas resistências, e, no 9º ano através da abolição.
A sexta coleção analisada chama-se Projeto Radix e é
uma coleção organizada a partir de uma proposta de história
integrada e linear. Nela há diversas atividades com documentos que
incentivam o aluno a ler, escrever, construir interpretação
própria e a lidar com a oposição de argumentos, como a seção
Trabalhando com documentos. É uma coleção que consegue propor
problemas que conectam passado e presente. No texto-base predomina a
ênfase em uma narrativa linear, informativa e factual, e, cada
capítulo se inicia com um conjunto de imagens (seção Para
começar) a partir das quais se problematizam as temáticas a
serem trabalhadas.
A temática sobre os afrodescendentes não está
pautada nos livros do 8º e 9º ano, o que é algo preocupante, pois
acha que o que já deu em anos anteriores não precisa ser retomado.
É algo que cai naquela velha história “conteúdo dado é conteúdo
aprendido”. Já a história envolvendo escravidão, aparece nos 8º
e 9º anos. No 8º ano trata da escravidão na África, do trabalho
de escravos nos engenhos, sobre o que é ser escravizado,
resistências. No de 9º ano trás o fim do tráfico negreiro e o fim
da escravidão.
Já a coleção Historia Tematica adota
a perspectiva de história temática que transcende a narrativa
linear e factual. O texto-base não é informativo e apresenta
situações problematizadoras que instigam a reflexão histórica.
As atividades não estão isoladas no final dos
capítulos, mas se integram aos temas tratados, como elemento
constitutivo de seu aprendizado. A coleção também explora a
comparação de textos e fontes históricas, o que favorece uma
atitude formativa e crítica já que há uma variedade de documentos
e registros históricos, estratégias de problematização e
relacionamento entre passado e presente, incentivo ao debate e à
reflexão crítica sobre temas polêmicos e atividades associadas à
construção do conhecimento histórico.
A situação dos afrodescendentes na atualidade é
trabalhada no 8º ano, onde a temática vincula-se ao reconhecimento
constitucional dos afrodescendentes, às terras remanescentes de
quilombos e à vida cotidiana desses grupos.
A história da escravidão aparece nos livros do 8º
ano discutindo o que é ser escravo e o que é ser livre, a
escravidão na atualidade, o que é ser escravizado, a escravidão
nas Américas, os quilombos. No livro do 9º ano, a escravidão
aparece em um tópico juntamente do tema da cafeicultura e ferrovias
informando sobre as leis contrárias à permanência de tal prática.
Por fim, temo a coleção intitulada Projeto Araribá
que tem uma narrativa construída a partir de uma visão de história
integrada e linear. A coleção tem uma grande diversidade de
atividades (comparação, análise, redação) e procura explorar os
conhecimentos prévios dos alunos sobre a temática a ser abordada.
Há uma subseção, Compreender um texto, em que
se apresentam diferentes tipologias textuais com o objetivo de
estimular a competência leitora. A seção Ontem e hoje
estabelece conexões entre passado e presente, permanências e
transformações. As seções Ciência e tecnologia e Em
foco também conduzem à reflexão sobre a realidade do aluno.
A situação dos afrodescentes na atualidade aparece no
8º ano, relacionada à luta por cotas para trabalhadores negros e
igualdade de direitos. E a história envolvendo a escravidão,
aparece no 8º ano apontando a escravidão africana na América, as
feitorias, o trabalho escravo, a casa-grande e a senzala, as
resistências, as relações entre senhores e escravos e alguns
padrões culturais.
Enfim, de acordo com tais critérios, podemos ver que
de modo geral, predomina nos livros didáticos os mesmos conteúdos e
de forma geral tendo textos bastante informativos, com raras
exceções, como é o caso da História temática. Podemos também
observar que na maioria dos livros não tem uma conexão entre quem
escreveu o capítulo e quem elaborou as atividades. Isto se deve ao
fato de que o livro é uma mercadoria e sofre um processo de produção
fordista, em que pessoas diferentes são conntradas para montar o
texto ou para montar as atividades. Há ainda o predomínio de uma
história tradicional e positivista, apesar de nos livros do 6º ano
as coleções proporem seguirem uma história cultural. A maioria das
coleções fazem uso de diversas fontes, mas não as problematizam, é
como se quisessem só aparentar serem modernas. Enfim, os livros
didáticos não mudaram em quase nada e continuam desgarrados da
realidade do aluno. Assim, o professor terá um desafio pela frente.
Contudo, sabemos que o livro não pode ser totalmente desprezado,
pois pelo menos nos nosso primeiros anos de carreira, ficaremos
reféns dele. Entretanto, deveremos saber escolher um livro que
esteja de acordo com o contexto que estamos inseridos, e se pegarmos
um livro totalmente inadequado para o processo de ensino-aprendizagem
que pensamos, que saibamos pelo menos usá-lo como uma fonte
problematizadora para podermos assim construir uma noção e
conhecimento histórico. Em suma, como propõe Matos, só devemos no
processo de ensino-aprendizagem tomar o livro didático como um
instrumento contributivo, desde que o professor o perceba como um
produto da sociedade de consumo e o utilize dentro de seus limites
apenas como um recurso e não como um meio pelo qual o
ensino-aprendizagem se realiza.
Vale destacar que há uma questão legal - a lei
10.639/03 - que diz respeito aos conteúdos históricos e normativas
programáticas quanto ao currículo escolar de História. Essa lei
regulamenta a obrigatoriedade do ensino da tématica africana nas
escolas públicas e privadas para a educação básica. Vale
ressalvar que não há nenhuma lei que trate da obrigatoriedade de
algum tema histórico a não ser estas duas. Portanto, o professor
tem uma autonomia para conseguir fugir da história europeizante e
quadripartida. Vale ressaltar também que tais leis são uma forma
política de tais movimentos étnicos de garantirem uma afirmação
identitária frente ao exclusivismo que vinha e vem ocorrendo a estes
perante ao conjunto da sociedade.
Pereira ressalta que propor algumas temáticas ao campo da História,
não era nenhuma novidade, e que muitos docentes, mesmo antes da
edição dessa regulamentação legal, já desenvolviam propostas
para a desconstrução de estereótipos, permitindo que os alunos
construíssem novas concepções acerca dos processos históricos, do
significado do advento de novos sujeitos sociais e das interações
culturais pautadas pela valorização da pluralidade cultural. A
novidade, seria então, a obrigatoriedade de inserir determinados
conteúdos históricos presentes de maneira dispersa no campo do
ensino de história e de se valorizar temáticas sub-representadas ou
abordadas de maneira equivocada para a educação básica, exigida,
segundo Pereira, num contexto em que se lutava pela flexibilização
curricular e pela afirmação da autonomia docente para a
democratização da escola como instituição social. Enfim, com essa
lei, segundo Pereira, fica instituído um cenário
instigante,heterogêneo e paradoxal, marcado por contradições e com
desdobramentos que fazem sentir a emergência das várias e diversas
propostas, ações, inquietações e dilemas no campo do ensino de
história.
A autora ainda trata no seu texto que tal lei foi seguida pela
publicação das “Diretrizes curriculares nacionais para a educação
das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura
afro-brasileira e africana”, em outubro de 2004, que apresenta
dimensões normativas, sugerindo referências, formas de abordagem,
conteúdos programáticos e valores para a ação docente,
ressalvando um trabalho interdisciplinar e de uma reconfiguração
das concepções de história, em sintonia com o pressuposto
formativo e educativo da valorização da pluralidade cultural. O
texto das “Diretrizes”, segundo Pereira, é estruturado em duas
partes: na primeira parte, estão explicitas as questões
introdutórias que justificam e fundamentam a promulgação da lei,
como a demanda histórica da população afro-descendente pela
implementação de políticas de reparação e valorização de sua
história, cultura e identidade; a demanda da comunidade
afro-brasileira pela valorização e afirmação de direitos; o
reconhecimento e o respeito às pessoas negras; a necessidade de uma
“reeducação das relações entre negros e brancos”. E na
segunda, são apresentadas as orientações e determinações
normativas, expressas por meio de três princípios: a consciência
política e histórica da diversidade brasileira, o fortalecimento de
identidades e de direitos e as ações educativas de combate a
discriminações.
Durante o restante do texto, a autora fará algumas considerações
sobre a aplicabilidade da lei e de seus impactos na educação
básica, em especial na prática docente, que ainda merece uma maior
compreensão e problematização devido ao curto espaço de tempo da
lei. Contudo, para Pereira, já se podemos identificar na recepção
da lei por docentes algumas inquietudes principalmente conceituais,
conteudistas, como o que é raça? O que é racismo? O que é
anti-racismo? Como posso compreender a história do racismo? E do
racismo brasileiro? O que é cultura? O que é identidade? Para a
autora, tais questões revelam algumas fragilidades da formação
superior em história, indicando, sobretudo, a precariedade da
exploração da interdiciplinaridade entre a história, a sociologia
e a antropologia e afirma que o profissional de história terá que
ter uma compreensão mais substancial sobre o Brasil e enfrentar o
desafio de que a compreensão do racismo brasileiro possa, por
exemplo, promover ações docentes sustentadas e reflexivas,
problematizadoras de situações vivenciadas no cotidiano escolar.
Pereira ainda destaca que há mais algumas inquietudes que são do
campo da ação pedagógica e que nos indicam que os impactos da Lei
10.639/03 não recaem somente sobre os conteúdos, mas dizem
respeito, também, à compreensão das finalidades do ensino de
história e seus desafios, que não são pequenos. A autora afirma
que não basta apenas introduzir conteúdos de história e cultura
afro-brasileira ou africana para a superação das abordagens
históricas europeizantes, mas que temos que promover um
ensino-aprendizagem em que tal história não seja dicotomizadas, nem
idealizadas, mas compreendidas em sua dinâmica e circularidade.
Pereira, atenta para a questão da identidade e afirma
que as diferentes formas de expressão identitária não podem ser
vistas como contrapostas ou adversas. Isso não implica tampouco que
pelo ensino de história não sejam valorizadas as diferentes
culturas, também compreendidas pela reflexão a respeito de suas
singularidades. Mas isso não implica transformar o ensino de
história numa ação pedagógica que tem por finalidade a formação
de consciências identitárias. Enfim, a autora nos diz que com a lei
10.639, está prevista a abordagem da história e cultura
afro-brasileira, que muitas vezes é traduzida pela apropriação
positivada de componentes distintivos de suas tradições para a
composição de um mosaico de registros afro-brasileiros no Brasil
contemporâneo, resultando no reforço de um “jeito próprio de
ser” do afro-brasileiro, que coloca-os como vítimas e
essencialmente importantes para nós, por terem deixados certas
tradições.
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PRIORI, Angelo. A concepção de história nos
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STEPHANOU, Maria. Instaurando Maneiras de Ser,
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TALAMINI, Jaqueline Lesinhovski. O uso do livro
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Dissertação – Universidade Federal do Paraná, Programa de Pós-
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Guia de livros didáticos: PNLD 2011. História.
– Brasília : Ministério da Educação, Secretaria de Educação
Básica, 2010.
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