O texto de Guacira Lopes inicia-se citando Nísia
Floresta, a “ mulher metida a homem”, que em pleno século XIX
denunciava a condição de submissão das mulheres e reivindicava sua
emancipação através da educação para contextualizar a concepção
que se tinha de educação em tal contexto. A educação não era
igual para as meninas e meninos, havia professores para os meninos e
professoras para as meninas, e eles deveriam estudar em salas ou até
turnos diferentes. Os meninos deveriam saber geometria e as meninas
bordar e costurar, e o ensino de geometria causaria um salário
desigual no futuro. Os professores por sua vez deveriam ter uma moral
inabalável e inatacável, e as suas casas ambientes deveriam ser
decentes e saudáveis.
A autora também chamará a nossa atenção para as
concepções de educação feminina pelos imigrantes e ordens
religiosas que se aproximavam em muito da dos luso-brasileiros.
Contudo, em alguns grupos socialistas e anarquistas, se dava atenção
às questões da educação feminina ligada à idéia de que com a
instrução a mulher se libertaria. Enfim, as concepções e formas
de educação das mulheres eram diversas e estabeleciam relações
atravessadas por suas segmentações. Porém, parecia haver um
consenso de que as mulheres deveriam ser educadas e não só
instruídas, isto é, a formação de maior relevância seria a moral
sólida e dos bons princípios já que seu destino era de esposa e
mãe.
Segundo Guacira, as últimas décadas do século XIX
apontam uma necessidade de educação para a mulher vinculando-a à
modernização da sociedade, à higienização da família, à
construção da cidadania dos jovens, a controlar seus homens e
formar os novos trabalhadores e trabalhadoras do país. A autora
destaca que para muitos, a educação feminina não poderia estar
desvinculada de uma sólida formação cristã e de uma moral
religiosa que apontava uma representação das mulheres de Eva ou
Maria, onde as jovens moças deveriam se espelhar na pureza da Virgem
apelando assim para a missão da maternidade e para a manutenção da
pureza feminina. Enfim, se criava um ideal feminino que implicava o
recato e o pudor, a busca pela perfeição moral, a aceitação de
sacrifícios, a ação educadora dos filhos e filhas. E que para
outros ligados aos ideais positivistas e cientificistas, a educação
feminina, ainda ligado à função materna e as concepções
relativas à essência do que se entendia como feminino, deveria
incorporar as ciências que tratavam das tradicionais ocupações
femininas.
Guacira depois nos falará da criação das escolas
normais. Estas instituições foram criadas para ambos os sexos, mas
a atividade docente era exercida majoritariamente por homens, mas
agora, em meados do XIX, as mulheres também se tornavam necessárias.
As escolas normais passariam a formar mais mulheres do que homens,
que começaram a procurar outros tipos de empregos e salários mais
autos, acarretando assim numa feminização do magistério. Contudo,
este processo não se deu sem posturas favoráveis ou contrárias.
Para alguns, como Tito Livio de Castro, era uma insensatez entregar
às mulheres despreparadas e de pouca inteligência a educação das
crianças. Outros afirmavam que a mulher tinha por natureza uma
inclinação para o trato das crianças, e, se o destino da mulher
era a maternidade, bastaria pensar que o magistério representava a
extensão da maternidade e era representado como uma atividade de
amor, entrega e adoção. Tal discurso, segundo a autora, justificava
a saída dos homens das salas de aula e legitimava a entrada das
mulheres nas escolas. É a partir daí que se passam a ser associados
ao magistério características tidas como tipicamente femininas:
paciência, minuciosidade, afetividade, doação, e a reforçar a
idéia de que o magistério era um sacerdócio e não uma profissão,
constituindo a imagem das professoras como trabalhadoras dóceis,
dedicadas e pouco reivindicadoras.
Com uma feminização do magistério, fazia-se supor
que as escolas de meninos estariam sem mestres, e a solução seria
permitir que as mulheres lhes dessem aulas, mas teria que
salvaguardar a sexualidade dos meninos e das professoras que
normalmente se vestiam de forma assexuada. Também para a mulher sair
de casa, o que era um risco, o trabalho era só de um turno e
transitório, para não afastar a mulher da vida domiciliar, dos
deveres domésticos, da alegria da maternidade, da pureza do lar, o
que de certa forma, contribuía para que os seus salários fossem
baixos e complementares ao do marido que era o provedor da casa.
Enfim, o casamento e a maternidade eram incompatíveis com a vida
profissional feminina e o trabalho de modelo religioso de de metáfora
materna porque exigia dedicação, disponibilidade,
humildade-submissão, abnegação-sacrifício, só seria aceitável
para as moças solteiras até o momento do casamento, ou para as
mulheres que ficassem só. A incompatibilidade do trabalho com o
casamento e a maternidade se justificava pois a condição de casada
poderia resultar numa fonte de indagação das crianças e jovens
sobre a vida afetiva e sexual da professora, num ambiente, que
procurava negar a sexualidade. A sexualidade das professoras ainda
podiam ser representadas como elas sendo homossexuais, pois as
mulheres que tomassem iniciativas que contrariassem as normas, que
fossem mais instruídas ou que ganhassem o seu próprio sustento eram
percebidas como desviantes, como mulheres metidas a homem, como
mulher-homem.
A autora tratará ainda da questão das instituições
estarem voltadas para uma transformação das meninas/ mulheres em
professoras. Assim, os arranjos físicos, do tempo e do espaço
escolares, estão informando e formando como ser ou agir, enfim,
institui em sua materialidade um sistema de valores, como ordem
disciplina e vigilância. Uma série de rituais e símbolos,
doutrinas e normas foram mobilizados para a produção dessas
mulheres professoras. Ensinava-se um modo adequado de se portar e
comportar, de falar, escrever e argumentar, que se constituíam num
conjunto de critérios que elas carregariam para além da escola. As
professoras tinham a responsabilidade de se manterem acima do
comportamento comum, isto é, se viram obrigadas a um estrito
controle sobre seus desejos, falas, gestos e atitudes e tinham na
sociedade o fiscal e censor de suas ações.
No fim do século XIX, as professoras passam a aprender
coisas relacionadas ao afeto, e que ficavam restritas ao lar, mas as
escolas reelaboravam tais saberes e habilidades, que poderiam
contribuir para a formação da moderna mestra e ser um estágio
preparatório para o casamento e a maternidade. A profissão ainda
mantinha laços com suas origens religiosas. Guacira ressaltará
também o papel das mulheres como dirigentes de instituições leigas
ou religiosas , onde assumiam o papel de uma mãe-zeladora de tudo e
todos. Contudo, nas escolas públicas tal papel cabia ao homem que
era referencia de poder e firmeza nas decisões.
O magistério se apresentava com a alternativa mais
viável ao casamento e ser professora estava associada à imagem da
mulher pouco graciosa, da solteirona retraída. Na parte sobre o jogo
das representações, a autora afirma que as representações, que se
constituíam e mudavam, de professoras tiveram um papel importante na
construção da professora, fabricando professoras e dando sentido ao
que era e ao que é ser professora. Portanto, é possível
compreender que a moça que se achava feia e retraída percebia-se
atraída para o magistério já que existia uma compreensão social
de que ele era uma função adequada para mulheres e na aproximação
dessa função à maternidade. Assim, para aquelas em que a
maternidade parecia estar impossível, estariam cumprindo sua função
feminina ao se tornarem, como professoras, mães espirituais de seus
alunos. Todavia, a representação da professora solteirona é,
então, adequada para justificar a completa entrega das mulheres à
atividade docente, ao caráter de doação e de desprofissionalização
da atividade. A professora solteirona também poderia ser
representada como uma figura severa cuja afetividade estava
escondida. As caricaturas retratam isto e representa-nas como
mulheres sem atrativos físicos, quase bruxas, munidas de uma vara
para apontar para o quadro-negro, de óculos. Tudo isso para retirar
da mulher uma imagem de que é frágil e propensa aos sentimentos.
Neste contexto, a professora tinha que evitar o mínimo de contato
com os alunos. Mas, quando o discurso sobre a escola passa a
valorizar um ambiente prazeroso, também a figura da professora passa
a ser representada como sorridente e mais próximos dos alunos.
Ao longo do século XX, segundo Guacira, as professoras
e normalistas foram se transformando e se constituindo educadoras,
depois profissionais do ensino, para alguns tias, para outros,
trabalhadoras da educação. Nas primeiras décadas do século eram
chamadas de professorinhas e normalistas fazendo referência às
jovens recém-formadas. Já o magistério primário já era então
demarcado como um lugar de mulher. Com as teorias psicológicas e
sociológicas, temos a representação da professora como educadora
que fornecia apoio afetivo, emocional e intelectual à criança. Já
na ditadura, havia a tendência de se substituir a mãe-espiritual
pela da profissional do ensino, cujo profissional era imbuído de
tarefas burocráticas, de ordem administrativa e de controle, com
ação didática mais técnica, eficiente e produtiva. A
reivindicação da profissionalização se constituía como uma forma
das mulheres professoras lutarem por salários iguais aos dos homens.
Esse argumento ia contra a concepção do magistério como extensão
das atividade maternais. Mas de qualquer modo também haveria
resistências a essa nova concepção. Por um lado, como reafirmação
da afetividade e de sua importância central na atividade docente,
muitos dos professores e professoras passam a utilizar “tia” para
denominar professora, se por um lado aumentava as características
familiares, por outro lado promoviam um anonimato da professora. Uma
outra forma de resistência estaria se dando num processo de
proletarização da categoria docente que estaria ligada na acentuada
queda de salários, e os professores, iriam procurar buscar formas de
lutas também semelhantes às dos operários, como os sindicatos,
greves e manifestações públicas de maior visibilidade. Apesar dos
sindicatos serem formados em grande maioria por mulheres, os homens
também passariam a fazer parte dele. As greves são práticas
sociais novas e a adesão ou não a essa forma de luta não se dá de
modo fácil.
Para concluir, não se pode compreender a história de
como as mulheres ocuparam as salas de aula sem notar que essa foi uma
história que se deu também no terreno das relações de gênero e
de relações sociais de poder. Assim, todos são ainda controlados e
controladores capazes de resistir e de se submeter, e pensar as
mulheres professoras apenas como subjugadas talvez empobreça
demasiadamente sua história já que mesmo quando tentaram
silenciá-las, elas foram capazes de engendrar discursos
discordantes, construir resistências e subverter comportamentos.
Construir uma história as avessas também significaria reduzir e
idealizar as trajetórias daquelas professoras que foram
revolucionárias. Assim, não houve uma homogeneização das mulheres
professoras, se construindo por meio e em meio a discursos e práticas
que elas acabaram por se produzir como professoras ideais e ou
desviantes, como mulheres ajustadas e ou inadaptadas. Enfim, o
magistério surgiu como sendo algo vocacional, sacerdotal. Chegar ao
status de profissão foi uma luta contra os preconceitos que
envolviam a mentalidade da época e o discurso que pensava a mulher
unicamente com função gestora e do lar. Hoje em dia, ser professor
ainda evoca tal concepção antiquada, mas sabemos que somos
profissionais e que não fazemos isto por amor, mas, como
desenvolvedores de uma atividade educativa para a formação crítica
dos alunos e alunas. Enfim, este texto faz uma trajetória histórica
de como surgiu a feminização do magistério até a sua concepção
de profissionalização.
Excelente, esse resumo realmente dá uma visão bem panorâmica sobre a obra. Me ajudou na pesquisa, muito obrigado.
ResponderExcluirBom.
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