Vamos falar a respeito de dois
textos que se relacionam e se articulam pela discussão a respeito da
História. São dois textos produzidos em períodos diferentes, por
pessoas diferentes, mas com idéias semelhantes e questões
absolutamente instigantes. O primeiro texto é de Joaquín Prats,
professor da Universidad de Barcelona, produzido em 2005 e se chama
“Ensinar
História no contexto das Ciências Sociais: princípios básicos”.
O outro texto que lemos até o capítulo II e é um clássico do
historiador Marc Bloch, escrito no inicio da década de 40, em um
campo de concentração, que traz consigo toda uma carga de
sentimentos e emoções do que ele viveu na época mas mesmo assim,
Bloch continuou escrevendo de forma inteligente, sensível, cidadã,
erudita e com fome de saber, de compreender e de explicar, o que é
típico de um bom historiador.
O texto do Bloch, vem com uma peculiaridade: ele não terminou de
ser escrito pelo seu autor. Ainda nesta edição que li, que é de
1997, o texto original é comentado pelo seu filho Étienne Bloch,
que faz questão de publicar os textos originais do pai fazendo
algumas indicações ao longo do texto, pois na edição de Febvre,
foram suprimidas e acrescentadas algumas partes. Mas qual seria a
importância desse livro para nós historiadores? Este livro,
segundo Le Goff, “trata-se de um tema sério, abordado em uma
situação dramática”, e, nos leva a refletir sobre método,
objetos e documentação histórica que revolucionou a
historiografia. Marc, merece todo o nosso respeito e reconhecimento,
pois este texto é fruto de seu empenho, dedicação e erudição que
não podendo contar com uma biblioteca à sua disposição retirou
tudo da sua cabeça e nos deixou esta obra extremamente original e
instigante.
Como não podemos começar a casa do telhado, também acho que não
posso começar o texto sem antes refletir sobre o título. O título
original era “Apologia da história ou como e por que trabalha um
historiador” e fora traduzido como “Introdução à história”.
Perceba a mudança até mesmo de sentido. Na primeira, sentimos uma
potencialidade maior sobre a ciência histórica, já na segunda, e
faço uso da feliz expressão de Sonia Miranda, foi um “estupro”
do que Bloch queria nos dizer, perdendo esta força que nos chama a
atenção para a temática. Entretanto, seguindo a idéia do título
original, o que o autor pretende é fazer uma defesa da história,
defendendo-a dos historiadores positivistas e de si mesma ao
transcender a barreira que a separa de outras ciências. Porém, Marc
Bloch não se contenta apenas em definir a história e o ofício de
historiador, mas quer também assinalar o que deve ser a história e
como deve trabalhar o historiador. A história poderia dialogar com
as demais ciências, mas não podia se (con)fundir com elas.
Bloch, desenvolverá, ao longo do texto, reflexões importantes
sobre uma determinada forma de história, contudo, ele não veio para
esgotar e dar respostas diretas à indagações e problemas que os
historiadores enfrentam como dilemas ao longo de sua formação e
profissionalização.
Como havia dito antes, lemos apenas até o segundo capítulo do
livro. Como ponto de partida, Marc Bloch toma a decisão de iniciar o
seu texto com a interrogação de seu filho, possivelmente Étienne,
que lhe pergunta para que serve a história. É claro que esta
pergunta tem um sentido e ao respondê-la fica implícito entrelinhas
a obrigação que o historiador tem de difundir e explicar seja para
os doutos seja para os escolares. Ao decorrer do texto, ele
responderá que a história é busca, pesquisa e, portanto, escolha,
e, que o seu objeto de estudo não é o passado mas os homens no
tempo. Assim, para ele, a história é a ciência do tempo e da
mudança. O tempo para Bloch é o meio e a matéria concreta da
história, e, oscila entre o que Fernand Braudel denominou de "
longa duração" e o que Bloch chamou de "momento",
tendo como mediadora, a "tomada de consciência". Enfim, o
tempo da história para Bloch, é um tempo que escapa à
uniformidade.
Uma questão que chama a atenção na introdução, é a expressão
"legitimidade da história", que parece demonstrar que para
ele o problema epistemológico da história não é apenas um
problema intelectual e científico, mas também um problema cívico
e moral, assim como, ele também afirma que o ensino de história é
importante para os historiadores, pois a escola seria o lugar onde se
forma a consciência histórica coletiva e até uma boa
historiografia.
Bloch com esta visão aprofundada e alargada vai criticar os
positivistas que marginalizam a história pensando que a defendem ao
proporem a observação pelos fatos, pela verdade histórica, etc,
fazendo com que ela, como disciplina, possa cair em descrédito e
desaparecer da civilização se os historiadores não tiverem
atentos. Para ele, o historiador tem que ter o homem por inteiro e
tem que ter fome de homens(faz uma analogia ao bicho papão)
encontrando eles nos seus testemunhos(os documentos, as fontes
históricas). Contudo, depois dessa consideração, ele falará uma
das virtudes da história: ela "distrai". Depois ele dirá
que por gosto, o historiador, faz uma boa história e a ensina.
Também ele nos dá um belo conselho, para evitarmos a retirada da
parte poética de nossa ciência. Contudo, vale ressalvar que a
história é um tratado científico de método e não uma filosofia
ou literatura barata, e, para Bloch, para a história ser vista como
ciência, ela deve propor, "uma classificação racional e uma
progressiva inteligibilidade" e deve progredir não podendo
parar.
É válido chamar a atenção para um problema relacionado ao tempo,
em que tal concepção citada no texto, implica a renúncia ao "mito
das origens", que alguns historiadores tanto se apegam, segundo
a qual "as origens são um começo que se explica".
Contudo, para Bloch, o passado não se justifica como origem, e ele
combate isto com todas as suas forças, já que ele acredita que a
história se modifica na relação no tempo presente (ele chama de
atual). Temos que considerar o atual como sendo também objeto de
conhecimento científico e deixar de concentrar na história uma
concepção passadista. Cada época elege novos temas que falam mais
de suas próprias inquietações e convicções do que de tempos
grandiosos e memoráveis, é o que ele chama de “educar para a
sensibilidade histórica”. Assim, ele inaugura o pensamento do
método regressivo, em que o historiador compreende o presente pelo
passado e os temas do presente condicionam e delimitam o retorno,
possível, ao passado que não é mais "puro".
Queria destacar duas outras questões que nos chamaram a atenção.
A primeira diz respeito a história como não podendo ser feita por
um historiador isolado mas pela ajuda mútua. E o segundo, diz
respeito à "observação histórica", que tem como uma das
idéias bases, a questão dos testemunho dos documentos e o da
impossibilidade de se compreender tudo do passado tendo que o
historiador utilizar um conhecimento através de pistas e vestígios
recorrendo a procedimentos de reconstrução deste. Bloch ressalta
que os documentos só falam se forem interrogados e que a observação
histórica é como a observação de vestígios, já que a história
não tem como provocar um novo fenômeno e nem repeti-lo.
Para finalizar a explanação do texto, quero terminar fazendo uma
lamentação, já que o último capítulo do texto de Bloch, era para
ser sobre o ensino de história, contudo, antes de terminá-lo, ele
foi executado de forma cruel pelos alemães. Mas deixou um indicio ao
escrever que o ensino de história como de suma importância para o
historiador, pois é na escola que se forma a consciência histórica
coletiva e pode ser colhida uma boa historiografia. E também para
ele, o ensino de história, não era só um assunto de professor, mas
de cidadão já que é um tema para a definição e prática da
democracia. Já que ele não terminou tal capítulo, creio que o
texto de Prats, venha contribuir um pouco para pensarmos sobre a
questão.
Prats,
critica o ensino das ciências sociais(história e geografia) e faz
uma metáfora entre o seu currículo e a “caixa de
Pandora” por incluir conteúdos educativos que não têm uma
reflexão sobre o que tais ciências pesquisam, e tem sido usados
para doutrinar ou criar sentimentos de adesão à pátria ou a
personagens históricos. Ele alerta para a questão de que nem tudo é
científico, e para se qualificar como tal, devemos considerar que o
conhecimento foi construído a partir da aplicação do método
científico.
O autor atenta também para o problema causado ao se incorporar os
conhecimentos de ciências sociais às aulas, pois normalmente, eles
são apresentados como conhecimentos prontos, acabados, e em
consequência os alunos não os relacionam exatamente com aquilo que
é próprio de uma ciência e a disciplina é vista como sendo de
memorização. Prats, crê que para que esse conhecimento tenha
grandes potencialidades formativas, é indispensável que o
conhecimento se apresente na escola da maneira como a ciência social
que o produziu, tendo presente principalmente o método de análise
histórica para dar aos alunos o domínio dos instrumentos básicos
para o trabalho científico.
Assim, cabe uma pergunta: quais atividades devem estar presentes em
todo o processo didático para uma aprendizagem adequada da História?
Elas poderiam ser resumidas nos seguintes pontos: aprender a formular
hipóteses estabelecendo problemas históricos cuja solução
implique formular uma ou várias hipóteses; aprender a buscar,
ordenar e classificar fontes históricas aprendendo a conhecer a sua
natureza e tipo; aprender a analisar fontes decifrando a informação
histórica que o documento proporciona; aprender a analisar a
credibilidade das fontes observando quem fez, por que fez e como fez;
e, por último, a aprendizagem da causalidade compreendendo as
relações causa-efeito e a iniciação na explicação histórica.
O autor tenta apontar a utilidade do estudo da História para a
formação integral (intelectual, social e afetiva) dos alunos para
que a história sirva para facilitar a compreensão do presente,
preparar os alunos para a vida adulta para entender os problemas
sociais, situar a importância dos acontecimentos diários, usar a
informação criticamente e para viver com uma consciência cidadã
plena, despertar o interesse pelo passado, potencializar um sentido
de identidade, enriquecer outras áreas do currículo, etc.
Também, apontará os principais objetivos do ensino de História,
que são: compreender os fatos ocorridos no passado e saber situá-los
em seu contexto demonstrando uma compreensão das características
das distintas formações sociais e das complexidades da interrelação
entre causa, consequência e mudança nos fatos históricos;
compreender que na análise do passado há muitos pontos de vista
diferentes devendo reconhecer que a pessoas influem nas
interpretações de um problema histórico e que a história é uma
ciência que explica o tempo passado, apesar da provisoriedade de
suas conclusões; compreender que há formas muito diferentes de
adquirir, obter e avaliar informações sobre o passado através das
fontes, e, transmitir de forma organizada o que se estudou ou se
obteve sobre o passado utilizando-se mais de um meio de expressão
(desenhos, narrativas etc).
Prats, também dirá sobre as dificuldades de se ensinar história:
sua própria natureza como ciência social por tratar-se do
conhecimento de uma trama complexa, dinâmica que supõe o uso de
altos níveis de pensamento abstrato e formal; impossibilidade de
poder reproduzir os fatos do passado em laboratório, sendo que o
passado só é dado pelas fontes que mesmo assim dão uma informação
truncada e de difícil elucidação; o não consenso sobre a
definição e caracterização da História como ciência social; os
preconceitos que dificultam a aprendizagem da História por ser
considerada uma disciplina que pode ser só memorizada, etc.
Uma questão bastante interessante que o autor traz é sobre o
ensino de História requerer a introdução ao método histórico e
para nós professores será mais interessante que os alunos
compreendam como podemos conseguir saber o que passou e como o
explicamos, do que a própria explicação de um fato que ele poderá
inclusive encontrar na internet. Porém, para conhecer ou compreender
um acontecimento histórico, necessitamos receber informação
histórica. A informação é a base para a compreensão, e é
através da compreensão é que se pode ter a explicação
averiguando as causas dos fatos e as consequências derivantes deles.
Para finalizar, vale ressalvar que a causalidade é uma noção
temporal e necessita ser abordada em uma aprendizagem em espiral por
ser uma aprendizagem complexa em que o aluno deve identificar o por
que ocorreram os fatos, identificar os diferentes tipos de fatores
causais, compreender a noção de intenção e de multicausalidade
elaborando teorias explicativas. Por ser complexo, o próprio autor,
afirma que o domínio da causalidade está distante de ser completo
nos estudantes que não são especialistas em História.
Conclui-se que ambos autores tiveram a intenção de escrever sobre
a metodologia da história e o oficio do historiador. Ambos trazem a
tona questões bastantes pertinentes para o que estamos discutindo na
atualidade, desde a questão se história é ou não ciência até o
seus métodos e técnicas. Vale ressalvar que este não é um texto
que tem a intenção de esgotar com essa temática. Humildemente, fiz
questão de trazer ao conhecimento algumas reflexões que foram por
mim filtradas e classificadas como de suma importância para
compreendermos um pouquinho do pensamento dos dois autores. Recomendo
a leitura completa de ambos os textos, e tenho certeza de que da
mesma forma que fui seduzido pelo enredo poético de Marc Bloch e
pela didatização de Prats, os demais leitores também terão esta
impressão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário